domingo, 31 de julho de 2016

Extrema Pobreza e Direitos Humanos na América Latina

Como fazer com que os direitos humanos se tornem uma realidade para as pessoas quem vivem em extrema pobreza? Este foi o tema do encontro realizado, em Buenos Aires, por animadores de Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC), da família franciscana da Argentina. Presentes 35 pessoas, não só da Argentina, mas também Uruguai, Chile, Paraguai e Brasil. Frei Rodrigo Péret, do Brasil, assessorou o encontro.

No centro da discussão a crise econômica e política internacional, que atingiu em cheio a América Latina e os chamados governos democráticos e populares. Em foco a crise política no Brasil, o golpe, que pode resultar no impeachment da presidente Dilma Rousseff. Crises que revelam um desafio para esquerda latino-americana em criar um modelo que associe crescimento econômico, sustentabilidade da vida, justiça sócio ambiental e avanços sociais perenes.

As perspectivas para os países em desenvolvimento deterioram-se ainda mais diante das transformações estruturais em curso na economia mundial. A América Latina viveu no inicio deste século XXI um período histórico qualificado como de “consenso nacional popular”. Após quase duas décadas de mudanças, o cenário se inclina novamente na direção oposta. São evidentes os sinais de esgotamento do “consenso nacional popular” que vingou até pouco tempo. Uma nova onda conservadora avança na região, como na Argentina de Mauricio Macri  e no Brasil com o golpe em curso. É necessária reflexão, avaliação sistemática e mudanças nas organizações sociais (movimentos, partidos políticos, sindicatos, parlamentares, etc.,), bem como um maior protagonismo da sociedade civil.

O encontro teve como base um instrumento prático, na defesa dos direitos humanos das pessoas que vivem na pobreza extrema. Um manual a partir dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre a Pobreza Extrema e os Direitos Humanos, ou seja. Esse manual foi elaborado por Franciscans International (ONG da família franciscana internacional na ONU) e pelo movimento internacional “All together in dignity to overcome poverty” (ATD Quarto Mundo – Todos juntos pela Dignidade, na sua sigla em inglês)

A adoção dos Princípios Orientadores sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 2012 foi uma vitória significativa. A ONU reconheceu que a pobreza não é simplesmente uma questão de falta de renda. Estes princípios orientadores identificam claramente as ações que os governos e outros atores relevantes devem tomar para garantir que todas as pessoas sejam capazes de desfrutar de seus direitos humanos.

O manual traduz esses princípios em linguagem que todos possam entender e sugerir ações em nível local. Intitulado "Fazendo com que os Direitos Humanos se tornem uma realidade para pessoas que vivem em extrema pobreza” o manual é para os atores locais, tanto aqueles que militam em movimentos sociais, ONGs, grupos religiosos, assistentes sociais, líderes comunitários, professores e planejadores urbanos, bem como aqueles que agentes públicos e grupos comunitários.

Em um momento em que os direitos estão sob ataque, sendo suprimidos  pelos interesses do capital, a luta por nenhum direito a menos é um imperativo em todo continente. A defesa da democracia é uma pauta viva nesse momento de crise.


Em destaque o debate sobre os impactos do chamado neoextrativismo como modelo desenvolvimento econômico adotado por alguns governos na América do Sul: Equador, Bolívia, Venezuela, Argentina, Brasil y Uruguai. O neoextrativismo se mostrou como uma continuidade do modelo hegemônico de desenvolvimento económico estabelecido no Sul desde os tempos coloniais e mantido no novo contexto político após os processos de independência. O grau de novidade se resultou igual às propostas desenvolvimentistas dos anos cinquenta. Na verdade o resultado é a primarização da economia, e o reforço da  ideia de crescimento econômico como um indicador de desenvolvimento, com uma intervenção estatal parcial como uma alavanca para a implementação de um forças de mercado que incentive esse crescimento. O neoextractivismo não questionou as relações económicas internacionais que levam a uma inserção subordinada dos países que assumem este modelo. Com a crise das commodities os países que optaram por esse modelo se encontram em graves dificuldades econômicas, com resultantes no campo da política.

A reflexão avançou considerando os trabalhos e compromissos no campo de justiça, paz e integridade da criação, que os franciscanos e franciscanas vivem, junto as lutas do povo. Como avançar a partir do carisma de Francisco e Clara de Assis neste momento de crise, viver uma esperança ativa juntos aos pobres. Um planejamento de trabalhos e lutas em conjunto forma o resultado do encontro

segunda-feira, 25 de julho de 2016

O Grito da Terra e o Grito dos Pobres- na JMJ 2016

Igor Bastos da JUFRA Brasil e da executiva nacional do SINFRAJUPE está em Cracóvia, na Polônia, para a Jornada Mundial da Juventude 2016. Ele está juntamente com o Movimento Católico Global pelo Clima (MCGC), do qual é um dos coordenadores. O MCGC assumiu um grande desafio: Criar um espaço sobre Mudanças Climáticas e Ecologia Integral durante a JMJ 2016. Igor nos diz que apesar da correria devido ao tempo, estão valendo as madrugadas em claro! E conclui: Precisamos ouvir "O Grito da Terra e o Grito dos Pobres". ‪#‎LiveLaudatoSi‬ ‪#‎GCCMTEAM‬

JMJ é o maior encontro de jovens católicos do mundo. Está quase tudo pronto em Cracóvia para a JMJ 2016, a grande festa da fé convocada pelo Papa Francisco para a “cidade santa” da Polônia, onde o Sacerdote e Arcebispo Karol Wojtya teve grande atuação e onde nasceu a devoção à Divina Misericórdia.

O MCGC svai realizar a Cidade Ecológica Laudato Si’ durante a Jornada Mundial da Juventude deste ano, que acontecerá nos dias 26 a 29 julho na Cracóvia, Polônia. O Festival será caracterizado por oficinas, exposições e apresentações artísticas e culturais sobre o tema “Compaixão com a criação de Deus!”. Nosso objetivo é inspirar os participantes a aprender, celebrar e trazer para suas vidas a Encíclica Laudato Si e colocá-la em prática nas suas comunidades locais.
O FESTIVAL ECOLÓGICO DA JUVENTUDE INCLUIRÁ:
Formação para a nossa nova Rede de Jovens Animadores da Laudato Si (27 de julho) para inspirar e preparar jovens líderes católicos a colocar a Laudato Si’ em ação nas suas comunidades locais. Os participantes terão a oportunidade de adquirir formação em rede com outros jovens engajados, e nos ajudarão a lançar a nossa nova rede de Jovens Animadores. Para participar,REGISTRE-SE AQUI

Concerto Laudato Si (27 de Julho) para comemorar o primeiro aniversário da Encíclica e expressar nossa preocupação e compromisso para com a criação através da música, dança, poesia e arte. Veja mais detalhes aqui

Espaço Verde Sagrado (25 a 29 de Julho) para refletir e rezar sobre o cuidado da criação. Passeios guiados de meditação e espaços de orações ao ar livre vão proporcionar uma oportunidade para os peregrinos para descansar na beleza da criação. 

Exposições (25 a 29 de Julho) para destacar as realidades sociais e ecológicas em todo o mundo, os ensinamentos da Igreja sobre os cuidado da criação, apresentando soluções e oportunidades verdes para envolver-se em iniciativas de defesa da nossa Casa Comum. Interessado em realizar uma exposição? Veja mais detalhes aqui.

Seminários sobre a Encíclica Laudato Si: Sobre o cuidado da nossa Casa Comum, com jovens engajados nas questões das mudanças climáticas em todo o mundo, e eventos interativos  para incentivar bate papos sobre as questões ecológicas. Localização: St.Hedwig the Queen. (Veja no mapa.)

Oficinas sobre a Laudato Si do Papa Francisco: Sobre o Cuidado de Nossa Casa Comum. A juventude assumindo ação na questão das mudanças climáticas no mundo. Local: Parque Krowoderski (mapa)

28 de julho, das 14 as 16 horas “Compartilhando eco-testemunhos e compromissos para a ação”
29 de julho, das 14 as 16 horas “Jovens católicos vivendo a Laudato Si’
FONTE: MCGC
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domingo, 24 de julho de 2016

Sobre a Felicidade: Leonardo Boff, Frei Betto e Mario Sergio Cortella


No Sempre um Papo,  Leonardo Boff , Frei Betto e Mario Sérgio Cortella, falam no lançamento do livro "Felicidade Foi-se Embora" (Editora Vozes), no dia 20/04/2016, em Belo Horizonte.


sábado, 23 de julho de 2016

Declaração de OCMAL no Dia Mundial Contra a Mineração em larga escala

Declaração de OCMAL

no Dia Mundial Contra a Mineração em larga escala

Já há mais de 6 anos diversas comunidades vêm se reunindo e compartilhando simbolicamente o dia Mundial Contra a Mineração em larga escala, como uma mostra de que a água e a vida valem mais do que qualquer mineral.
Como Observatorio de Conflictos Mineros de América Latina – OCMAL, articulação sustentada por mais de 40 organizações que diariamente resistem aos impactos sociais, ambientais, políticos e culturais que vai deixando a mineração nos territórios, nós nos somamos neste 22 de julho de 2016 à comemoração do Dia Mundial Contra a Mineração em larga escala.
Valorizamos e celebramos enormemente essa data, já que permite convergir e reafirmar a luta permanente que diversas comunidades e organizações levantam e mantêm. Além disso, possibilita a oportunidade de encontrar-nos em um mesmo caminho que unifica novas alternativas ao modelo.
A mineração vem deixando uma pegada ecológica inapagável na América Latina: reservas ecológicas de grande valor têm sido devastadas, assim como aquíferos, glaciais, montanhas, páramos e territórios de alta complexidade em flora e fauna. Sem dúvida alguma, falar de mineração é falar de resíduos tóxicos e as comunidades atingidas sabem bem disso. A mineração emite cinco vezes mais gases de efeito estufa por dólar de produção que a média de todos os setores da economia, o que a converte em uma das atividades mais contaminantes do planeta.
A oposição a todo esse saque vem ganhando cada vez mais força em todos os cantos do continente. A defesa dos territórios é um componente central que tem caracterizado o processo de expansão da mineração na América Latina, mas as comunidades seguem em pé de guerra também na defesa de seus bens comuns. Condenamos energicamente as mortes e violações de Direitos Humanos que sistematicamente vêm ocorrendo contra defensores e defensoras do meio  ambiente, e que têm custado a vida de muitos e muitas companheiras.
Solidarizamo-nos com todas as comunidades e organizações que diariamente constroem novas alternativas e fazemos um chamado urgente para deter o avanço da mineração em larga escala em nosso continente e no planeta, e a traçar com urgência novas alternativas que promovam o bem viver.
Por uma América Latina sem mineração em larga escala e pela defesa do bem viver
Observatorio de Conflictos Mineros OCMAL 
FONTE:OCMAL

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Bairro Elisson Prieto: direito à vida e não a lógica do mercado imobiliário

da página do CORREIO
Edilson José Graciolli
Professor do Instituto de Ciências Sociais da
Universidade Federal de Uberlândi - UFU
 
Gestores da UFU (os atuais reitor e vice-reitor, professores Elmiro Santos Resende e Eduardo Nunes Guimarães, e o ex-reitor, professor Alfredo Júlio Fernandes Neto) são alvos de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) e acolhida pelo juiz da Segunda Vara Federal, José Humberto Ferreira, relativamente ao que, na visão desses agentes do sistema estatal, teria causado danos ao tesouro nacional, dado que esses gestores da UFU não teriam entrado com uma ação de reintegração de posse quanto à área ocupada em 2012 e que se denomina bairro Elisson Prieto.
 
Essa ocupação constitui a luta por moradia realizada por 2.350 famílias de trabalhadores sem-teto, o que significa quase 15 mil pessoas, em uma propriedade da UFU.
 
O conflito tem sido objeto de negociação entre a própria UFU, a Prefeitura de Uberlândia e o Governo Federal e vem encontrando uma adequada solução nessas esferas, à luz do que estabelece a Constituição Federal, na qual se exige que a propriedade do solo se vincule à função social, de um lado, e, de outro, da própria definição de moradia como um direito humano essencial (estabelecido em termos de segurança da posse, disponibilidade de estrutura e serviços públicos, habitabilidade, custo acessível, priorização de populações vulneráveis, não discriminação, localização adequada e adequação cultural).
 
No que diz respeito à UFU, o acordo, já aprovado pelo seu Conselho Universitário – órgão deliberativo máximo –, prevê a troca dessa parcela da fazenda do Glória por uma área no Capim Branco (do Governo Federal), permuta fundamentada em laudos produzidos pela Companhia de Habitação de Minas Gerais (Cohab/MG) e homologados pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). No laudo 136/2015 da SPU o valor da área que a UFU receberia (no Capim Branco) é estimado em R$ 44.300.000,00, ao passo que o laudo 137/2015 da SPU estipula em R$ 45.400.000,00. Registre-se que a Constituição Federal prevê, em seu artigo 207, que a autonomia universitária inclui as dimensões administrativas e de gestão financeira e patrimonial.
 
Em outras palavras, a negociação mencionada leva em consideração, como valor maior, o direito à vida, e não a lógica do mercado imobiliário. Qual é, afinal de contas e das contas, a melhor função social que pode cumprir essa área do bairro Elisson Prieto? Por todos os motivos, há de se reconhecer que a melhor utilização é a regularização plena das moradias hoje construídas e que abrigam tais pessoas.
 
A própria Polícia Militar prevê que uma eventual ação de reintegração de posse custará algo próximo a R$ 7,5 milhões e tenderá a apresentar um saldo de 40 mortes, sendo 10 PMs e 30 dentre os ocupantes.
 
Não obstante todos esses argumentos e dados, o MPF, agora com o endosso da Segunda Vara da Justiça Federal, insiste em criminalizar a ocupação e os gestores da UFU que têm atuado em consonância com o bom senso, com o que o Conselho Universitário aprovou, com a função social da propriedade, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com o princípio da justiça social.
 
Em síntese, a ação civil pública do MPF se pauta por uma linha de atuação que instiga o confronto, tudo em nome de um suposto prejuízo ao tesouro nacional. O direito coletivo, aí sim, que está sob risco é o da moradia, como parte constitutiva do direito maior, o da vida.
 
Não me parece ser esse o melhor caminho. Por isso, repudio a presente ação do MPF e seu acatamento pela Justiça.
 
Por isso me solidarizo com os gestores da UFU que tiveram seus bens indisponibilizados, entre outras sanções, em virtude, no limite, de terem agido em conformidade com tudo o que se disse acima.
 
Por isso, enfim, defendo a finalização da negociação entre UFU, Prefeitura de Uberlândia e Governo Federal, produzindo-se, assim, todos os desdobramentos que regularizem o bairro Elisson Prieto, num gesto pedagógico e político de que a terra é um bem a que todos devem ter acesso e que não deve servir à função de estoque de valor, seja para interesses imediatamente privados, seja para aqueles mediados pela propriedade estatal.
FONTE: CORREIO DE UBERLÂNDIA
 
 
 

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O desmonte social no plano Temer-Meirelles.

da página da Carta Capital
artigo de Daniel Arias Vazquez, doutor em desenvolvimento econômico e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
O Projeto de Emenda Constitucional nº 241 (PEC 241) demonstra de forma clara o que está na agenda política do governo Michel Temer e na pauta econômica do ministro Henrique Meirelles. A proposta impõe um limite para o aumento do gasto público federal definido pela inflação do ano anterior, por um período de 20 anos. Ou seja, propõe congelar o gasto público em termos reais, retirando a decisão de gasto da esfera da política ao estabelecer um indexador econômico fixo, que não possui qualquer relação com capacidade de arrecadação (receita) ou com as demandas por bens e serviços públicos (despesa), que são as variáveis centrais da função alocativa de qualquer governo.

Ao congelar o gasto federal, a PEC 241 desestrutura o financiamento da política social brasileira ao eliminar a vinculação de receitas destinadas à educação e ao orçamento da seguridade social, que compreende as políticas de saúde, previdência e assistência social. Tais vinculações expressam conquistas sociais que foram garantidas na Constituição de 1988, visando estabelecer prioridade e preservar o gasto público nestas áreas sociais, independentemente do governo que estivesse no poder.

Caso a PEC 241 seja aprovada, os recursos cativos para a educação, saúde, previdência e assistência social serão desvinculados e limitados à evolução dos gastos à correção da inflação. Diante disso, quais são os efeitos esperados da PEC 241 sobre a trajetória do Gasto Social Federal - GSF?
Se realizarmos uma simulação para o período de 2003 a 2015, em vez da trajetória ascendente do GSF aplicado nos governos Lula e Dilma, o Plano Temer/ Meirelles significa um congelamento de todo gasto federal em termos reais. Em valores reais de dezembro de 2015, a PEC 241 teria retirado 3,2 trilhões de reais de recursos federais aplicados na política social. Caso ela estivesse em vigor desde 2003, o GSF seria 37% menor que os recursos destinados à política social nos governos Lula e Dilma.

Por área de atuação, as perdas de recursos seriam da ordem de: 437,7 bilhões de reais na assistência social (o que representa uma redução de 68,5%); 453,9 bilhões de reais em educação e cultura (39% a menos); 253,4 bilhões de reais na saúde (26,5% a menos); 1,7 trilhão reais na previdência (perda de 32,6% dos recursos destinados ao pagamento dos benefícios previdenciários).

Como o efeito da medida é acumulativo, os recursos disponíveis para o GSF seria menos da metade dos recursos efetivamente aplicados no ano de 2015, mais precisamente 55% a menos. Por área, a redução do gasto social seria de: menos 79% na assistência social; menos 62% na educação e cultura; menos 45% na saúde e menos 49% na previdência, mostra o artigo O plano Temer/ Meirelles contra o povo: o desmonte social proposto pela PEC 241.

É importante ressaltar que o Plano Temer/ Meirelles tem como ponto de partida os gastos públicos em um período de recessão, que afetou o orçamento e, portanto, os gastos federais. Ou seja, a PEC 241 pretende projetar no futuro a restrição orçamentária atual para os próximos 20 anos, mesmo quando o País retomar o crescimento e as receitas governamentais voltarem a crescer acima da inflação.

Embora a “falácia da confiança dos mercados” afirme que um ajuste fiscal dessa magnitude e de longo prazo seja um pré-requisito para a retomada do crescimento econômico, sabemos que uma política fiscal restritiva atua no sentido contrário e que, na realidade, os investimentos atraídos por essa estratégia são de caráter eminentemente financeiro.

No lugar de estabelecer uma trava ao gasto público, deveria se identificar que tipo de gasto público poderia ter maior efeito multiplicador, uma vez que o aumento das desonerações e subsídios concedidos ao setor privado não foram capazes de estimular o investimento produtivo. Além de combater a desigualdade e a pobreza no Brasil, o gasto social também cumpriria esse papel de estímulo para a retomada do crescimento.

Em direção contrária, a PEC 241 impõe outra trajetória para os gastos públicos federais como um todo para os próximos 20 anos e, inexoravelmente, reduzirá as possibilidades de atuação do Estado na área social. Trata-se de um duro golpe para a espinha dorsal da proteção social no Brasil, estabelecida na Constituição de 1988 e ainda em consolidação.

Comparação entre Gastos Efetivamente Realizados e a Simulação da PEC 241, com valores agregados para período 2003 - 2015.
R$ bilhões, valores reais de dezembro/2015, IGP-DI
Gasto Efetivo Governos Lula e Dilma
Gasto Simulado Plano Temer/ Meireles
Diferença
Assistência Social
               638,51
               200,83
-68,5%
Educação e Cultura
            1.140,14
               686,20
-39,8%
Saúde
               955,08
               701,66
-26,5%
Previdência
            5.220,90
            3.519,11
-32,6%
GSF Total
            8.689,98
            5.481,39
-36,9%
Fonte: STN/ MF                                                                                         FONTE:  CARTA CAPITAL

Como ficará a lama, quando vierem as chuvas?

da página do Jornal O Tempo
Quase oito meses depois do desastre, o drama da população de Bento Rodrigues e outras comunidades ao longo de 650 quilômetros ainda está longe de terminar. Agora, a preocupação é a iminência do período chuvoso, que começa em setembro.


A mineradora quer construir um dique para conter os rejeitos da inundação de novembro do ano passado e que vai alagar novamente grande parte do distrito. Apesar da destruição, moradores acalentam o desejo de voltar a habitar Bento Rodrigues.

Hoje, eles moram em Mariana, graças a bolsas fornecidas pela mineradora. Sofrem preconceito de muitos marianenses, que, com o desemprego provocado pela interrupção das atividades da empresa, consideram que eles gozam de privilégios.

A obra planejada é problemática. É incerta sua eficácia, e, além disso, ela alagaria propriedades particulares. Os moradores exigem uma solução alternativa que não destrua o que resta do povoado, como a igreja, o cemitério e um muro do século XVIII.

A mineradora diz que não há mais tempo. Com as chuvas, mais lama será arremessada nos afluentes do rio Doce. Os órgãos fiscalizadores relutam em autorizar a construção do dique, considerando que a mineradora “fabricou” essa solução de urgência.

De fato, fiscalização recente constatou problemas ao longo de 100 quilômetros entre a barragem de Fundão e a usina de Candonga, em Santa Cruz do Escalvado, na Zona da Mata. Os rejeitos não foram removidos, e a lama alcança 50 centímetros de altura.

Em vários trechos, não foi feita nenhuma obra de contenção ou trabalho de drenagem.

Com as chuvas, os rejeitos poderão ir parar nos rios e córregos, provocando mais poluição. Em outros pontos, obras executadas exigem correções imediatas.

Pela primeira vez, a vida não está fácil nem para as vítimas, nem para os autores. É um avanço.
FONTE: O TEMPO

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Espiritualidade em tempos de crise

Frei Betto
“Nada há de novo debaixo do sol”, sublinha Coélet, autor do Eclesiastes. De fato, tudo que nos causa preocupação e indignação – corrupção, violência, desrespeitos aos direitos humanos etc. – sempre ocorreu. A diferença é que vivíamos isolados em nossa aldeia. Não existiam, como hoje, meios de comunicação que globalizassem a informação.

Aluno de jornalismo, aprendi que o cão atropelado na rua do meu bairro me interessa mais que dois mil chineses mortos no terremoto em Xangai. Por isso, a crise brasileira tanto nos afeta. E, por consequência, a nossa vida espiritual. Ficamos mais irritadiços, agressivos, pessimistas. Deixamos a emoção se sobrepor à razão.

Todos temos espiritualidade, ainda que desprovidos de fé religiosa. Não se deve confundir espiritualidade e religião. Esta é uma instituição; aquela, uma vivência. E há práticas religiosas que já não são fontes de espiritualidade, como há espiritualidades que não são religiões, como o budismo.

A espiritualidade é a força interior, cultivada na oração ou na meditação, que nos mantém vivos. É alimentada também pelo amor que nos une à família, a autoestima profissional, os valores que regem nossas atitudes e esperanças (sonhos, projetos etc.) e movem os nossos passos em direção ao futuro.

Em tempos de crise, todos os nossos paradigmas parecem ruir. O desemprego ameaça, a política decepciona, o horizonte utópico se apaga, os valores perdem credibilidade. É como turbulência de avião: não temos o controle de quando cessará, e em qualquer direção que se olha há um imenso vazio...

O povo da Bíblia conheceu situações semelhantes à nossa. E escreveu dois livros que bem expressam a espiritualidade em tempos de crise: Eclesiastes e .

No primeiro, o autor nos convida a não dar importância a coisa alguma. “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade.” Tudo é transitório. “Travessia”, assinalou Guimarães Rosa como último vocábulo de Grande Sertão, Veredas. Assim, quem mais se desapega, menos sofre. Lição ensinada por Buda cinco séculos antes de Cristo.

Jó foi vítima de uma crise profunda, que lhe tirou filhos, amigos, bens e saúde. Menos a esperança. Não lhe restou senão a confiança em Deus. Enxergava o avesso do bordado e acreditava que as linhas assimétricas formavam um belo desenho oculto a seus olhos. Até que começou a encarar os fatos por outro prisma. Deus, que ele conhecia apenas de “ouvir falar”, se tornou presença amorosa em sua vida.

A crise não é um acidente de percurso. É a essência do percurso. São as “dores de parto” da Criação, na opinião do apóstolo Paulo. Frente à crise, a espiritualidade nos dá sustento e alento, sobretudo quando a encaramos pela ótica histórica, como ensinou Jesus aos discípulos de Emaús.

Tanta desgraça em volta – miséria, terrorismo, assassinatos – induziu um homem indignado a querer romper o silêncio de Deus: “E o Senhor nada faz?” E ele respondeu: “Já fiz. Você!”

Frei Betto é escritor, autor de “Fidel e a religião” (Fontanar), entre outros livros.
FONTE: CORREIO DA CIDADANIA

terça-feira, 12 de julho de 2016

Novo ataque, 3 indígenas são baleados; menino de 17 anos em estado grave

da página do CIMI
Homens armados em quatro caminhonetes e um trator atacaram violentamente os indígenas Guarani e Kaiowa acampados no tekoha Guapoy, na Terra Indígena (TI) Dourados-Amambaipeguá I, na noite desta segunda, 11, no município de Caarapó (MS), no mesmo local onde foi assassinado o agente de saúde Clodiodi de Souza no mês passado. Três pessoas foram atingidas por tiros de armas de fogo: um adulto de 32 anos e dois jovens, um de 15 e outro de 17 anos. Um deles está em estado grave, e ainda não foram encaminhados para o hospital. O ataque ocorreu sob a presença na região da Força Nacional de Segurança.

Além do massacre de 14 de junho, os indígenas de Caarapó ainda enfrentam uma ordem de reintegração de posse contra a comunidade acampada no tekoha Kunumi Vera – outro acampamento que compõe a mesma TI – e uma ameaça de prisão de lideranças. Há relatos deperseguição sofrida pelos Kaiowa e Guarani na cidade.

Este não é o primeiro ataque contra Guapoy. Em 19 de junho, indígenas relataram ter sido atacados a tiros por homens em caminhonetes, mas ninguém havia ficado ferido.

O último ataque, contudo, foi mais violento. Os Kaiowa relatam que, por volta das 9 da noite de segunda, 11, as famílias do Guapoy estavam dançando guaxiré e rezando, quando visualizaram um trator do tipo pá-carregadeira e quatro caminhonetes rondando a área do equipamento, além de sons de disparos.

Cerca de uma hora depois, os veículos se aproximaram do acampamento. “Eles vinham bem devagarzinho. Na frente, a ‘concha’ [trator] com os faróis acesos. Atrás, as caminhonetes, de luzesapagadas. Aí eles começaram a gritaram ‘sai daí, seus vagabundos!’, e vinham na nossa direção”, relata C., um dos sobreviventes.

“Aí desligou as luzes da ‘concha’, e ligou das caminhonetes. Foi aí que dois homens dentro da ‘concha’ apareceram e começaram a atirar, e outros das caminhonetes também saíram atirando, e a gente saiu tudo correndo”, continua outro indígena, R., também atingido pelos tiros.

No ataque, três indígenas – um adulto, O., de 32 anos, e dos menores de idade – C., de 17, e R., de 15 anos – foram atingidos por tiros. O. levou um tiro que atravessou seu braço, e R. levou um tiro no joelho. O tiro que atingiu C. atravessou seu braço e também o tronco – a bala agora está alojada no tórax, e ele corre risco de complicações. E não se trata de munição de borracha.

As duas afirmações – sobre o estado de saúde e o tipo de munição que atingiu os indígenas – vem da equipe médica do posto de saúde da reserva Tey’ikue, onde estão sendo atendidos os indígenas, na manhã desta terça, 12. Segundo eles, os projéteis que atingiram os indígenas aparenta ser ao menos de calibre 38. C. apresenta sinais de atelectasia e precisa ser levado a um hospital com urgência.

Indígenas que sofreram o ataque afirmam reconhecer ao menos quatro dos homens que os atacaram à noite como proprietários e funcionários de fazendas da região.

FONTE: CIMI

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Cinco anos de prisão por um protesto contra a Vale

Enquanto continua impune o crime cometido pela Vale (Samarco)... Ninguém foi preso, ninguém foi condenado, pelo desastre criminoso de Mariana, que matou gente e destruiu também a bacia do Rio Doce. Professor da Universidade Sul e Sudeste do Pará pode ser preso após ato em solidariedade às vítimas de Mariana

da página EL PAÍS - 

Em 20 de novembro, 15 dias depois do rompimento de uma barragem de mineração em Minas Gerais causar o maior desastre ambiental do país, um grupo de cerca de 30 pessoas realizou um protesto em Marabá, município do Pará onde moradores costumam se mobilizar contra ações de mineração executadas na região. Levaram para o trilho da Estrada de Ferro Carajás cartazes pintados à mão em solidariedade às vítimas do desastre e, segundo os organizadores, depois de cerca de 30 minutos foram embora. Por conta deste ato, Evandro Medeiros, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, poderá ser preso por até cinco anos.

Medeiros, professor da Faculdade de Educação do Campo, foi acusado de incitar o protesto e a ocupação dos trilhos pela Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, alvo da manifestação, que além de ser controladora da Samarco -empresa que geria a barragem que rompeu em Minas Gerais- opera a Estrada de Ferro Carajás, por onde escoa sua produção da região. A empresa apresentou uma queixa crime na delegacia contra ele e, na semana passada, o professor foi indiciado sob suspeita dos crimes de "incitar, publicamente, a prática de crime", com pena prevista de até seis meses, e de "impedir ou perturbar serviço de estrada de ferro", com pena de até cinco anos.

Para o delegado Washington Santos de Oliveira, de Marabá, os indícios do crime do professor apareceram em fotos e vídeos do dia da manifestação enviados pela Vale. Nas imagens, o professor aparece falando ao microfone, o que caracterizaria sua liderança do ato, e os manifestantes estão sob a linha férrea, cometendo um ato que poderia "resultar em desastre", crime previsto pelo artigo 260 do Código Penal, que versa sobre o perigo de desastre ferroviário. "A Constituição assegura o direito de reunião e de livre manifestação, mas eles se encontravam em linha férrea, que tem essa proteção legal. O mero fato de eles estarem no trilho resulta em crime de perigo de desastre ferroviário", explica.

A Vale acusa o protesto de ter impedido o transporte de cargas e de passageiros. Em um acordo com o Governo federal, a empresa disponibiliza um trem uma vez ao dia para levar pessoas em um trajeto que liga Parauapebas (Pará) e São Luís (Maranhão), o mesmo feito por sua produção de minério. "Em casos de obstrução da linha férrea, a empresa precisa adotar os procedimentos judiciais para preservar o direito de propriedade e a manutenção do transporte de cargas e passageiros", disse a mineradora, em nota. A empresa também entrou com um processo civil contra o professor, a quem acusa de organizar o protesto.

Sem trens

Medeiros, entretanto, afirma que o protesto durou cerca de 30 minutos e ocorreu em uma intersecção entre a linha férrea e uma avenida do bairro de Araguaia, onde há uma passagem destinada a pedestres. "A cancela que desce quando os trens estão vindo não fechou em nenhum momento. Os trens não passaram naquele momento em que estávamos lá", afirma ele. Por isso, diz, não houve obstrução da linha. O trem de passageiros já havia passado no momento em que o ato aconteceu. Ele circula ali apenas uma vez ao dia e, às sextas, dia da semana em que houve o ato, o trem chega a Marabá, vindo de Paraupebas, entre 8h19 e 9h04, e sai de Marabá para São Luís entre 8h29 e 9h14. O protesto, segundo o próprio documento da Vale anexado ao inquérito, ocorreu por volta de 9h55. A empresa não informou quantos trens de minério deixaram de circular por conta da manifestação.

Um vídeo ao qual o EL PAÍS teve acesso mostra que a manifestação estava, de fato, no local de intersecção, por onde cruzam motos, carros e até um caminhão no momento do ato. Enquanto isso, um morador do bairro faz uma fala em um microfone contra a Vale. Apesar de o vídeo mostrar a participação de mais pessoas no ato, Medeiros foi o único acusado pela empresa e o único indiciado. O delegado afirma que abrirá uma investigação contra os outros participantes do ato posteriormente.

"O pessoal diz que eu fui o único responsabilizado porque sou o único negro. Mas acho que é porque eu sou atuante. Organizo um festival de cinema, produzo filmes sobre a situação na região. Eles queriam pegar alguém que pudesse servir de exemplo em uma clara tentativa de intimidação", ressalta ele, que no momento produz um documentário sobre os danos que as obras de duplicação dos trilhos da estrada de ferro causaram em bairros da região. "Eu estou sendo processado e citado como bandido por participar de um ato em solidariedade a vítimas de uma barragem", ressalta.

FONTE: EL PAÍS