quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Diocese de Uberlândia se manifesta em relação à situação dos sem teto em Uberlândia (MG)

CARTA ABERTA DA DIOCESE DE UBERLÂNDIA SOBRE A SITUAÇÃO DOS SEM TETO NO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA
“A solidariedade é uma reação espontânea de quem reconhece a função social da propriedade e o destino universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada. A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e aumentá-los de modo a servirem melhor o bem comum, pelo que a solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde. Estas convicções e práticas de solidariedade, quando se fazem carne, abrem caminho a outras transformações estruturais e tornam-nas possíveis. Uma mudança nas estruturas, sem se gerar novas convicções e atitudes, fará com que essas mesmas estruturas, mais cedo ou mais tarde, se tornem corruptas, pesadas e ineficazes.” (Papa Francisco – Exortação Apostólica Evangelii Gaudium n. 189)

Com este espírito de solidariedade e de bem comum, a Diocese de Uberlândia, se dirige ao povo e às autoridades dos poderes executivo, legislativo e judiciário, em vista da urgente necessidade de moradia, que aflige milhares de famílias, em Uberlândia.

Mesmo reconhecendo que o programa de moradia popular, “Minha Casa, Minha Vida”, é uma importante resposta ao déficit habitacional, temos que reconhecer a sua incapacidade em resolver a demanda.

Considerando que:
  • a Doutrina Social da Igreja afirma: “sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”;
  • as muitas áreas no município de Uberlândia se encontram com registros duvidosos ou sobrepostos;
  • a existência de 42.666 inscritos em programa habitacional (Secretaria Municipal de Habitação de Uberlândia - 08/08/2013) e que existem cerca de 12 mil famílias (Comissão Pastoral da Terra) vivendo em 20 acampamentos de sem teto no município de Uberlândia;
  • o fato de que os despejos deixam famílias desalojadas e em situação de vulnerabilidade e não resolvem o problema habitacional;
  • o direito à moradia está consolidado no artigo 6º da Constituição Brasileira, tendo como núcleo básico o direito de viver com segurança, paz e dignidade, podendo, somente com a observância destes três elementos considerar-se plenamente satisfeito;
  • as áreas ocupadas ficam descriminadas em  relação aos serviços públicos, ferindo a dignidade humana e a cidadania das famílias sem teto.

Clamamos:
  • Pelo reconhecimento dos sem teto como titulares do direito à moradia, não podendo ser discriminados em razão da origem social, posição econômica, origem étnica, sexo, raça ou cor, devendo ser reconhecidos seus direitos às políticas públicas, bem como aos serviços públicos em seus acampamentos.
  • Pela regulamentação das atividades do setor privado, evitando a especulação imobiliária, bem como a instituição dos instrumentos jurídicos e urbanísticos de regularização fundiária para reconhecer o direito à moradia das populações que vivem nos assentamentos informais, através da instituição de leis sobre política urbana e habitacional.
  • Pela desapropriação ou negociação de áreas, por necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, para assentamento de famílias sem teto.
  • Pelo direito à participação das famílias mais vulneráveis na definição de qualquer projeto estratégico para a cidade, em especial, no território que ocupam.
  • Pelo entendimento de que os despejos forçados e demolições de domicílio como medida punitiva contrariam as normas nacionais (Constituição Federal, Estatuto da Cidade) e internacionais de que o Brasil é signatário (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Convenção de Genebra de 1949, Protocolos de 1977).

Neste Natal, lembremo-nos de Maria e José, sem teto, na noite fria de Belém. Não tinham aonde ficar, e tiverem que ocupar um local para que Jesus pudesse nascer, com um mínimo de abrigo. Que o espírito do presépio nos leve à solidariedade e à ações concretas, pelo direito à moradia de nossos irmãos e irmãs sem teto.

Uberlândia, 19 de dezembro de 2013

Dom Paulo Francisco Machado
Bispo Diocesano de Uberlândia

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Papa Francisco convida 4 sem-teto no dia do seu aniversário

Francisco convida 4 sem-teto no dia do seu aniversário
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Cidade do Vaticano (RV) – O Papa Francisco hospedou na missa do dia de seu aniversário, 17 de dezembro, quatro pessoas sem-teto e todo o pessoal que trabalha na Casa Santa Marta, aonde reside. Todos foram convidados também para o café da manhã com ele, no refeitório da residência.


Os quatro mendigos, que vivem nas ruas vizinhas ao Vaticano, foram apresentados ao Papa pelo elemosineiro, Dom Konrad Krajewski. A Santa Sé divulgou uma nota informando que a celebração se realizou em um clima “particularmente familiar”, atendendo a um desejo do aniversariante.

Na missa também estavam presentes o Secretário de Estado, Dom Pietro Parolin, que atualmente reside na Casa Santa Marta, e o decano do colégio cardinalício, Dom Angelo Sodano, que concelebrou com o Papa.

O Evangelho do dia, abordando a genealogia e os nomes dos antepassados de Jesus, deu oportunidade ao Papa para citar no curso de sua homilia os nomes de vários funcionários presentes. Depois da missa, como sempre, Francisco cumprimentou todos pessoalmente.

Antes de se dirigirem ao refeitório para o café da manhã, entoaram juntos um coro de “Parabéns a você” pelos 77 anos do Pontífice.
  • FONTE: Rádio Vaticano

sábado, 14 de dezembro de 2013

Mensagem do Papa Francisco à Via Campesina

No inicio do mês de Dezembro, quando João Pedro Stédilie do MST - Via Campesina, esteve no Vaticano participando de diversas atividades a convite da Pontifica Academia de Ciências. O Papa Francisco enviou um vídeo, informal, no qual se refere ao trabalho e  aos membros da assembleia campesina.    Por determinação do Papa Francisco, a Academia de Ciências do Vaticano foi incumbida de realizar um seminário internacional para analisar a situação, causas e alternativas dos trabalhadores excluídos no mundo. um dos encaminhamentos práticos, através da Comissão de Justiça e paz do Vaticano, é de promover em 2014, um grande encontro de movimentos populares de todo mundo, para ai, sim levar a opinião dos próprios representantes dos trabalhadores excluídos e dos movimentos sociais, sobre a temática.

Leiam abaixo a carta de João Pedro Stédile sobre esse seminário:

Caros amigos e amigas
do MST, dos movimentos sociais e das Pastorais no Brasil,
No inicio do mês de Dezembro estive no Vaticano participando de diversas atividades a convite da Pontifica Academia de Ciências.     Por determinação do Papa Francisco, a Academia de Ciencias do Vaticano foi incumbida de realizar um seminário internacional para analisar a situação, causas e alternativas dos trabalhadores excluídos no mundo.
E fui convidado pessoalmente, mas evidente, em função da representatividade do MST e da Via campesina.   E desta forma demonstrou o reconhecimento do Vaticano, ao intenso trabalhado que todos os movimentos sociais do mundo realizam na sua luta por uma sociedade mais igualitária.
   
Estavam no seminário o corpo docente da Academia que é composto por alguns professores de universidades católicas, Cardeais, membros da comissão Justiça e paz do Vaticano, e convidados especiais.

Entre os convidados estavam apenas dois movimentos socais da Argentina (Trabalhadores Marítimos, e trabalhadores catadores de material reciclável, que se chamam de Movimento de trabalhadores excluídos), que são amigos do Papa há muitos anos.  E também convidaram os embaixadores no Vaticano dos principais países católicos do mundo.    Lá estava também o embaixador brasileiro no Vaticano, Denis Fontes de Souza Pinto,  que se disse seguidor de Dom Helder Câmara.
Como parte da metodologia histórica da Pontifica Academia de Ciências, procuram ouvir "os argumentos das diversas posições na sociedade,".    Assim, o debate teve como palestrantes iniciais um companheiro do Movimento dos excluídos da argentina,  Jeffrey Sachhs, assessor do presidente da ONU para temas sócio-econômicos,  de uma professora Estadunidense especialista em educação,(esses dois com clara identidade neoliberal), um professor da universidade católica de Roma, que fez uma reflexão a partir da filosofia da educação, e do ex-primeiro Ministro da Itália, o sr. Proddi, com posições de centro-esquerda.
O seminário foi coordenado pelo Cardeal Turkson, do Senegal e presidente da Comissão Justiça e Paz

Depois seguiram-se os debates.

A realização do seminário sobre tema tão importante revelou por si só, como nas ultimas décadas o Vaticano estava ausente do interesse e dessa preocupação e que agora há mudanças!   E as posições e argumentos desenvolvidas, procuraram chamar atenção das verdadeiras causas da situação de pobreza, desigualdade sócio-econômica, que tem no capitalismo a causa principal de tantos seres humanos excluídos do acesso aos seus direitos e às necessidades básicas.

Certamente, eles ainda terão muitos debates pela frente.   E a publicação da Exortação apostólica do papa, que também se refere ao tema, será um estimulo ainda maior para que a "inteligentzia vaticana"  siga pesquisando e compreendendo porque  um bilhão de seres humanos passam fome todos os dias, por que há tantos trabalhadores desempregados e por que os camponeses, povos nativos, indígenas e pescadores estão sendo expulsos de suas comunidades pelo capital.
E, um dos encaminhamentos práticos já desse debate, que depois pudemos seguir articulando, através da Comissão de Justiça e paz do Vaticano, é de promovermos em 2014, um grande encontro de movimentos populares de todo mundo, para ai, sim levar a opinião dos próprios representantes dos trabalhadores excluídos e dos movimentos sociais, sobre a temática.     Nas próximas semanas estaremos por tanto, construindo a realização dessa conferencia internacional de movimentos populares a se realizar no Vaticano, por convocação do Papa Francisco.
Mensagem do MST ao Papa
Aproveitei a oportunidade de estar no Vaticano, para levar duas mensagens ao Papa Francisco. 
A Primeira, mais simbólica,  nossa companheira Maritania Risso, assentada em Abelardo Luz-SC e  artista popular  preparou um belo quadro pintado com sementes.  

A segunda, entreguei através de emissários próximos a ele, a carta que também.

A Abertura do Papa Francisco ao tema dos mais pobres, da desigualdade social, a sua critica contundente ao sistema financeiro e ao capitalismo, já demonstram importantes mudanças em curso no Vaticano. Assim como já estão provocando reações dos eternos defensores do capital, como por exemplo a campanha da CNN dos EUA.

O Emissário que entregou ao Papa as mensagens, disse que ele gostou muito, e,  nos enviou  rosários abençoados, como sua recordação pessoal.

E também o emissário gravou em seu celular a mensagem abaixo, em que o Papa se refere ao trabalho e  aos membros da assembleia campesina.
Saí com a impressão de que o Papa terá muito trabalho pela frente, para fazer as mudanças necessárias, no Vaticano, no comportamento da Igreja.    Mas sinto que os trabalhadores e os mais pobres terão um aliado importante na sua luta contra a opressão e a exploração.
abraços a todos e todas
João Pedro Stédile

FONTE: SGeral MST

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Ruralistas detêm 72% de comissão especial da PEC 215

Dos 21 deputados federais indicados como membros titulares, ou seja, com direito a voto, para a comissão especial que tratará da PEC 215, ao menos 15, perto de 72%, são membros ou aliados da Frente Parlamentar Agropecuária. Entre os demais deputados, apenas cinco certamente farão frente ao pleito ruralista de transferir do Executivo para o Legislativo a aprovação ou não das demarcações e homologações de terras indígenas, quilombolas e áreas de conservação ambiental.

Em sessão tumultuada nesta quarta, 11, a comissão definiu como presidente o deputado Afonso Florence (PT/BA) e na relatoria o deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR), que já relatou a PEC 215 quando ela ainda tramitava na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), dando parecer de admissibilidade à proposta. Todos os demais integrantes da mesa são da bancada ruralista – três vice-presidentes e o relator substituto. Outros 21 deputados são indicados como suplentes.   

Confira a lista completa aqui

 O número de parlamentares alinhados aos ruralistas pode ser ainda maior, caso posições regionais de alguns deputados se mantenham na comissão. Geraldo Simões (PT/BA), um dos titulares, do mesmo partido da presidente Dilma Rousseff, que já se declarou contra a PEC 215, faz oposição às demarcações de terras tradicionais no sul da Bahia e apresentou na Câmara Federal Projeto de Lei (PL) para alterar o procedimento demarcatório no país.

Os ares desta comissão podem ser sintetizados pelos episódios desta quarta. Na notícia da Agência Câmara sobre a definição da mesa diretora da comissão especial (leia aqui), comentário escrito pelo leitor Luiz Baú diz: “Verifiquem as terras já demarcadas, e como estão sendo usadas pelos bugres”.

Bugres. Talvez tenha sido o tratamento pejorativo mais comum utilizado por um grupo, paramentado com camisas da Confederação nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), contra os indígenas que chegavam à Câmara Federal para participar da sessão. Xingamentos, intimidação física e demonstração de racismo foram despejados sobre os indígenas às portas da chamada 'Casa do Povo' (foto acima).

 “Uma mulher me chamou de lixo. Não respondi. O que se diz para alguém assim?”, lamentou um jovem indígena Munduruku. Um dos principais alvos, cacique Babau Tupinambá foi impedido de entrar na Câmara pelo grupo da CNA. “Não adianta aceitar provocação. Se não entra por aqui, entra por outro lado”, disse. A Polícia Legislativa conteve os mais exaltados na busca por confusão com os indígenas. 
  
 A sessão

 A sessão transcorreu de forma rápida por conta dos intensos protestos do movimento indígena. Em decisão conjunta, as bancadas do PT, PCdoB, PSB, PSOL e PV decidiram pela indicação de nomes à comissão. Os indígenas distribuíram também um documento contra hidrelétricas na Amazônia, em inglês e espanhol, utilizado no Fórum Internacional de Direitos Humanos, que acontece no Centro Internacional de Convenções, em Brasília, como denúncia aos jornalistas e órgãos de direitos humanos da América Latina e do mundo.


No término dos trabalhos, o deputado ruralista Luiz Carlos Heinze (PP/RS) partiu para cima dos indígenas com xingamentos, ofensas racistas e tentativas de agressão, porém foi contido pela Polícia Legislativa. 
FONTE: CIMI (por Renato Santana DF)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Diálogos sobre vida e mineração



Carta Aberta fruto do encontro de religiosos/as e leigos/as comprometidos na defesa do direito sócio-ambiental contra os impactos da mega-mineração no continente Latino-americano. Esse encontro foi realizado em Lima, Peru, de 4-5 de novembro de 2013, com participações de pessoas de vários países do continente.
Diálogos sobre a vida e a mineração

Carta aberta de Religiosas, Religiosos, Leigos e Leigas cuidadores dos bens da Criação em América Latina

Somos religiosas, religiosos, leigos e leigas de América Latina interpelados pela grave situação de nossos povos frente à indústria extrativa, impactados dia após dia pela destruição da Criação, pela exploração indiscriminada dos Bens Comuns, pela repressão e exclusão que geram conflitos sociais, afetam os Direitos Humanos e destroem ecossistemas vitais.
Tentamos elaborar em conjunto estratégias de resposta a essa complexa realidade, à luz do Evangelho.
Em novembro de 2013, encontramo-nos em Lima como grupo inicial, que nasceu desde as experiências concretas de quem trabalha nas regiões de conflito com empreendimentos extrativos.
No Peru, país latino-americano com os melhores indicadores de desenvolvimento econômico, a Defensoria del Pueblo evidenciou que a mineração é a maior fonte de conflitos sociais.
Em todos os nossos países, o extrativismo é uma fonte de constantes e graves conflitos.
Estavam presentes no encontro trinta pessoas, vindo de Salvador, Honduras, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Argentina, Brasil, mas também religiosas/os e leigas/os que trabalham em agências internacionais como VIVAT International, Franciscans International e Mercy Internacional (ONGs de diversas congregações religiosas na ONU) e no escritório de Justiça, Paz e Integridade da Criação dos franciscanos OFM de Roma. O processo foi apoiado e acompanhado por Misereor, a agência de desenvolvimento da igreja católica na Alemanha.
Ao longo dos últimos anos, o Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), várias dioceses e conferências de bispos católicos, bem como o Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), aprofundaram e debateram os conflitos provocados pelos grandes projetos de mineração e energia em nossos Países.
As comunidades cristãs, em muitos casos, foram protagonistas da resistência a esses projetos, em defesa de direitos e tradições locais e em busca de alternativas a esse modelo desenvolvimentista e espoliador, com raízes coloniais.
As organizações cristãs de base sentiram a necessidade de relançar a articulação entre elas e dentro da igreja institucional, em espírito ecumênico.
O contexto é extremamente desafiador: os pastores e líderes cristãos que defendem as comunidades, o meio ambiente e os trabalhadores frente aos impactos da mineração são cada vez mais criminalizados e perseguidos, se encontram isolados e em vários casos pouco apoiados pelas instituições das igrejas ou congregações às quais pertencem. Várias catequistas, irmãs, padres ou pastores foram mortos, ameaçados ou afastados das comunidades junto às quais viviam e lutavam.
As populações tradicionais são as mais impactadas pelos grandes projetos extrativos. Muitas doenças são adquiridas; seus territórios tradicionais são devastados, suas culturas e espiritualidades ameaçadas.
Preocupam-nos os ataques aos direitos indígenas arduamente conquistados, nas últimas décadas, diante das pressões das empresas mineradoras. As populações nativas não são respeitadas em seu direito de veto à construção de grandes hidrelétricas e à exploração mineral nos territórios que pertenceram aos seus ancestrais.
Frente a esse preocupante cenário, há uma necessidade extrema de compor laços de aliança entre quem assumiu a missão cristã de cuidar da Criação, fortalecendo inclusive o diálogo com a hierarquia de nossas igrejas. Alegrou-nos muito a participação de dom Guilherme Werlang, bispo do Brasil[1], ao longo de todo o encontro de Lima, bem como o apoio de Papa Francisco à luta contra a mineração em grande escala[2], expressado em recente encontro em Roma: sinais importantes que apontam para o futuro.
Ao longo do primeiro encontro em Lima definimos algumas pistas de convergência e trabalho para os próximos tempos:
  • Queremos contribuir com a releitura bíblico-teológica dos princípios que fundamentam o compromisso cristão por justiça, paz e integridade da criação (JPIC). Queremos aprofundar as conexões entre os valores sagrados das tradições de nossos povos, a cultura do Buen Vivir e a mensagem cristã, no compromisso comum pela defesa da vida. Vamos trabalhar à inclusão desses temas na educação popular das comunidades cristãs.
  • Queremos dialogar com a igreja institucional católica, com as redes de igrejas evangélicas, com as coordenações de nossas congregações religiosas. Buscaremos fortalecer nosso diálogo com o CLAI e promover um encontro de reflexão e retiro em que representantes dos afetados por mineração peçam ao Vaticano amparo e defesa de seus direitos e estilos de vida.
  • Queremos construir pontes entre as comunidades impactadas e as instituições internacionais de defesa dos direitos humanos, através da missão das religiosas e religiosos que trabalham nas Nações Unidas, nas coordenações nacionais e internacionais de JPIC e nas redes internacionais de luta contra os impactos da mineração.
Para isso, convocamos a um debate permanente sobre esses pontos os religiosos-as e lideranças leigas da America Latina, sensíveis a essa urgência e dispostos a esse compromisso em defesa das comunidades atingidas por mineração.
Queremos voltar a nos encontrar no Brasil, no final de 2014, para afirmar estes e novos compromissos, com um grupo maior e mais articulado, para que nossos povos sintam a proximidade das igrejas e para que tudo, neles, tenha vida em abundância.
Lima, 4-5 de novembro de 2013
Ofelia Vargas – Peru - Grufides
Pablo Sanchez - Peru - Grufides
Juan Goicochea - Peru – Missionários Combonianos
René Flores – Honduras - Frades Menores Franciscanos
César Espinoza – Honduras – Missionários Claretianos
Donald Hernandes – Honduras – CEPRODEH
Filomeno Ceja – Guatemala – Missionários Combonianos
Juan de La Cruz -  Ecuador - Salesianos
Dário Bossi – Brasil – Missionários Combonianos
Danilo Chammas – Brasil – Justiça nos Trilhos
Rodrigo Peret – Brasil - Frades Menores Franciscanos
Gilberto Pauwels – Bolívia - Oblatos de Maria Imaculada
Adriel Ruiz – Colômbia – Sacerdote Diocesano
Cesar Correa – Chile – Missionários Columbanos
César Padilla – Chile - OCMAL
Ana Maria Siufi - Argentina - Hermana de la Misericordia de las Américas
Fábio Ferreira – Roma - Frades Menores Franciscanos
Jean Paul Pezzi - EUA - Missionários Combonianos
Seamus Finn – EUA – Oblatos de Maria Imaculada
Amanda Lyons –EUA - Franciscans International
Aine O'Connor – EUA - Sisters of Mercy, Mercy International Association at the UN
Zélia Cordeiro - EUA - Missionária Serva do Espírito Santo/VIVAT Internacional
Para contatos e maiores informações:  iglesiaymineria@gmail.com


[1] Presidente da Comissão Episcopal Brasileira para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Nelson Mandela (1918-2013)

Nelson Mandela (1918-2013)
O “Madiba”, cuja vida é inspiração de dias melhores, morreu aos 95 anos em sua casa, em Joanesburgo
por José Antonio Lima , em CartaCapital
“Durante a minha vida, me dediquei à luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, e lutei contra a dominação negra. Eu defendi o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e conseguir realizar. Mas, se preciso for, é um ideal para o qual estou disposto a morrer.”
Nelson Mandela, na abertura de sua declaração de defesa no Julgamento de Rivonia, em Pretória, em 20 de abril de 1964
***
Em 12 de fevereiro de 1990, quando Nelson Mandela foi solto, após 27 anos encarcerado, a África do Sul estava à beira de uma guerra civil entre brancos e negros. A libertação de Mandela era fruto de negociações entre o regime segregacionista do Apartheid e a resistência negra, mantidas em segredo para não estimular ainda mais violência por parte dos extremistas de ambos os lados. Havia uma imensa desconfiança a respeito das intenções de Mandela, mas mesmo após séculos de opressão e de seu sofrimento pessoal, Mandela tomou as decisões que fazem muitos considerá-lo o maior líder político de todos os tempos.
Ao levar a todo o país uma mensagem em defesa da democracia e da igualdade, o Madiba, como é conhecido no país, se tornou o artífice da reconciliação entre brancos e negros sul-africanos, evitando o que poderia ser uma sangrenta guerra civil. Foi esse homem que a humanidade perdeu decorrente de uma infecção pulmonar, nesta quinta-feira 5. O anúncio oficial foi feito em rede nacional pelo presidente da África do Sul, Jacob Zuma.
A morte de Mandela era a má notícia que os sul-africanos esperavam há anos, desde que a saúde debilitada do ex-presidente começou a preocupar. A cada internação, o país entrava em apreensão, inúmeros boatos circulavam, o governo divulgava notas oficiais, até que vinha a notícia da alta. Desta vez, foi diferente. A morte de Mandela deve jogar boa parte do país em depressão.
Violência e o fim do Apartheid
O luto não se dá à toa. Após anos lutando contra o regime da supremacia branca de forma institucional, Mandela ajudou a fundar, em 1961, o Umkhonto weSizwe, braço armado do Congresso Nacional Africano (CNA). Dois anos depois de entrar na luta armada, Mandela foi preso e condenado à prisão perpétua no famigerado Julgamento de Rivonia. Ele deixaria a prisão apenas nos anos 1990, quando se juntaria a algumas poucas figuras que tentariam colocar fim ao Apartheid.
Como o regime beneficiava diversos grupos, a resistência às mudanças seria ferrenha. Logo após a soltura de Mandela, uma onda de violência tomou conta da África do Sul. Chacinas foram cometidas várias vezes por dia em trens e outros locais públicos. Líderes comunitários e outras figuras públicas foram executados. Massacres nos guetos negros se tornaram comuns. A execução do “colar”, por meio da qual um pneu com gasolina era colocado no pescoço da vítima e incendiado, se tornou a horrenda face da violência no país. Isso sem contar a repressão violenta da polícia contra as manifestações de populações negras. Era uma época que os sul-africanos “morriam como moscas”, nas palavras do arcebispo anglicano Desmond Tutu, Nobel da Paz.
A violência daquele período era atribuída a uma guerra entre o Congresso Nacional Africano, grupo liderado por Mandela, que pregava a igualdade entre brancos e negros, e o Inkatha, movimento nacionalista zulu, um dos diversos povos sul-africanos. Essa era apenas parte da explicação. A violência generalizada era uma ação orquestrada pelas forças de seguranças do regime e pelos extremistas de direita do Inkatha. Milhares de membros da facção zulu foram treinados em campos secretos e receberam armas e dinheiro das forças de segurança do regime e de líderes brancos de extrema-direita. Alguns policiais, brancos e negros, chegavam a coordenar e participar dos massacres. Quando não havia gente do Inkatha, mercenários de países como Angola e Namíbia eram contratados. Em silêncio, para não serem identificados como estrangeiros pelo sotaque, matavam sul-africanos a esmo.
Para o Inkatha, aquela era uma luta para manter a autonomia da terra KwaZulu e buscar a independência. Para os extremistas brancos, era uma estratégia dupla: primeiro manter a argumentação de que os negros eram incapazes de se autogovernar. Caso isso não desse certo, o CNA, de Mandela, ao menos ficaria enfraquecido para a eleição presidencial que se seguiria, a primeira na qual brancos e negros poderiam votar e ser votados livremente.
A estratégia de desestabilização não deu resultados graças à força de caráter de inúmeras pessoas, entre elas o então presidente sul-africano, Frederik Willem de Klerk, e de Mandela. Entre 1990 e 1993, a África do Sul revogou leis que davam amparo jurídico ao Apartheid, desmantelou seu arsenal nuclear e convocou eleições livres para 1994. Ao contrário do que pensavam os extremistas, o CNA não estava enfraquecido por conta da violência. Nas urnas, o partido obteve uma vitória massacrante, e Mandela se tornou o primeiro presidente negro na história do país.
“Nação Arco-Íris”
No poder, Mandela operou um milagre político. O Madiba fez os sul-africanos acreditarem no seu sonho, o de que a África do Sul poderia ser mesmo uma “Nação Arco-Íris”, na qual todas as “cores” poderiam conviver de forma harmônica. Mandela conseguiu contemplar os anseios das minorias brancas e conter a ânsia por justiça de líderes negros, muitos dos quais desejavam vingança após décadas de abusos e arbitrariedade.
A face mais visível do esforço de reconciliação feita por Mandela foi o apoio à seleção de rúgbi da África do Sul, os Springboks, na Copa do Mundo de 1995. Mandela não permitiu a mudança de nome e uniforme da equipe e tornou a seleção, símbolo de orgulho dos brancos, em orgulho nacional. A empreitada teve um fim épico com a improvável vitória da África do Sul sobre a Nova Zelândia, no hoje mítico Ellis Park, em Johannesburgo. A história foi registrada de forma magistral no livro Conquistando o Inimigo, de John Carlin, e no filme Invictus, de Clint Eastwood.
O apoio aos Springboks era parte da estratégia de Mandela de liderar pelo exemplo. Para o sul-africano comum, branco ou negro, era inevitável se questionar: como pode um homem que ficou encarcerado por 28 anos deixar a prisão sem qualquer resquício de rancor e adotar um tom tão reconciliatório? Se Mandela podia, todos podiam.
O milagre da Nação Arco-Íris foi também institucionalizado. Sob Mandela, a África do Sul passou a ter programas de habitação, educação e desenvolvimento econômico para a população negra; instalou a Comissão da Verdade e da Reconciliação, que serviu como catarse coletiva para o país; e aprovou uma nova Constituição, vista até hoje como ponto central de estabilidade na África do Sul.
O legado de Mandela
Desde que assumiu a presidência, Mandela deixou claro que gostaria de ser apenas o responsável pela transição da África do Sul, e não o guia eterno do país. Ele fez isso pois desejava uma África do Sul independente, inclusive dele próprio. A África do Sul que Mandela imaginou, no entanto, não conseguiu completar o sonho do líder visionário durante sua vida. Contra a vontade de Mandela, e de sua família, sua imagem é usada persistentemente de forma política, às vezes por líderes que dilapidam seu legado. Esse processo foi agravado pelo silêncio ao qual Mandela foi obrigado a se recolher devido ao agravamento de sua doença.
Nos governos de Thabo Mbeki (1999-2007) e do atual presidente, Jacob Zuma, ambos do CNA, a África do Sul teve grande crescimento econômico, mas a desigualdade social é maior que a existente no fim do Apartheid. O CNA, por sua vez, deixou de ser o partido da liberdade para se tornar um amontoado de políticos acusados de corrupção e de agir em benefício próprio. A Liga Jovem do ANC, fundada por Mandela, passou a ser conhecida pelos atos e palavras de intolerância de seus líderes, um perigo para uma país onde a violência racial está contida, mas a tensão entre brancos e negros, não.
Apesar do uso político de sua imagem, Mandela continua sendo o bastião da democracia na África do Sul. Talvez, o distanciamento entre seu legado e a condição atual do país tenha servido para, nos últimos anos, tornar mais agudo o sofrimento da população a cada nova internação. Hoje, finalmente, chegou o dia de deixar Mandela descansar, e dos sul-africanos colocarem o país no rumo sem um exemplo vivo para guiá-los.
FONTE: CARTA CAPITAL

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

FIM DO EUROCENTRISMO E A CENTRALIDADE DOS POBRES: EVANGELII GAUDIUM

Cidade do Vaticano (RV) – A Exortação Apostólica“Evangelii Gaudium”, do Papa Francisco, foi apresentada esta manhã na Sala de Imprensa da Santa Sé.

Participam da coletiva de imprensa o Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, Dom Rino Fisichella, o Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, Dom Lorenzo Baldisseri, e o Presidente do Pontifício Conselho das Comunicações Sociais, Dom Claudio Maria Celli.

O documento do Pontífice nasce da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”, de 2012.

O Papa Francisco reelabora o que emergiu desse Sínodo de modo pessoal, escrevendo um documento programático e exortativo, utilizando a forma de “Exortação Apostólica”. Como tal, tem estilo e linguagem próprios: coloquial e direto, como manifestou Francisco em seus meses de pontificado.

A missionariedade é o coração do texto, em que o Papa convida todos os fiéis cristãos a uma nova etapa evangelizadora, caracterizada pela alegria.

Trata-se de cinco capítulos: “A transformação missionária da Igreja”“Na crise do compromisso comunitário”“O anúncio do Evangelho”“A dimensão social da evangelização” e“Evangelizadores com espírito”.

“O que mantém unido todas essas temáticas é o amor misericordioso de Deus, que vai ao encontro de cada pessoa”, afirmou Dom Rino Fisichella.

Para ele, o que o Papa nos indica, no fundo, “é a Igreja que se faz companheira de percurso dos nossos contemporâneos na busca de Deus e no desejo de vê-lo”.

Por sua vez, Dom Baldisseri destacou o caráter universal do documento, elaborado a partir dos estímulos pastorais provenientes de várias Igrejas locais. “A esta experiência, deve-se o amplo espaço dedicado à religiosidade popular na América Latina – uma verdadeira espiritualidade encarnada na cultura dos mais simples”, acrescentou o Arcebispo.

Em entrevista à Rádio Vaticano, Dom Baldisseri destaca dois aspectos da Exortação: o fim do eurocentrismo e a dimensão dos pobres.

Confira uma síntese da Exortação Apostólica, preparada pela Rádio Vaticano:

“A alegria do evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus”: assim inicia a Exortação Apostólica ‘Evangelii Gaudium’ com a qual o Papa Francisco desenvolve o tema do anúncio do Evangelho no mundo de hoje, recolhendo por outro lado a contribuição dos trabalhos do Sínodo que se realizou no Vaticano de 07 a 28 de Outubro de 2012 com o tema “A nova evangelização para a transmissão da f锓Desejo dirigir-me aos fiéis cristãos – escreve o Papa – para convidá-los a uma nova etapa de evangelização marcada por esta alegria e indicar direções para o caminho da Igreja nos próximos anos” (1). Trata-se de um premente apelo a todos os batizados para que com renovado fervor e dinamismo levem aos outros o amor de Jesus num ‘estado permanente de missão’ (25), vencendo ‘o grande risco do mundo atual’, o de cair ‘numa tristeza individualista’ (2).

O Papa nos convida a ‘recuperar o frescor original do Evangelho’, encontrando‘novas formas’ e ‘métodos criativos’, a não aprisionarmos Jesus nos nossos‘esquemas monótonos’ (11). Precisamos de “uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como elas são” (25) e uma ‘reforma das estruturas’eclesiais para que ‘todas se tornem mais missionárias’ (27). O Pontífice pensa também numa ‘conversão do papado’, para que seja “mais fiel ao significado que Jesus Cristo lhe quis dar e às necessidades atuais da evangelização”. A esperança que as Conferências Episcopais pudessem dar um contributo para que ‘o sentido de colegialidade’ se realizasse ‘concretamente’ – afirma o Papa – ‘não se realizou plenamente’ (32). E’ necessária uma ‘saudável descentralização’ (16). Nesta renovação não se deve ter medo de rever costumes da Igreja ‘não diretamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns dos quais profundamente enraizados ao longo história’ (43).

Sinal de acolhimento de Deus é ‘ter por todo lado igrejas com as portas abertas’ para que aqueles que estão à procura não encontrem ‘a frieza de uma porta fechada’‘Nem mesmo as portas dos Sacramentos se deveriam fechar por qualquer motivo’. Assim, a Eucaristia “não é um prêmio para os perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os fracos. Estas convicções têm também consequências pastorais que somos chamados a considerar com prudência e audácia” (47). Reafirma de preferir uma Igreja ‘ferida e suja por ter saído pelas estradas, em vez de uma igreja ... preocupada em ser o centro e que acaba prisioneira num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se algo nos deve santamente perturbar ... é que muitos dos nossos irmãos vivem ‘sem a amizade de Jesus’” (49).

O Papa aponta as ‘tentações dos agentes da pastoral’: o individualismo, a crise de identidade, o declínio no fervor (78). ‘A maior ameaça’ é ‘o pragmatismo incolor da vida quotidiana da Igreja, no qual aparentemente tudo procede na faixa normal, quando na realidade a fé se vai desgastando’ (83). Exorta a não se deixar levar por um ‘pessimismo estéril’ (84) e a sermos sinais de esperança (86) aplicando a‘revolução da ternura’ (88). E’ necessário fugir da ‘espiritualidade do bem-estar’ que recusa ‘empenhos fraternos’ (90) e vencer a ‘mundanidade espiritual’, que ‘consiste em buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana’ (93). O Papa fala daqueles que ‘se sentem superiores aos outros’, porque ‘inflexivelmente fiéis a um certo estilo católico próprio do passado’ e ‘em vez de evangelizar ... classificam os outros’, ou daqueles que têm um ‘cuidado ostensivo da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas sem que se preocupem com a inserção real do Evangelho’nas necessidades das pessoas ( 95). Esta ‘é uma tremenda corrupção com a aparência de bem ... Deus nos livre de uma igreja mundana sob cortinas espirituais ou pastorais’ (97).

Ele lança um apelo às comunidades eclesiais para não caírem nas invejas e ciúmes:‘dentro do povo de Deus e nas diversas comunidades, quantas guerras’ (98). ‘A quem queremos evangelizar com estes comportamentos?’ (100). Sublinha a necessidade de fazer crescer a responsabilidade dos leigos, mantidos ‘à margem nas decisões’ por um ‘excessivo clericalismo’ (102). Afirma que ‘ainda há necessidade de se ampliar o espaço para uma presença feminina mais incisiva na Igreja’, em particular ‘nos diferentes lugares onde são tomadas as decisões importantes’(103). ‘As reivindicações dos direitos legítimos das mulheres ... não se podem sobrevoar superficialmente’ (104). Os jovens devem ter ‘um maior protagonismo’(106). Diante da escassez de vocações em alguns lugares o Papa afirma que ‘não se podem encher os seminários baseados em qualquer tipo de motivação’ (107).

Abordando o tema da inculturação, o Papa lembra que ‘o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural’ e que o rosto da Igreja é ‘multiforme’ (116).‘Não podemos esperar que todos povos ... para expressar a fé cristã, tenham de imitar as modalidades adotadas pelos povos europeus num determinado momento da história’ (118). O Papa reitera ‘a força evangelizadora da piedade popular’ (122) e incentiva a pesquisa dos teólogos convidando-os a ter ‘a peito a finalidade evangelizadora da Igreja’ e a não se contentar ‘com uma teologia de escritório’ (133).

Em seguida o Papa detém-se ‘com uma certa meticulosidade, na homilia’, porque ‘são muitas as reclamações em relação a este importante ministério e não podemos fechar os ouvidos’ (135). A homilia ‘deve ser breve e evitar de parecer uma conferência ou uma aula’ (138), deve ser capaz de dizer ‘palavras que façam arder os corações’, evitando uma ‘pregação puramente moralista ou de endoutrinar’ (142). Sublinha a importância da preparação, “um pregador que não se prepara não é ‘espiritual’, é desonesto e irresponsável” (145). “Uma boa homilia deve conter ... ‘uma ideia, um sentimento, uma imagem’” (157). A pregação deve ser positiva, para que possa oferecer ‘sempre esperança’ e não deixe ‘prisioneiros da negatividade’ (159). O próprio anúncio do Evangelho deve ter características positivas:‘proximidade, abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não condena’ (165).

Falando dos desafios do mundo contemporâneo, o Papa denuncia o atual sistema econômico: ‘é injusto pela raiz’ (59). ‘Esta economia mata’ porque prevalece a ‘lei do mais forte’. A atual cultura do ‘descartável’ criou ‘algo de novo’“os excluídos não são ‘explorados’, mas ‘lixo’, ‘sobras’” (53). Vivemos uma ‘nova tirania invisível, por vezes virtual’ de um ‘mercado divinizado’, onde reinam a‘especulação financeira’‘corrupção ramificada’‘evasão fiscal egoísta’ (56). Denuncia os ‘ataques à liberdade religiosa’ e as ‘novas situações de perseguição dos cristãos ... Em muitos lugares trata-se pelo contrário de uma difusa indiferença relativista’ (61). A família – continua o Papa – ‘atravessa uma crise cultural profunda’. Reafirmando ‘a contribuição indispensável do matrimônio para a sociedade’ (66), sublinha que ‘o individualismo pós-moderno e globalizado promove um estilo de vida ... que perverte os vínculos familiares’ (67) .

O Papa Francisco reafirma ‘a íntima conexão entre evangelização e promoção humana’ (178 ) e o direito dos Pastores ‘para emitir opiniões sobre tudo o que se relaciona com a vida das pessoas’ (182). “Ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião à secreta intimidade das pessoas, sem qualquer influência na vida social”. Cita João Paulo II onde diz que a Igreja “não pode nem deve ficar à margem da luta pela justiça” (183). ‘Para a Igreja, a opção pelos pobres é uma categoria teológica’ antes de ser sociológica. ‘Por isso, peço uma Igreja pobre para os pobres. Eles têm muito a ensinar-nos’ (198). ‘Até que não se resolvam radicalmente os problemas dos pobres ... não se resolverão os problemas do mundo’ (202). ‘A política, tanto denunciada’ – diz ele – ‘é uma das formas mais preciosas de caridade’‘Rezo ao Senhor para que nos dê mais políticos que tenham verdadeiramente a peito ... a vida dos pobres!’ Em seguida, um aviso:‘qualquer comunidade dentro da Igreja’ que se esquecer dos pobres corre ‘o risco de dissolução’ (207).

O Papa nos convida a cuidar dos mais fracos: “os sem-teto, os dependentes de drogas, os refugiados, os povos indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados” e os migrantes, para quem o Papa exorta os Países ‘a uma abertura generosa’ (210). Fala das vítimas de tráfico e de novas formas de escravidão: “Nas nossas cidades está implantado este crime mafioso e aberrante, e muitos têm as mãos cheias de sangue por causa de uma cumplicidade cômoda e silenciosa”(211). “Duplamente pobres são as mulheres que sofrem situações de exclusão, maus tratos e violência” ( 212). ‘Entre estes fracos, que a Igreja quer cuidar’ estão‘as crianças em gestação, que são as mais indefesas e inocentes de todos, às quais hoje se quer negar a dignidade humana’ (213). ‘Não se deve esperar que a Igreja mude a sua posição sobre esta questão ... Não é progressista fingir de resolver os problemas eliminando uma vida humana’ (214). E depois, um apelo para o respeito de toda a criação: ‘somos chamados a cuidar da fragilidade das pessoas e do mundo em que vivemos’ ( 216) .

No que diz respeito ao tema da paz, o Papa afirma que é ‘necessária uma voz profética’ quando se quer implementar uma falsa reconciliação ‘que mantém calados’os pobres, enquanto alguns ‘não querem renunciar aos seus privilégios’ (218). Para a construção de uma sociedade ‘em paz, justiça e fraternidade’, indica quatro princípios (221): ‘o tempo é superior ao espaço’ (222) significa ‘trabalhar, a longo prazo, sem a obsessão dos resultados imediatos’ (223). ‘A unidade prevalece sobre o conflito’ (226) significa operar para que os opostos atinjam ‘uma unidade multifacetada que gera nova vida’ (228). ‘A realidade é mais importante que a ideia’ (231) significa evitar que a política e a fé sejam reduzidas à retórica (232). ‘O todo é maior do que a parte’ significa colocar em conjunto globalização e localização (234).

‘A evangelização – prossegue o Papa – também implica um caminho de diálogo’, que abre a Igreja para colaborar com todas as realidades políticas, sociais, religiosas e culturais (238). O ecumenismo é ‘uma via imprescindível da evangelização’. Importante o enriquecimento recíproco: ‘quantas coisas podemos aprender uns dos outros!’, por exemplo, ‘no diálogo com os irmãos ortodoxos, nós os católicos temos a possibilidade de aprender alguma coisa mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e a sua experiência de sinodalidade’ (246), ‘o diálogo e a amizade com os filhos de Israel fazem parte da vida dos discípulos de Jesus’ (248), ‘o diálogo inter-religioso’, que deve ser conduzido ‘com uma identidade clara e alegre’é ‘uma condição necessária para a paz no mundo’, e não obscurece a evangelização (250-251), ‘nesta época adquire notável importância a relação com os crentes do Islã’ (252): o Papa implora ‘humildemente’ para que os Países de tradição islâmica garantam a liberdade religiosa para os cristãos, mesmo‘tendo em conta a liberdade de que gozam os crentes do Islã nos países ocidentais’‘Diante de episódios de fundamentalismo violento’ o Papa convida a‘evitar odiosas generalizações, porque o verdadeiro Islã e uma adequada interpretação do Alcorão se opõem a toda a violência’ (253). E contra a tentativa de privatizar as religiões em alguns contextos, afirma que ‘o respeito devido às minorias de agnósticos, ou não-crentes, não se deve impor de forma arbitrária, que silencie as convicções das maiorias de crentes ou ignore a riqueza das tradições religiosas’ (255). E reafirma, portanto, a importância do diálogo e da aliança entre crentes e não-crentes (257) .

O último capítulo é dedicado aos ‘evangelizadores com o Espírito’, que são aqueles ‘que se abrem sem medo à ação do Espírito Santo’, que ‘infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia (parresia), em voz alta e em todo tempo e lugar, mesmo contra a corrente’ (259). Trata-se de‘evangelizadores que rezam e trabalham’ (262), na certeza de que ‘a missão é uma paixão por Jesus, mas ao mesmo tempo, é uma paixão pelo seu povo’ (268):‘Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros’ (270). ‘Na nossa relação com o mundo – esclarece o Papa – somos convidados a dar a razão da nossa esperança, mas não como inimigos que apontam o dedo e condenam’ (271). ‘Pode ser missionário – acrescenta ele – apenas quem se sente bem na busca do bem do próximo, quem deseja a felicidade dos outros’ (272): ‘se eu conseguir ajudar pelo menos uma única pessoa a viver melhor, isto já é suficiente para justificar o dom da minha vida’ (274). O Papa convida-nos a não desanimar perante as falhas ou escassos resultados, porque a‘fecundidade muitas vezes é invisível, indescritível, não pode ser contabilizada’; devemos saber ‘apenas que o dom de nós mesmos é necessário’ (279). A Exortação termina com uma oração a Maria, ‘Mãe da Evangelização’‘Existe um estilo mariano na atividade evangelizadora da Igreja. Porque sempre que olhamos Maria voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto’ (288).
Texto proveniente do site da Rádio Vaticano da página:

sábado, 23 de novembro de 2013

Criminalização da luta por moradia é repudiada em Uberlândia

Centenas de famílias sem-casa lotaram um dos anfiteatros da Universidade Federal de Uberlândia
Centenas de famílias sem-casa lotaram um dos anfiteatros da Universidade Federal de Uberlândia - Foto: Guilherme Dardanhan

Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos reúne centenas de sem-teto.

A criminalização dos movimentos sociais na luta pela moradia fere a Constituição Federal e contraria os pilares do estado democrático de direito. Essa foi a tônica da audiência pública realizada nesta sexta-feira (22/11/13), em Uberlândia (Triângulo Mineiro), pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A audiência pública atendeu a requerimento do presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), que comandou os debates, e do deputado Rômulo Viegas (PSDB).
A surpresa foi a presença de centenas de famílias sem-casa, que além de lotar com pessoas de todas as idades um dos anfiteatros da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), chegaram até a tumultuar o fluxo de veículos nas ruas do campus Santa Mônica. Ao final, parte dos presentes organizou um protesto nas imediações da prefeitura e da Câmara Municipal.
A reunião repercutiu várias denúncias de violações de direitos humanos apresentadas em debate público sobre o tema realizado na ALMG no último dia 4 de outubro. Em linhas gerais, a principal reclamação é a falta de políticas habitacionais nos últimos anos em Uberlândia, que resultaram num déficit de 13 mil famílias vivendo em 22 acampamentos pela cidade, alguns deles ameaçados por processos de reintegração de posse.
Logo na abertura das discussões, o deputado Durval Ângelo lembrou que a Comissão de Direitos Humanos tem poderes limitados, mas pode ser uma importante aliada na luta pelos direitos dos sem-teto. “Não temos o poder de distribuir terra e construir casas, mas temos o poder moral de dar voz aos pobres e oprimidos. Nossa presença aqui é para dizer aos poderes constituídos que não está certo criminalizar quem luta pela moradia, desde que essa luta seja pacífica e desarmada”, afirmou o parlamentar.
“Portanto, todos os movimentos sociais têm legitimidade em uma sociedade democrática, no chamado estado democrático de direito. Afinal, sociedade democrática é aquela em que as pessoas podem lutar por seus direitos. Sempre é bom lembrar que o voto é só um degrau da cidadania”, completou o deputado Durval Ângelo, bastante aplaudido pelos presentes.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos denunciou ainda a abertura sistemática de inquéritos pelas polícias Civil e Federal contra as lideranças dos sem-teto em Uberlândia. Nesses casos, segundo ele, a comissão vai se posicionar enfaticamente ao lado dos movimentos sociais. Da mesma forma, todos os relatos feitos pelos participantes da audiência pública serão encaminhados ao conhecimento do Ministério das Cidades, Ministério Público e Defensoria Pública Estadual, entre outros órgãos.
Durante a reunião, foi informado que policiais estariam cercando uma das ocupações de sem-casa em Uberlândia
Durante a reunião, foi informado que policiais estariam cercando uma das ocupações de sem-casa em Uberlândia - Foto: Guilherme Dardanhan
Ocupações - Curiosamente, durante a reunião, foi divulgada a informação de que policiais estariam cercando uma das ocupações de sem-casa em Uberlândia, a da região conhecida como Granja Planalto. A notícia, que deixou o clima tenso entre os presentes, não se confirmou. “Se alguma liderança for presa ou mesmo chamado para depor, basta dizer que vocês estão colocando em prática a Constituição. Vocês tem que ser tratados como cidadãos, não como bandidos. Ou será que alguém que se submete a ficar anos morando embaixo de um viaduto, debaixo de uma lona, é por que não precisa de moradia?”, ironizou o deputado Durval Ângelo.
Na avaliação do parlamentar, a luta pela moradia tem ganhado mais espaço na agenda da Comissão de Direitos Humanos nos últimos dois anos. De acordo com ele, as políticas habitacionais implementadas pelo Governo Federal têm conseguido dar conta da demanda reprimida nas pequenas e médias cidades, mas nos grandes centros, como Uberlândia, isso não tem sido possível.
“A culpa é da especulação imobiliária. Nessas cidades o metro quadrado de terra urbana virou ouro. O povo precisa ter consciência da sua força. É como aquele ditado: se o boi soubesse a força que tem, ninguém mais comeria bife”, lembrou o deputado Durval Ângelo.
Repressão policial é alvo de críticas de movimentos sociais
“As forças policiais de Uberlândia se acham no direito de impedir que as politicas públicas funcionem, intervindo de forma discricionária na luta pelos direitos inalienáveis das pessoas, como é o caso da moradia”. A afirmação, em tom de desabafo, foi feita durante a audiência pública pelo coordenador da Comissão Pastoral da Terra de Uberlândia, Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret.
“A ocupação é um direito legítimo das pessoas. Há enormes vazios humanos na região, frutos de grilagens, resultado de uma série de falcatruas ao longo da historia”, completou Frei Rodrigo, que pediu a intervenção da Comissão de Direitos Humanos para acionar o Comitê de Conflitos do Ministério das Cidades. Da mesma forma, segundo ele, o envolvimento da Assembleia de Minas na questão é fundamental, sobretudo na intermediação de uma solução junto aos governos Estadual e Federal.
O advogado da Comissão Pastoral da Terra de Uberlândia, Igino Marcos da Mata de Oliveira, denunciou a cumplicidade da mídia na criminalização dos movimentos sociais na região. “Tenho orgulho de defender os pobres, de confrontar quem quer manipular a opinião publica. O que eles fingem não ver é que, em Uberlândia, temos ocupações em cemitério clandestino e em imóvel com quatro matrículas. Enquanto isso, o Poder Judiciário não tem sensibilidade para garantir a presença do povo nessas áreas”, apontou.
Na mesma linha, o vereador Marcos Batista Gomes, o “Marquinho do Megabox”, relator da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Uberlândia, denunciou que tem os documentos da compra da área onde mora, mas não consegue registrar, o que ilustra o caos na situação fundiária na cidade. O parlamentar também se disse discriminado por defender os sem-casa.
“Moro em um assentamento, já passei fome e nunca mandei ninguém invadir terreno, como andam dizendo por aí. Mas já chegou a hora das autoridades decidirem se estão do lado dos ricos ou dos pobres”, reclamou.
O coordenador do Movimento Sem-Teto do Brasil (MSTB), Wellington Marcelino Romana, mais conhecido como “Marrom”, elogiou a mediação da Comissão de Direitos Humanos para evitar a criminalização dos movimentos sociais. “Não somos bandidos, mas a cada dia aumenta o déficit habitacional em Uberlândia e a situação pode sair do controle. Já são pelo menos 45 mil pessoas cadastradas na fila de espera do programa Minha Casa, Minha Vida. Durante anos não tivemos uma política habitacional e agora esse número ficou muito grande”, criticou “Marrom”, que exigiu a suspensão imediata de todas as reintegrações de posse na cidade.
Já o coordenador do Movimento de Libertação dos Sem-Terra, Erivan Magalhães Moraes, defendeu a criação de uma política pública que garanta a transferência direta de recursos para que o cidadão possa comprar um terreno e construir sua casa. “Precisamos de uma lei para isso. Pode ser de um cômodo só, mas será com dignidade”, definiu.
Por fim, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e Sem Terra de Uberlândia, Francisco Rodrigues da Silva, pediu ao presidente da Comissão de Direitos Humanos que os gritos de ordem presenciados durante os debates ecoem na Assembleia de Minas. “Que o senhor leve esse grito para a Assembleia porque não podemos mais ficar calados. Estamos lutando por nossos direitos, mas no nosso país, infelizmente, isso ainda é crime”, criticou.
Prefeitura - Selis Brandão, assessor da Secretaria Municipal de Habitação de Uberlândia, disse que a prefeitura tem consciência do déficit habitacional, cuja superação foi classificada por ele como um “desafio”. “As políticas do Governo Federal na área não têm dado conta de uma situação que veio se agravando ao longo de décadas. Precisamos de ajuda na busca de soluções pacíficas e democráticas”, afirmou.