sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Contra a criminalização dos(as) atingidos(as) pela mineração

 


Comissão Episcopal Regional para Ecologia Integral e Mineração CNBB Leste 2

Rede Igrejas e Mineração MG

 

Manifesto contra a criminalização dos atingidos(as) pela mineração

“O caminho do culpado é tortuoso, mas a conduta do inocente é reta" (Provérbios 21,8)

O livro de provérbios nos chama atenção para o fato de que quem segue a justiça e a beneficência achará a vida, a justiça e a honra. Diante do trecho retirado do Livro dos Provérbios, podemos inferir que vida é feita de escolhas, e, quem escolhe o caminho da justiça colherá honra. Por sua vez, a quem escolhe o caminho da iniquidade restará o que plantou.

Tendo enquanto orientação este ensinamento, a Comissão Episcopal Regional para Ecologia Integral e Mineração CNBB Leste 2 e a Rede Igrejas e Mineração vem manifestar, por intermédio desta nota, sua indignação em relação às condutas das empresas criminosas Vale, SAMARCO E BHP BILINTON, as quais vêm através de ações diversas buscando penalizar cível e criminalmente pessoas atingidas. Há a partir destas condutas incontestável inversão de papéis, onde as vítimas são obrigadas a seguir um caminho tortuosos, ocasionado pelo jogo da poder protagonizado pelas empresas causadoras dos danos, enquanto estas têm o protagonismo para agir e definir as regras como se seguissem o caminho da justiça e da conduta reta.

No contexto de criminalização da luta das pessoas e comunidades atingidas, vigora o esquecimento de que em novembro de 2015, com o rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), as vidas de 20 pessoas foram ceifadas, houve, além disso, a morte do Rio Doce e seus afluentes. Milhares de histórias de vidas humanas e não humanas foram, e seguem sendo destruídas.

Neste mesmo cenário, deixam de considerar também, que enquanto os atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão seguiam em luta pela reparação integral, ainda em 2019, mais um crime ocorreu. Houve o rompimento da Barragem B I, B IV e B IV A, da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), também de propriedade da empresa Vale S.A, O crime de Brumadinho chocou o mundo, não somente por seus graves impactos ambientais, mas especialmente devido ao número de vidas ceifadas. O rompimento resultou no óbito de 272 pessoas, na morte do Rio Paraopeba, alcançando a Represa de Três Marias. 

É importante salientar que até a presente data, nenhum executivo, diretor ou engenheiro de nenhuma das referidas empresas foi devidamente responsabilizado por ambos os crimes. Do mesmo modo, não houve a responsabilização adequada das empresas. Em contrapartida, centenas de milhares de vítimas permanecem sem as devidas indenizações pelos danos experimentados de forma continuada, num cenário marcado, como já mencionado anteriormente, pela sua criminalização. 

Dentre tantas as tentativas de criminalização das pessoas atingidas, destacamos aqui, condução de Marino D’Angelo, atingido de Paracatu de Cima e membro da Comissão dos Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF) à delegacia da Policia Civil de Ouro Preto no último dia 2 de setembro de 2023, bem como um episódio vivenciado por Arlinda.

Arlinda foi criminalizada ao reivindicar seu direito legitimo à moradia no reassentamento de Paracatu, pois era moradora do território de origem, e, além disso, as diretrizes homologadas em sede de Ação Civil Pública garantem a ela a restituição do direito à moradia. No entanto, mesmo assegurada judicialmente, ao pleitear a restituição do direito à moradia, Arlinda foi presa, e teve que pagar 6 mil reais de fiança. Este foi mais um caso de limitação ao direito à liberdade de expressão e manifestação constitucionalmente garantidos. Fatos similares ao de Arlinda aconteceram em Antônio Pereira e em Conceição do Mato Dentro, aonde as mineradoras Vale e Anglo American utilizaram de meios processuais para intimidar, criminalizar e até mesmo restringir a participação de lideranças em protestos e manifestações em que reivindicavam seus direitos. 

Marino estava em um terreno de sua propriedade, quando funcionários da Fundação Renova compareceram ao local para realizar obras em seu imóvel, sem a devida autorização do mesmo, tendo em vista que o acordo firmado verbalmente entre as partes era de que nada seria executado no terreno até que fossem resolvidas as questões do processo de reparação, no âmbito individual. Sendo assim, Marino solicitou que os trabalhadores da Fundação Renova se retirassem do local. 

A Fundação Renova além de se recusar a deixar a propriedade, como seria devido, acionou as autoridades policiais de Mariana, as quais conduziram Marino coercitivamente à Delegacia de Polícia Civil de Ouro Preto. Houve, neste fato uma tremenda inversão de papeis, pois, em que pese a Fundação Renova tenha invadido uma propriedade, conforme previsto pelo artigo 150 do Código Penal, Marino, vítima do rompimento e deste crime, foi tratado como infrator.  

Do mesmo modo, também vivenciamos inversões dos papeis no âmbito da reparação dos crimes cometidos pelas mineradoras, a partir do advento da resolução de conflitos socioambientais baseada nas “soluções negociadas”. Tal paradigma se consubstancia, em geral, na transferência do espaço de tomada de decisões que antes ocorriam no âmbito político e legislativo (como no caso da ALMG), bem como no âmbito do Judiciário (em processos judiciais em curso), para negociação e conciliação com as empresas causadoras dos danos.

O argumento para esta mudança de paradigma se sustenta na ideia de que, ainda que houvessem decisões judiciais favoráveis, o risco não valeria a pena, pois, as empresas poderiam recorrer às instâncias superiores, fator de resultaria em processos morosos e diminuição das indenizações. Manter as negociações nas mãos das empresas causadoras dos danos significa dar a estas o poder de decidir quem foi atingido, interferindo em questões centrais relacionadas à reparação de direitos difusos, coletivos e individuais.

Neste sentido, para além da constante criminalização da luta das atingidas e atingidos pela reparação integral, também é importante denunciar os novos moldes de negociação nos quais as empresas rés possuem centralidade. 

Por fim, além das denuncias gostaríamos de expressar nossa compaixão e pedimos a nosso bom Deus, justiça à Marino, e à sua família e a todas as pessoas atingidas, que veem sofrendo diariamente violações de seus direitos e sendo criminalizadas por lutarem pela efetivação de seus direitos.

Já diria o livro de provérbios: “O que justifica o ímpio, e o que condena o justo, ambos são abomináveis ao Senhor, tanto um como o outro.” (Provérbios 17,15)

Belo Horizonte – MG, 20 de setembro de 2023

Comissão Episcopal Regional para Ecologia Integral e Mineração CNBB Leste 2

Rede Igrejas e Mineração Minas Gerais



sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Escola Ecumênica por uma Economia da Vida e Justiça Ecológica.

 


Em Kuala Lumpur, Malásia – uma cidade de contrastes socioeconômicos – de 21 de agosto a 1 de setembro, foi realizada a 6ª edição da Escola Ecuménica de Governaça, Economia e Gestão para uma Economia da Vida (Escola GEM 2023) reuniu 24 participantes para repensar a economia sistemas para um planeta mais equitativo e sustentável.

Os participantes vieram de mais de 20 países na África, Ásia, Caribe, Europa, América Latina, Oriente Médio, América do Norte e no Pacífico, incluindo líderes religiosos, pastores e estudantes de teologia, bem como especialistas em finanças, defensores da justiça econômica e ecoativistas, com o objetivo de promover um diálogo e aprendizado intergeracionais e multidisciplinares.

O programa explorou as interseções entre a fé e a justiça econômica por meio de estudos bíblicos, capacitou os participantes com treinamento básico em economia e ferramentas de advocacia, e examinou pensamentos econômicos alternativos e recomendações de políticas.

“A Escola GEM refletiu sobre questões inter-relacionadas de desigualdades socioeconômicas gritantes, bem como a questão premente da sustentabilidade. Entre outros tópicos, as palestras e discussões se concentraram nas raízes da desigualdade, na complexa relação entre economia e meio ambiente, e na urgente necessidade de novas visões econômicas, indicadores, políticas e estruturas de governança econômica, essenciais para a coconstrução de um planeta mais justo e sustentável”, disse Athena Peralta, executiva de programa do Conselho Mundial de Igrejas para Justiça Econômica e Ecológica.

Ao final do programa, os participantes, com base em suas trocas e aprendizados ao longo de quase duas semanas, apresentaram uma variedade de propostas de projetos. O Rev. Karthik Sibanayam compartilhou um plano para seminários teológicos na Malásia refletirem sobre questões de justiça econômica como parte do currículo. 

Ampri Samosir, Patricia Mungcal, Rev. Chi-Kang Chiang e Rev. Vavauni Ljalgajean apresentaram uma ideia conjunta focada na construção de redes, aprendizado mútuo e defesa das interseções entre a justiça climática e econômica na Indonésia, nas Filipinas e em Taiwan.

Várias propostas destacaram a justiça fiscal e reparações. Bruno Reikdal Lima compartilhou uma proposta para um projeto de comunicação para superar percepções negativas sobre impostos, vincular a justiça fiscal à vida cotidiana das pessoas e aprofundar a campanha Zacchaeus Tax para a justiça tributária global no Brasil. Vindo do contexto de Belize - um pequeno estado insular vulnerável ao clima - o Fr. Rudolph Dawson propôs desenvolver uma campanha vinculando a justiça tributária e reparações por perdas e danos relacionados ao clima no Caribe.

Florence Iminza, do Quênia, também compartilhou uma proposta para iniciar uma pesquisa como base para o trabalho das igrejas em prol de uma tributação justa, incluindo as indústrias extrativas na África. Para Iminza, uma lição-chave da Escola GEM é que "sistemas de tributação justa são obrigatórios para uma nova ordem econômica internacional. É necessário que a comunidade global das igrejas construa solidariedade por uma economia alternativa de vida"

.Wilfred Rigamoto, que está desenvolvendo um projeto sobre indicadores alternativos que apoiam uma narrativa de desenvolvimento indígena no Pacífico, não poderia concordar mais: "Com solidariedade e o poder das pessoas, podemos ser e fazer a mudança que desejamos ver no mundo!"

A Escola GEM foi hospedada pelo Conselho de Igrejas da Malásia e convocada pelo Conselho Mundial de Igrejas, Comunhão Mundial Reformada, Federação Luterana Mundial, Conselho Mundial Metodista e Conselho para a Missão Mundial como parte da iniciativa Nova Arquitetura Financeira e Econômica Internacional.

Fonte: Conselho Mundial de Igrejas