domingo, 23 de fevereiro de 2014

Cemig é responsabilizada por flagrante de 179 trabalhadores em condições análogas às de escravos

Submetidos a jornadas de mais de 11 horas por dia, eles eram funcionários de terceirizada contratada sem licitação, segundo a fiscalização
Trabalhadores flagrados em condições análogas às de escravos realizam reparos e construção de postes da Cemig (Fotos:  MTE)Por Stefano Wrobleski
A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) foi responsabilizada por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) pela submissão de 179 trabalhadores a condições análogas às de escravos em Belo Horizonte (MG). A primeira fiscalização na empresa aconteceu em julho de 2013 e foi acompanhada também pela Polícia Federal. A caracterização de escravidão foi resultado de intensa investigação que levou mais de seis meses, com análise de documentos e tomada de depoimentos das vítimas. Além de submeter trabalhadores à escravidão, a Cemig – empresa de economia mista controlada pelo governo do Estado de Minas Gerais – é acusada também de terceirização ilegal e contratação de empresas sem licitação. Procurada pela Repórter Brasil, a empresa enviouposicionamento negando as acusações.
Trabalhadores flagrados em condições análogas às de escravos realizam reparos e construção de postes da Cemig Fotos: Divulgação/SRTE-MG
O relatório de fiscalização servirá de base para a ação do Ministério Público do Trabalho. Nesta quinta-feira (20), a procuradora Luciana Marques Coutinho destacou, em apreciação prévia, que não é o primeiro problema trabalhista envolvendo a Cemig. “O resultado da ação fiscal realizada em 2013, além de comprovar os fatos narrados nas ações civis públicas já ajuizadas, ou seja, a ilicitude da terceirização e a absurda precarização do trabalho dos terceirizados, revela um incremento ou piora do quadro”, escreveu.
“A submissão dos trabalhadores a situações inadmissíveis de labor, seja em razão da jornada extenuante, não registrada nos controles de jornada e paga ‘por fora’ ou extra-folha, seja em função da inexistência de garantias mínimas e básicas de trabalho, como o fornecimento de água potável e instalações sanitárias nas frentes de trabalho, ou ainda em razão do exercício de atividade altamente perigosa sem treinamento/capacitação adequados, para mencionar apenas algumas das irregularidades afirmadas no relato fiscal, se encaixa no conceito de trabalho análogo à escravidão”.
Cozinha de alojamento dos trabalhadores da Cemig estava em péssimas condições
Cozinha de alojamento dos trabalhadores da Cemig estava em péssimas condições
Trabalho escravo urbano
Os 179 empregados trabalhavam no reparo e construção da rede elétrica da Cemig e estavam submetidos a jornadas exaustivas sistemáticas. Segundo o auditor fiscal Marcelo Gonçalves Campos, que coordenou a operação, era comum os trabalhadores passarem mais de onze horas por dia em serviço. Além disso, o descanso entre jornadas era abaixo do permitido na legislação trabalhista e os empregados não tinham nenhum dia de descanso semanal. Quando a carga de trabalho excedia os limites legais, era comum o pagamento de valores “por fora”.

Além de submetidos a jornadas exaustivas, os trabalhadores não tinham água potável, banheiros ou lugar para comer. “Se nós fazemos essas exigências no meio rural, temos também que exigir o cumprimento dessas obrigações no meio urbano”, ressaltou o auditor.
Dentre os 179 trabalhadores, 82 eram migrantes e estavam alojados em condições degradantes. As sete casas onde os que não eram de Belo Horizonte viviam estavam sujas, não dispunham de armários e tinham entulho e lixo acumulados em áreas comuns.
“Quando fomos conversar com os trabalhadores, eles relataram dificuldades de viajar para casa por conta da jornada”Jefferson Leandro Silva,
diretor do Sindieletro
A denúncia da situação a que os trabalhadores estavam submetidos chegou ao MTE através do sindicato da categoria. De acordo com Jefferson Leandro Silva, diretor do Sindieletro, um dos empregados suicidou-se em seu alojamento em fevereiro de 2013. “Quando fomos conversar com os trabalhadores, eles relataram as dificuldades de trabalho e a dificuldade de viajar para casa por conta da jornada”, contou. Segundo ele, os colegas explicaram que esse foi o motivo do suicídio.
Terceirização ilegal
De acordo com o auditor fiscal Marcelo Gonçalves Campos, a Cemig dificultou o resgate dos trabalhadores e se negou a pagar as verbas rescisórias devidas. ”Tentamos até o limite”, afirmou o auditor, que, para tentar garantir o direitos dos empregados, encaminhou farta documentação ao MPT.

Na nota em que nega ter submetido trabalhadores à escravidão, a Cemig afirmou que “prestou todas as informações solicitadas e tomou as medidas cabíveis diante das irregularidades apontadas”, listou um histórico de providências tomadas para tentar solucionar o caso e responsabilizou a CET Engenharia Ltda., empresa terceirizada, pela situação a que o grupo acabou submetido.
Os trabalhadores tinham relação de emprego formalizada com a CET. Em 2009, a empresa já tinha firmado um termo com o MPT se comprometendo a corrigir diversos dos problemas apontados desta vez e a cumprir com a legislação trabalhista, sob pena de multa. De acordo com o Sindieletro, a CET Engenharia anunciou que será fechada depois de ter sido autuada por trabalho escravo, em dezembro de 2013. No entanto, o advogado da empresa, Eduardo Sousa, disse à Repórter Brasil que  “houve redução na prestação de serviço com a Cemig, mas nada ligado com o caso”. Ele disse não saber sobre um possível fechamento da empresa. A informação vai de encontro com uma declaração da Cemig, que disse ter suspendido a CET Engenharia do Cadastro de Fornecedores da empresa.
Tanto os fiscais quanto a procuradora responsável pelo caso consideraram a terceirização destes trabalhadores ilegal com base na súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho e, por isso, responsabilizaram a Cemig pelas infrações. Eles avaliaram que, subordinadas a ordens da administração da companhia, os empregados desempenhavam a mesma atividade-fim da companhia ao trabalharem na reparação e construção da rede elétrica da companhia. A Cemig não se posicionou sobre esta acusação.
FONTE: REPÓRTER BRASIL

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Justiça declara inconstitucionalidade de artigo do novo Código Florestal

Entendimento que acolhe teses do Ministério Público Federal considerou que a nova lei incorreu em "flagrante retrocesso jurídico-ambiental".

O juízo da 2ª Vara Federal de Uberaba (MG) declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 62 do Novo Código Florestal brasileiro (Lei nº 12.651/2012), que reduziu a proteção das áreas de preservação permanente localizadas às margens de reservatórios artificiais.
As decisões foram proferidas em duas ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) contra pessoas que desmataram e construíram edificações às margens dos reservatórios de usinas hidrelétricas instaladas no Rio Grande, no Triângulo Mineiro, desobedecendo a distância mínima permitida em lei.
Essa distância, pelo antigo Código Florestal e legislação que o regulamentava (Resolução 302/2002, do Conselho Nacional de Meio Ambiente), era de 30 metros nos reservatórios situados em área urbana e de 100 metros naqueles situados na zona rural.
O novo Código Florestal brasileiro, no entanto, dispôs que os reservatórios artificiais passaram a ter a respectiva área de preservação permanente fixada pela distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum (artigo 62).
Segundo a magistrada que proferiu a sentença na ação civil pública, “percebe-se, sem qualquer dificuldade, que o legislador ordinário atuou deliberadamente no sentido de extinguir a proteção ambiental no entorno dos reservatórios artificiais, pois se no quadro normativo anterior à Lei 12.651/2012, este espaço recebia proteção de 15 a 100 metros (Resolução 302/2002 Conama), atualmente a faixa de proteção recai apenas sobre a área normalmente inundável (a chamada cota máxima maximorum), que é ínfima, quando não inexistente”.
Lembrando que as áreas de preservação permanente dos reservatórios artificiais desempenham papel importante no equilíbrio da biodiversidade, protegendo o solo de erosões e garantindo a recarga do aquífero, ela destacou que o artigo 62 do Novo Código Florestal constitui “flagrante retrocesso jurídico-ambiental”, o que é “inadmissível no plano normativo dos direitos fundamentais” assegurados pela Constituição.
Na sentença proferida em outra ação, o magistrado salientou que “qualquer desobediência e consequente afronta às normas constitucionais deve ser repelida pelo Poder Judiciário no exercício do controle de constitucionalidade, pois é preciso reconhecer que se está diante de um pacto nacional pela preservação do meio ambiente”.
Além disso, segundo ele, “o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada”.
Nas duas ações, os réus foram condenados a demolir as edificações erguidas irregularmente, retirando o entulho resultante da demolição. Os infratores também deverão recuperar a área degradada, conforme Plano de Recuperação Ambiental previamente aprovado pelo órgão ambiental competente, e se absterem de realizar novas ocupações, corte, exploração ou supressão de qualquer tipo de vegetação na área de preservação permanente.
Saiba mais – Em janeiro de 2013, a Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 4901, 4902 e 4903), com pedidos de liminar, no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando dispositivos do novo Código Florestal brasileiro (Lei 12.651/12) relacionados às áreas de preservação permanente, à redução da reserva legal e
também à anistia para quem promove degradação ambiental.
Nas ações, a PGR pediu liminarmente a suspensão da eficácia dos dispositivos questionados até o julgamento do mérito da questão. Também foi pedida a adoção do chamado “rito abreviado”, o que permite o julgamento das liminares diretamente pelo plenário do STF em razão da relevância da matéria.
Um ano depois, tanto o pedido de liminar, quanto as próprias ações, continuam aguardando julgamento.
Ação Civil Pública nº 2004.38.02.003081-7
Ação Civil Pública n. 1588-63.2013.4.01.3802

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

MST se reúne com presidente Dilma

Representantes do MST reuniram-se durante uma hora com a presidente Dilma Rousseff, na manhã desta quinta feira(13). Dessa reunião, no Planalto, participaram também o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas. 

O MST apresentou uma carta com 11 pontos de reivindicações à presidente Dilma Rousseff em que apontam para a "necessidade urgente de fazer mudanças nas políticas agrárias" do governo. O MST cobrou do governo mais desapropriações e alegou que os números do governo estão inflados porque a maioria desses assentamentos, feitos no governo Dilma, seria regularização fundiária e reposição de lotes já concedidos e que teriam sido abandonados, o que o movimento não consider como assentamentos.

Uma outra reivindicação foi a ampliação do número de assentados que participam do Programa de Aquisição de Alimentos, em que o governo compra a produção dos assentados para estoques. Hoje, apenas 5% estão no programa e, de acordo com o ministro, é preciso melhorar a produção dos assentamentos para garantir qualidade e regularidade.
Também foi entregue, à presidente,  no início da reunião itens produzidos pelo MST. 


CARTA À PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF
Estamos aqui em Brasília (DF), com 15 mil militantes do nosso Movimento, o MST, vindos de 24 estados brasileiros, reunidos no VI Congresso Nacional.
Estamos discutindo os problemas sociais do campo, a realidade agrária e a necessidade urgente de fazer mudanças nas políticas agrárias do seu Governo.
Diante da grave situação que atinge a milhares de camponeses sem-terra em todo pais, resolvemos lhe escrever para denunciar e apresentar soluções emergenciais para os problemas que enfrentamos.
1. Há em todo Brasil mais de cem mil famílias acampadas debaixo da lona preta, organizadas por vários movimentos populares e sindicatos. Muitas famílias estão acampadas há mais de oito anos. O Governo foi incapaz de resolver esse grave problema social e político. A média de famílias assentadas por desapropriações foi de apenas 13 mil por ano, a menor média após os governos da ditadura militar. É necessário assentar, imediatamente, todas as famílias acampadas.
2. O Governo havia se comprometido de priorizar o assentamento de famílias Sem Terras nos projetos de irrigação do nordeste brasileiro. Sabemos que além dos vários projetos que estão sendo implantados, há mais de 80 mil lotes vagos, com água e a infraestrutura necessária para assentamentos. Basta cumprir a promessa feita e ter agilidade administrativa para assentar milhares de famílias de camponeses nesses lotes. Mas, até agora, nada foi feito.
3. O Governo, na Medida Provisória que encaminhou o problema das dívidas de créditos passados, incluiu a privatização dos lotes da Reforma Agrária. Essa decisão irá permitir e incentivar a venda dos lotes nos assentamentos. É tudo o que os inimigos da Reforma agrária querem para desmoralizá-la, através da compra e venda de lotes dos assentamentos.  Defendemos o que está na Constituição: a terra distribuída através da Reforma Agrária não pode ser vendida!  E os assentados devem receber um titulo individual de Concessão Real de Uso, com direito a herança. Sugerimos que o governo e os parlamentares alterem a Medida Provisória.
4. O Governo implementou, nos últimos anos, dois programas importantes para  ajudar e incentivar agricultura familiar e camponesa, o PAA (Programa Aquisição de Alimentos) e o PENAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). Porém, esses programas só atingiram 5% das famílias camponesas. É necessário que o Governo aumente os recursos para esses programas, desburocratize e amplie para o maior numero possível de municípios do Brasil.
5. Existe a necessidade de construir, aproximadamente, mais de 120 mil casas nos assentamentos da Reforma Agrária. As famílias conquistaram a terra, mas não têm moradias dignas. Reivindicamos que a Caixa Econômica Federal amplie os recursos, desburocratize os processos para que todos as famílias assentadas tenham acesso ao programa Minha Casa Minha Vida,  sob controle das famílias e suas associações.
6. No Brasil persistem diferentes formas de trabalho escravo em todo o território nacional. A Policia Federal libertou mais de 50 mil pessoas em 566 fazendas nos últimos anos. Exigimos que o Governo puna essa prática criminosa e aplique o que determina a Constituição Federal: a expropriação dessas fazendas para fins de Reforma Agrária.
7. Apoiamos e exigimos a legalização imediata de todas as terras indígenas e as áreas de quilombolas.
8. Queremos denunciar que o atual coordenador da CTNbio, que julga a liberação de sementes transgênicas, até ontem fazia consultoria para empresas transnacionais que obtém vultuosos lucros com a vendas dessas sementes. Isso é, no mínimo, falta de ética. Exigimos que essa pessoa seja substituída. E, solicitamos que os movimentos populares do campo e as universidades também tenham o direito de indicar cientistas para compor a comissão de analise das sementes transgênicas. Exigimos que o governo use sua base parlamentar para impedir o avanço dos projetos de lei que querem legalizar o uso da tecnologia que esteriliza as sementes. Nenhum pais do mundo aprovou a “tecnologia terminator”. O Brasil não pode ser essa exceção.
8. Há tempos apresentamos ao seu Governo algumas propostas que são muito importantes para resolver os problemas da população camponesa, como políticas estruturantes:
a) Propomos um grande programa de reflorestamento nas áreas dos pequenos agricultores e assentados. O Governo deveria incentivar e ajudar cada família camponesa a reflorestar 2 hectares de terra com árvores nativas e frutíferas.
b) Há ainda 14 milhões de trabalhadores analfabetos. Isso é inaceitável. Por isso, reivindicamos um programa nacional, num verdadeiro mutirão,  de alfabetização de adultos em todo Brasil. 
c) Precisamos garantir escolas de ensino fundamental e médio em todo interior do país. Não podemos aceitar que continuem fechando escolas no campo, como aconteceu com mais de 20 mil escolas  nos últimos anos. Forçar as crianças e jovens a estudarem nas cidades, é um incentivo para promover o êxodo rural.
d) Reivindicamos que se ampliem os recursos do PRONERA, para multiplicar as possibilidades de acesso dos jovens do campo às universidades. Todos os anos faltam recursos orçamentários, impedindo a realização de muitos cursos.
9. O Governo avançou quando aprovou um plano nacional de agroecologia, discutido com as entidades e movimentos populares. Porém, esse plano continua na gaveta, sem recursos e sem programas efetivos. E, do outro lado, o Ministério da Agricultura afronta a ANVISA, ao liberar o uso de venenos agrícolas ainda mais perigosos para o meio ambiente e, sobretudo para a saúde das pessoas. Enquanto no mundo todo se aprovam leis para controlar e restringir o uso de venenos agrícolas, aqui vamos em direção contrária, facilitando a liberalização dos agrotóxicos.  É um crime contra a população e uma vergonha para o país.
10. É preciso mudanças profundas na forma do Incra funcionar. É necessário e urgente contratar servidores, qualificá-los para a função especifica da Reforma Agrária e locar recursos suficientes para uma Reforma Agrária massiva.
A sociedade brasileira padece de graves problemas estruturais, na educação, no sistema tributário, na saúde e no transporte público, que precisam de soluções e que foram denunciados nas mobilizações populares do ano passado. Esses problemas não se resolvem com medidas paliativas. 
É preciso mexer nos interesses dos bancos que se apropriam da maior parte dos recursos de nossos impostos. Por isso, nos somamos a dezenas de movimentos populares e organizações políticas para lutar por uma reforma do sistema político brasileiro, que hoje é refém dos interesses das empresas financiadoras. Defendemos a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Soberana e Exclusiva para fazer uma reforma política.
Esperamos que o Governo Federal perceba que o modelo de produção agrícola do agronegócio é um modelo perverso, concentrador da propriedade rural e da riqueza. Ele agride o meio ambiente, aumenta o uso de venenos e expulsa à mão de obra do campo. Serve apenas para uma pequena minoria de grandes proprietários rurais e, sobretudo, para gerar lucros para os bancos e as empresas transnacionais que exploram nossa agricultura.
A alternativa é o fortalecimento de uma agricultura voltada para o mercado interno, a aplicação das técnicas da agroecologia e a realização de uma profunda Reforma Agrária, que democratize a propriedade da terra.
Atenciosamente,
VI Congresso Nacional do MST

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Cerca de 1.000 crianças lançam CD dos Sem Terrinha no 6° Congresso

As crianças também têm sua vez no 6° Congresso Nacional do MST. Assim como acontece em todas as atividades realizadas pelo Movimento, foi organizada a Ciranda Infantil Paulo Freire durante o Congresso, onde cerca de 1000 Sem Terrinha passam o dia, enquanto seus pais participam das atividades.
Nesta terça-feira (11/02), às 14h, a Ciranda faz sua abertura oficial, comemorando os 30 anos do MST e lançando o novo CD dos Sem Terrinha. Elisângela Carvalho, coordenadora da Ciranda Infantil, explica que a organização da atividade começou ainda em outubro de 2013. “Fizemos uma oficina nacional que construiu o planejamento destes cinco dias de Ciranda. Além disso, cada educador que participou desta oficina realizou uma formação em seu estado.”
Desde o dia 01/02, uma equipe de educadores já está em Brasília preparando a Ciranda. Divididas por faixas etárias, que vão de 0 a 12 anos, há atividades específicas preparadas para todas, sempre permeando o tema do congresso - Lutar, Construir Reforma Agrária Popular! - e os 30 anos do MST. 
Fechamento de escolas "Hoje passamos o dia preparando a nossa festa dos 30 anos do Movimento. Nesta ocasião, também iremos lançar o novo CD dos Sem Terrinha. Durante a festa, vamos cantar as músicas, fazer oficinas de bonecos, de palhaços e muitas outras", conta Elisângela. "Os Sem Terrinha de 7 a 14 estão focados em atividades de agitação e propaganda." A coordenadora da Ciranda Infantil afirma que o tema principal de luta das crianças é a denúncia do fechamento e sucateamento das escolas rurais no Brasil. Nos últimos 10 anos, foram fechadas 24 mil escolas do campo, muitas vezes substituídas por ônibus que levam as crianças para escolas urbanas. A solidariedade internacional também será um foco do espaço. "Estamos pensando em atividades de apoio aos Cinco Cubanos e às crianças palestinas." 
Elisângela finaliza explicando o motivo de tanto cuidado com Ciranda: "Não são só crianças, são crianças do MST. Elas brincam, choram, e trabalham sua consciência política desde cedo. É lutar brincando, de forma organizada. É preciso ter intencionalidade pedagógica." 
FONTE: MST

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

"Avanço da reforma agrária não depende só do MST", afirma dirigente

O VI Congresso do MST vai apresentar para a sociedade brasileira um novo programa agrário, com propostas para a reformulação da organização do campo e da agricultura.
“É necessário democratizar o acesso à terra, garantir o acesso aos recursos naturais e a produção de alimentos saudáveis. Para isso, é preciso investimento em uma nova matriz tecnológica, a agroecologia, além de uma política de soberania alimentar e uma assistência técnica de qualidade para os produtores”, destacou Diego Moreira, da coordenação nacional do MST, em entrevista coletiva para a imprensa, na tarde desta segunda-feira (10).
Diego ressaltou que a construção do programa se deu ao longo de dois anos, em debates com a base e militância da organização. A cada cinco anos, o MST redefine suas linhas gerais de atuação em espaço congressual.
A necessidade de um novo marco para a Reforma Agrária se deu a partir do avanço do agronegócio no país na última década.
“Houve um retrocesso nas desapropriações. O problema não é só político, é também econômico. A aliança do latifúndio com as grandes empresas, com o capital financeiro, bancário e com os meios de comunicação fez com que fosse deixada de lado uma efetiva política de desconcentração da propriedade da terra”, avaliou Marina dos Santos, da coordenação nacional do movimento.
Para Marina, a morosidade do Judiciário também prejudica o avanço da Reforma Agrária. “Há mais de 1400 processos de desapropriação parados na Justiça. A bancada ruralista é outro entrave para o avanço da criação de assentamentos”, destaca.
“É preciso dizer que ainda há 150 mil famílias que moram em acampamentos precários em todo o país. Noventa mil dessas famílias são organizadas no MST e mantêm sua pressão cotidiana para terem seu direito à terra”, disse Diego, diante do questionamento se o MST teria se acomodado com os governos petistas e perdido sua capacidade de pressão.
Diego ressalta que a conjuntura atual coloca novos desafios para o MST e para a luta pela terra no país. “Temos certeza que o avanço da reforma agrária não depende só do MST. Mantemos o desafio de construir a unidade dos movimentos que atuam no campo e com toda a classe trabalhadora. Precisamos superar os dilemas que nos afastam e avançar para que seja possível a realização das mudanças profundas que o país precisa”, destaca.
Conquistas

Marina ressaltou que, apesar dos desafios, o MST – que também celebra seus 30 anos no VI Congresso – comemora diversos avanços na vida dos camponeses organizados no movimento.
“Temos 900 assentamentos no país, que abrigam cerca de 350 famílias. Essas pessoas produzem alimentos, sem venenos, garantindo não só uma alimentação melhor para elas, mas para o entorno. São mais de 1200 cidades do país que sabem a força de um assentamento para melhorar o abastecimento local”, aponta.

Um grande orgulho para o movimento é a educação. “Desde o começo, essa foi uma frente prioritária para o MST. Quando se monta um acampamento, lá está a escola”, conta Marina.
Foram mais de 50 mil pessoas alfabetizados no MST nesses 30 anos. “Cinco mil jovens estão estudando em cursos superior, em parceria com mais de 50 universidades”, estima Marina.
Exemplo do congresso
Os dirigentes destacaram que o MST procura aliar a teoria e a prática, como faz no Congresso. Assim como nos acampamentos e assentamentos, as crianças são tratadas com prioridade.
A ciranda infantil Paulo Freire vai receber mil sem-terrinhas, com atividades de formação e diversão. Assim, as mães podem viabilizar sua participação integral nas atividades.
Mais um exemplo é que a eleição da nova direção nacional, que será feita no último dia, vai manter o método de garantir um homem e uma mulher por estado, outra forma de construir a igualdade de gênero.
A alimentação dos quase 16 mil participantes vem dos acampamentos e assentamentos, em uma produção diversificada e sem agrotóxicos. Além das 23 cozinhas – uma para cada estado que enviou representação – acontece, também no Ginásio Nilson Nelson, a Mostra Nacional de Cultura e Produção Camponesa, com produtos do Brasil inteiro.
A celebração e a cultura também dão o tom do Congresso, que prevê diversas atividades ao longo da programação. “O painel que enfeita a plenária, por exemplo, foi feito por nossos jovens, que estudaram e desenvolveram suas capacidades de criação”, orgulha-se Marina dos Santos.
FONTE: MST

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

15 mil Sem Terra iniciam o 6° Congresso Nacional do MST em Brasília

De 10 a 14 de fevereiro, em Brasília, o MST realiza seu VI Congresso Nacional. Tendo como lema “Lutar, construir Reforma Agrária Popular”, 15 mil trabalhadores e trabalhadoras de 23 estados brasileiros, além de 250 convidados internacionais, participam da maior instância de decisão do Movimento. 
A atividade terá início às 9h, quando cerca de 1500 militantes realizam uma mística de abertura  sobre a história do MST. Na sequência, será dado às boas vindas a todos os participantes do Congresso.
O principal objetivo do Congresso Nacional do MST é discutir e fazer um balanço crítico da atual situação do Movimento, traçar novas formas de luta pela terra, pela Reforma Agrária e por transformações sociais, além de comemorar seus 30 anos de existência.
Também será um momento de reafirmar um novo programa da Reforma Agrária para o país: a Reforma Agrária Popular.
Na programação serão realizados debates em torno do desafio organizativo do Movimento, o papel político dos assentamentos, a participação da mulher e dos jovens na luta, além de ato político em defesa da Reforma Agrária, marcha, e atividades culturais as noites.
Na tarde de quarta- feira (12/02), os Sem Terra realizam uma grande marcha em defesa da Reforma Agrária pela capital federal. Durante a noite será realizado uma festa em comemoração ao aniversário de 30 anos do MST.
Na quinta-feira (13/02), acontece o ato político pela Reforma Agrária, com a participação de movimentos sociais, intelectuais, partidos políticos que representam a esquerda brasileira, como o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, o governador do Amapá, Camilo Capiberibe, e Rui Falcão, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), além dos convidados internacionais.
Simultaneamente ao Congresso, durante os dias 10 a 13 de fevereiro, ocorre a Mostra Nacional da Cultura e Produção Camponesa, ao lado do Ginásio Nilson Nelson, em Brasília. Será um espaço de demonstração e comercialização dos alimentos produzidos pelos assentamentos de Reforma Agrária, além de apresentações culturais do campo. Nesse mesmo espaço, ainda serão montadas 12 pequenas agroindústrias de beneficiamento, entre elas de erva mate, cachaça, e farinha.
FONTE: MST

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A Curiosa Preocupação da Direita de que o Plebiscito Popular desvie as Manifestações.

Por Ricardo Gebrim - Dirigente da Consulta Popular
Antigos tratados militares sempre ensinam que não é fácil identificar o inimigo, pois parte do seu esforço será sempre de se esconder. É uma lição válida para a luta política.

No Brasil, as forças populares possuem um precioso mecanismo de saber qual é a posição do inimigo. Basta ler a Revista VEJA. Se ela te atacar, saiba que está no caminho certo, mas, caso te elogie, comece a se preocupar…

A Revista VEJA lança o artigo: “Plebiscito — o golpe da consulta popular”, no qual ataca a iniciativa de mais de 160 dos principais movimentos sociais e organizações de esquerda.

Essas entidades constroem um Plebiscito Popular em setembro, com uma única pergunta: “você é a favor da convocação de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político?”. Até aí, nada demais. Apenas a comprovação de que essa proposta incomoda demais as forças de direita.

O curioso é um dos argumentos utilizados. O objetivo do Plebiscito é o de  ”desviar o foco das manifestações e servir ao projeto de poder do PT.”

Estranho. O que seria o “foco” das manifestações? Por que o principal porta voz do pensamento da direita está tão preocupado que “não se desvie o foco” das manifestações?
Não é preciso muito para perceber que o pavor da direita é que a juventude que saiu às ruas em junho de 2013, com uma clara insatisfação com o atual sistema político brasileiro, assuma uma bandeira clara como a da Constituinte do Sistema Político.

Se isso ocorrer, a grande mídia não conseguirá promover a mesma disputa política e ideológica de junho de 2013, cujo exemplo maior foi a “luta contra a PEC 37″.

A direita sabe que o descontentamento com a falência do atual sistema político esteve presente nos milhares de pequenos cartazes, palavras de ordem e pichações.

Sabe que uma palavra de ordem como a Constituinte Soberana do Sistema Política pode ganhar força e tornar-se uma ameaça real ao seu poder.

Para tanto, utiliza a tese de que a bandeira da Constituinte é um mero jogo do PT para manter-se no governo.

Ou, nas suas palavras: “servir ao projeto do PT”. Ignoram, propositalmente que a campanha é muito mais ampla e que congrega a maior parte das forças de esquerda.

Querem, claramente, impedir que a juventude disposta a lutar não se aproprie de uma bandeira política.

Este será um grande debate político ideológico para as forças de esquerda. A Revista VEJA já mostrou a linha política que utilizarão.

Aprendemos nas jornadas de junho de 2013 que a direita aprendeu a disputar com as forças de esquerda os mesmos metros quadrados nas manifestações. Este ensinamento deve ser incorporado na tática das forças populares. Provavelmente se repetirá nas novas manifestações que o ano promete.

O temor de que a insatisfação ainda difusa da juventude com o sistema político se traduza numa palavra de ordem que ameaça seus interesses deixa claro que combaterão ao máximo essa campanha, tentando sempre mostrá-la como algo que serve eleitoralmente somente ao PT e não ao conjunto das forças interessadas em aprofundar a democracia.

Não se pode vacilar neste debate. Nunca, em nenhuma situação histórica, a lógica política da esquerda pode coincidir com a do inimigo. E, afinal como diziam os velhos sábios chineses, quem não sabe contra quem luta, jamais poderá vencer.
FONTE: Consulta Popular

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Para a Quaresma o Papa Francisco fala da exigência de uma distribuição justa das riquezas.

O papa Francisco defendeu uma distribuição de renda mais justa e acesso igualitário à saúde e educação, numa mensagem para a Quaresma na qual conclamou os fiéis a procurarem e tocarem "a pobreza de seus irmãos".

"Nos pobres e nos últimos, vemos o rosto de Cristo; amando e ajudando os pobres, amamos e servimos Cristo. O nosso compromisso orienta-se também para fazer com que cessem no mundo as violações da dignidade humana, as discriminações e os abusos, que, em muitos casos, estão na origem da miséria. Quando o poder, o luxo e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por se antepor à exigência duma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha.", afirmou.

Leia texto integral da Mensagem: 2014-02-04 Rádio Vaticana

Fez-Se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9)
Queridos irmãos e irmãs!
Por ocasião da Quaresma, ofereço-vos algumas reflexões com a esperança de que possam servir para o caminho pessoal e comunitário de conversão. Como motivo inspirador tomei a seguinte frase de São Paulo: «Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2 Cor 8, 9). O Apóstolo escreve aos cristãos de Corinto encorajando-os a serem generosos na ajuda aos fiéis de Jerusalém que passam necessidade. A nós, cristãos de hoje, que nos dizem estas palavras de São Paulo? Que nos diz, hoje, a nós, o convite à pobreza, a uma vida pobre em sentido evangélico?
A graça de Cristo
Tais palavras dizem-nos, antes de mais nada, qual é o estilo de Deus. Deus não Se revela através dos meios do poder e da riqueza do mundo, mas com os da fragilidade e da pobreza: «sendo rico, Se fez pobre por vós». Cristo, o Filho eterno de Deus, igual ao Pai em poder e glória, fez-Se pobre; desceu ao nosso meio, aproximou-Se de cada um de nós; despojou-Se, «esvaziou-Se», para Se tornar em tudo semelhante a nós (cf. Fil 2, 7; Heb 4, 15). A encarnação de Deus é um grande mistério. Mas, a razão de tudo isso é o amor divino: um amor que é graça, generosidade, desejo de proximidade, não hesitando em doar-Se e sacrificar-Se pelas suas amadas criaturas. A caridade, o amor é partilhar, em tudo, a sorte do amado. O amor torna semelhante, cria igualdade, abate os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez connosco. Na realidade, Jesus «trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado» (CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. Gaudium et spes, 22).
A finalidade de Jesus Se fazer pobre não foi a pobreza em si mesma, mas – como diz São Paulo – «para vos enriquecer com a sua pobreza». Não se trata dum jogo de palavras, duma frase sensacional. Pelo contrário, é uma síntese da lógica de Deus: a lógica do amor, a lógica da Encarnação e da Cruz. Deus não fez cair do alto a salvação sobre nós, como a esmola de quem dá parte do próprio supérfluo com piedade filantrópica. Não é assim o amor de Cristo! Quando Jesus desce às águas do Jordão e pede a João Baptista para O baptizar, não o faz porque tem necessidade de penitência, de conversão; mas fá-lo para se colocar no meio do povo necessitado de perdão, no meio de nós pecadores, e carregar sobre Si o peso dos nossos pecados. Este foi o caminho que Ele escolheu para nos consolar, salvar, libertar da nossa miséria. Faz impressão ouvir o Apóstolo dizer que fomos libertados, não por meio da riqueza de Cristo, mas por meio da sua pobreza. E todavia São Paulo conhece bem a «insondável riqueza de Cristo» (Ef 3, 8), «herdeiro de todas as coisas» (Heb 1, 2).
Em que consiste então esta pobreza com a qual Jesus nos liberta e torna ricos? É precisamente o seu modo de nos amar, o seu aproximar-Se de nós como fez o Bom Samaritano com o homem abandonado meio morto na berma da estrada (cf. Lc 10, 25-37). Aquilo que nos dá verdadeira liberdade, verdadeira salvação e verdadeira felicidade é o seu amor de compaixão, de ternura e de partilha. A pobreza de Cristo, que nos enriquece, é Ele fazer-Se carne, tomar sobre Si as nossas fraquezas, os nossos pecados, comunicando-nos a misericórdia infinita de Deus. A pobreza de Cristo é a maior riqueza: Jesus é rico de confiança ilimitada em Deus Pai, confiando-Se a Ele em todo o momento, procurando sempre e apenas a sua vontade e a sua glória. É rico como o é uma criança que se sente amada e ama os seus pais, não duvidando um momento sequer do seu amor e da sua ternura. A riqueza de Jesus é Ele ser o Filho: a sua relação única com o Pai é a prerrogativa soberana deste Messias pobre. Quando Jesus nos convida a tomar sobre nós o seu «jugo suave» (cf. Mt 11, 30), convida-nos a enriquecer-nos com esta sua «rica pobreza» e «pobre riqueza», a partilhar com Ele o seu Espírito filial e fraterno, a tornar-nos filhos no Filho, irmãos no Irmão Primogénito (cf. Rm 8, 29).
Foi dito que a única verdadeira tristeza é não ser santos (Léon Bloy); poder-se-ia dizer também que só há uma verdadeira miséria: é não viver como filhos de Deus e irmãos de Cristo.
O nosso testemunho
Poderíamos pensar que este «caminho» da pobreza fora o de Jesus, mas não o nosso: nós, que viemos depois d'Ele, podemos salvar o mundo com meios humanos adequados. Isto não é verdade. Em cada época e lugar, Deus continua a salvar os homens e o mundo por meio da pobreza de Cristo, que Se faz pobre nos Sacramentos, na Palavra e na sua Igreja, que é um povo de pobres. A riqueza de Deus não pode passar através da nossa riqueza, mas sempre e apenas através da nossa pobreza, pessoal e comunitária, animada pelo Espírito de Cristo.
À imitação do nosso Mestre, nós, cristãos, somos chamados a ver as misérias dos irmãos, a tocá-las, a ocupar-nos delas e a trabalhar concretamente para as aliviar. A miséria não coincide com a pobreza; a miséria é a pobreza sem confiança, sem solidariedade, sem esperança. Podemos distinguir três tipos de miséria: a miséria material, a miséria moral e a miséria espiritual. A miséria material é a que habitualmente designamos por pobreza e atinge todos aqueles que vivem numa condição indigna da pessoa humana: privados dos direitos fundamentais e dos bens de primeira necessidade como o alimento, a água, as condições higiénicas, o trabalho, a possibilidade de progresso e de crescimento cultural. Perante esta miséria, a Igreja oferece o seu serviço, a sua diakonia, para ir ao encontro das necessidades e curar estas chagas que deturpam o rosto da humanidade. Nos pobres e nos últimos, vemos o rosto de Cristo; amando e ajudando os pobres, amamos e servimos Cristo. O nosso compromisso orienta-se também para fazer com que cessem no mundo as violações da dignidade humana, as discriminações e os abusos, que, em muitos casos, estão na origem da miséria. Quando o poder, o luxo e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por se antepor à exigência duma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha.
Não menos preocupante é a miséria moral, que consiste em tornar-se escravo do vício e do pecado. Quantas famílias vivem na angústia, porque algum dos seus membros – frequentemente jovem – se deixou subjugar pelo álcool, pela droga, pelo jogo, pela pornografia! Quantas pessoas perderam o sentido da vida; sem perspectivas de futuro, perderam a esperança! E quantas pessoas se vêem constrangidas a tal miséria por condições sociais injustas, por falta de trabalho que as priva da dignidade de poderem trazer o pão para casa, por falta de igualdade nos direitos à educação e à saúde. Nestes casos, a miséria moral pode-se justamente chamar um suicídio incipiente. Esta forma de miséria, que é causa também de ruína económica, anda sempre associada com a miséria espiritual, que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos o seu amor. Se julgamos não ter necessidade de Deus, que em Cristo nos dá a mão, porque nos consideramos auto-suficientes, vamos a caminho da falência. O único que verdadeiramente salva e liberta é Deus.
O Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão e a vida eterna. O Senhor convida-nos a sermos jubilosos anunciadores desta mensagem de misericórdia e esperança. É bom experimentar a alegria de difundir esta boa nova, partilhar o tesouro que nos foi confiado para consolar os corações dilacerados e dar esperança a tantos irmãos e irmãs imersos na escuridão. Trata-se de seguir e imitar Jesus, que foi ao encontro dos pobres e dos pecadores como o pastor à procura da ovelha perdida, e fê-lo cheio de amor. Unidos a Ele, podemos corajosamente abrir novas vias de evangelização e promoção humana.
Queridos irmãos e irmãs, possa este tempo de Quaresma encontrar a Igreja inteira pronta e solícita para testemunhar, a quantos vivem na miséria material, moral e espiritual, a mensagem evangélica, que se resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto a abraçar em Cristo toda a pessoa. E poderemos fazê-lo na medida em que estivermos configurados com Cristo, que Se fez pobre e nos enriqueceu com a sua pobreza. A Quaresma é um tempo propício para o despojamento; e far-nos-á bem questionar-nos acerca do que nos podemos privar a fim de ajudar e enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói.
Pedimos a graça do Espírito Santo que nos permita ser «tidos por pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e, no entanto, tudo possuindo» (2 Cor 6, 10). Que Ele sustente estes nossos propósitos e reforce em nós a atenção e solicitude pela miséria humana, para nos tornarmos misericordiosos e agentes de misericórdia. Com estes votos, asseguro a minha oração para que cada crente e cada comunidade eclesial percorra frutuosamente o itinerário quaresmal, e peço-vos que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!

FONTE: RADIO VATICANO