sábado, 25 de novembro de 2017

Família Franciscana do Brasil lança cartilha sobre a água

No ambito da Semana de Direitos Humanos, 1 a 10 de dezembro, se celebra a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 10 de dezembro de 1948. Este ano, quando a declaração comemora 69 anos, a 8ªJornada de Direitos Humanos da Juventude Franciscana do Brasil, se dedica à questão da Água e Direitos. O lema, escolhido foi retirado do Cantico das Criaturas de São Francisco de Assis: "Louvado sejas meu Senhor, pela Irmã Água"Este ano essa Jornada foi assumida por toda Família Franciscana do Brasil, como uma ação no campo da reflexão religiosa de fé, para colaborar na construção do  Fórum Alternativo Mundial da Água - FAMA, que acontecerá de 17 a 22 de março de 2018, em Brasília. O FAMA é uma iniciativa da sociedade civil para se contrapor ao que pretende se contrapor ao Fórum Mundial da Água, promovida na mesma época, pelas corporações responsáveis pela privatização e transformação da água em mercadoria. Para baixar a cartilha e materiais clique aqui

Carta de Apresentação da Cartilha

Queridas irmãs, queridos irmãos,
paz e bem!

A nossa Jornada Franciscana Nacional pelos Direitos humanos chega à sua oitava edição. Com o tema “Água e Direitos” e lema “Louvado Sejas, meu Senhor, pela irmã Água”, nos empenharemos em um processo de reflexão e ação em defesa da água como bem comum, contra sua privatização, buscando viver nossa missão profética na defesa da vida em todas as suas dimensões.

Neste ano, a Jornada será assumida por toda a Família Franciscana do Brasil. Durante o Capitulo da Esteiras realizado pela Conferência da Família Franciscana do Brasil, franciscanas e franciscanos assumiram a JFNDH como compromisso de trabalho. “Dessa cidade de Aparecida, Nossa Senhora, Padroeira do Brasil, resgatada das águas de um rio, hoje poluído e degradado, nos faz eleger dentre os diversos apelos um compromisso particular com a Irmã Água. Deste modo, nos empenharemos na construção de um processo de reflexão e ação em defesa da água como bem comum, que se dará através da participação da família em jornadas, fóruns e nas iniciativas de fortalecimento dos trabalhos ligados à promoção da Justiça e da Integridade da Criação” (Carta de Aparecida).

Resoluções das Nações Unidas reconhecem que a água é um direito fundamental. Não há vida sem água e ela é um bem comum que deve ser compartilhado entre toda a humanidade e os seres vivos. Segundo o Papa Francisco, “Enquanto a qualidade da água disponível piora constantemente, em alguns lugares cresce a tendência para se privatizar este recurso escasso, tornando-se uma mercadoria sujeita às leis do mercado. Na realidade, o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos.

Nesse grave contexto, inspirados pelo Francisco de Assis e o Francisco de Roma, assumimos o nosso carisma franciscano na defesa da nossa casa comum, contra a mercantilização da água e a transformação desse direito em um recurso inalcançável para muitas populações, principalmente as mais pobres e marginalizadas. Que esta jornada fortifique nossas fraternidades e comunidades no cuidado e na defesa da água, que os diversos ramos de nossa família franciscana se unam com outras organizações e movimentos religiosos e não-religiosos, para garantir que a água continue sendo, de fato, fonte abundante de vida, direito humano e da natureza.

Fraternalmente,

Frei Éderson Queiroz
Presidente da Conferência da Família Franciscana do Brasil
Washington Lima
Secretário Fraterno Nacional da Jufra do Brasil
Igor Bastos

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Anglo American: chantagem em Conceição do Mato Dentro (MG)

Recentemente a Anglo American vem comunicando, no Brasil e no mundo, que se a licença ambiental da etapa 3 de expansão, do Projeto Minas Rio, não sair do papel no mês de dezembro deste ano, terá de paralisar suas atividades de extração, na região de Conceição do Mato Dentro (MG), em setembro de 2018. A direção da empresa afirma que além da complexidade do projeto, “contribuíram para os atrasos consecutivos os pedidos do Ministério Público e o adiamento de audiências públicas”. (Entrevista Jornal Hoje Dia, 20/11/2017)

Contudo, a Anglo American omite o fato de que no empreendimento Minas-Rio ela mesma  falta com a transparência e impõem mudanças constantes em seus projetos, estudos e ritmos. Isso impede que a população compreenda o tamanho real do empreendimento e quais são os reais  impactos.

Lamentar agora que a chamada etapa 3 (o chamado Step 3) tem de ter seu licenciamento aprovado em dezembro de 2017, se não as atividades serão paralisadas em algum momento em 2018 é escamotear que essa etapa 3 só deveria, na realidade, iniciar em 2024.

O que, então, ocorreu para que a Anglo já esteja reivindicando a etapa 3 de expansão, quando ainda deveria estar na primeira etapa (Step 1)?  

A Licença de Operação concedida em novembro de 2014 prevê atividades por 5 anos (Step 1). O que significa que a primeira etapa terminaria em 2019. Contudo, a Anglo antecipa e obtém licença para o Step2 em outubro de 2016. Novamente,  um ano após iniciar a etapa 2, que deveria durar também mais 5 anos, requer o processo para licenciamento do Step 3. Na realidade estão antecipando 10 anos, a etapa 3 deveria iniciar só em 2024.

No Estudo de Impacto Ambiental em que se baseou a aprovação da Licença Previa do Projeto Minas-Rio, que contempla ritmos de 5 em 5 anos, propunha a disposição da maior parte dos estéreis no interior da cava da mina, à medida que esta avançasse em direção ao sentido Sul da Serra da Ferrugem. Portanto, não haveria necessidade de novas áreas para pilhas de estéril. Porém, o pedido de expansão, etapa 3 (Step 3) diz que haverá mais pilhas de estéril.

As comunidades atingidas, ao saberem disso, reagiram através da Rede de Articulação dos Atingidos do Projeto de Mineração Minas Rio (REAJA), contestando essa mudança. Em outubro de 2017, encaminharam uma representação ao Ministério Público, na qual se lê “...a empresa propõe agora expandir seu projeto, modificando radicalmente o layout ou estruturas de cava e PDEs (pilhas de estéril) submetidos ao licenciamento prévio. A área da cava tem sua largura duplicada e a PDE é, de acordo com o novo projeto, expandida fora da cava, portanto ampliando significativamente os impactos para o entorno, especialmente a Leste da proposta inicial. Além disso, a modificação do projeto inicial configura  alteração nos planos de lavra, além de modificação no plano de recuperação das cavas, antes prevista para iniciar-se no 5º ano.” 
De fato as comunidades atingidas se opõem baseadas no próprio licenciamento obtido pela Anglo. Conforme informações contidas no  Parecer Único SISEMA N.º 001/2008 Processo COPAM N.º 00472/2007/001/2007  - pag 10 – no projeto original do EIA 2008, estava previsto: “ uma única pilha de estéril externa a cava da Serra do Sapo / Ferrugem, totalizando uma área de 162,5ha, que deverá conter o estéril gerado nos 5 primeiros anos de lavra. Posteriormente, o estéril gerado será depositado no interior da cava, promovendo desta forma a recuperação da área minerada”;

E mais adiante:
“A fase inicial de lavra propriamente dita, ou seja, os 5(cinco) primeiros anos será marcada pela semi-explorarão da serra do Sapo, com formação de uma cava com extensão aproximada de 1800m de comprimento por 900m de largura, em área abrangida pelas poligonais DNPM nº 832 979/02 e 830 359/04. Posteriormente, as atividades serão realizadas na porção norte da serra, vertente leste, com desenvolvimento para sul. Estima-se que, a partir do 4° ano, a conformação dessa cava já possa permitir a disposição do material estéril em seu interior, cessando, assim, a necessidade de disposição de material em pilha externa. (Parecer Único SISEMA N.º 001/2008 Processo COPAM N.º 00472/2007/001/2007  - pag 13)
E ainda em outro trecho:
“A pilha de estéril projetada deverá receberá material proveniente do decapeamento até o quinto ano. Após este período a deposição do estéril será direcionada ao interior da cava, iniciando, desta forma, sua recuperação. Os impactos relacionados à formação da pilha de estéril estão associados à alteração das características do solo; geração de processos erosivos, podendo acarretar carreamento de sólidos, com assoreamento de cursos d’água, e aumento na emissão de efluentes atmosféricos e no nível de ruídos, durante a fase de implantação e operação. (Parecer Único SISEMA N.º 001/2008 Processo COPAM N.º 00472/2007/001/2007 fls. 59).
A representação das comunidades junto ao Ministério Público aponta ainda para a gravidade dessas mudanças, ao relembrar que:
“Pilhas de Estéril (PDEs), assim como barragens de rejeitos, concentram grande volume de sedimentos, causadores de assoreamento e mortandade da biota aquática (especialmente nas estações chuvosas), aterram nascentes, interferem na recarga hídrica, implicam na supressão vegetacional bem como de comunidades e atividades humanas pré-estabelecidas nos locais onde são implantadas. Tal potencial de impacto é por exemplo relatado no volume VII do EIA de mina proposta pela mineradora Manabi (atual MLog) para o município de Morro do Pilar, vizinho a Conceição do Mato Dentro.”
“”Como é sabido, a bacia do rio Santo Antônio é o maior santuário de peixes de água doce da bacia do rio Doce (cerca de 89% das espécies de peixes do rio Doce, em Minas Gerais, x 38% registrados  nas lagoas da região do Parque Estadual do Rio Doce, local que, de acordo com tese defendida na UFMG em 2006.
 (http://pos.icb.ufmg.br/pgecologia/teses/T35_Fabio_Vieira.pdf), registra a segunda maior contribuição para a ictiofauna da bacia.

Essa prática de não respeito a ritmos, escalas e metódos aprovados é recorrente, no caso do Projeto Minas Rio. O rebaixamento do lençol freático que deveria iniciar-se no 5º ano de exploração mineira, teve o pedido de rebaixamento apresentado em março de 2014, mesmo antes da concessão da Licença de Exploração.

A Anglo American lamenta e ameaça a partir do que ela mesma causou.  Ao não respeitar a escala, os métodos e os ritmos de extração, que ela mesma havia se proposto e apresentado à sociedade e ao Estado para obter licenciamento, agora se diz em dificuldades e ameaça parar. Portanto, quando a direção da Anglo American aponta que foram as reuniões realizadas com as comunidades por exigência do Ministério Público  que atrasaram  a obtenção da licença que estava prevista para julho, esconde a realidade das coisas. Argumentar que a diminuição da produção  geraria a  inviabilidade financeira do empreendimento e alegar um suposto risco de “parar” e nas entrelinhas de “demitir”  é chantagear todos os envolvidos, e principalmente buscar dividir as comunidades locais, através do medo.


As licenças são concedidas tendo em vista estudos de impacto ambiental, relacionados ao empreendimento, que incluem a escala, os métodos e os ritmos de extração. A aceleração do ritmo da extração, no projeto Minas Rio, visou apenas mais lucro em menor espaço de tempo. Fica portanto uma pergunta: Os estudos apresentados pela Anglo American são falhos ou se trata de uma estratégia da empresa para manipular e enganar a população e o Estado?


Importante denunciar ainda, que nessa segunda feira dia 20, a Comunidade de Passa Sete denuncia nova mortandade de peixes no corrego Água Quente, que recebe efluentes da barragem de rejeitos do Projeto Minas Rio, que foi construída nesse corrego. É o terceiro caso de mortandade de peixes, só neste ano de 2017.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Nota da Rede Diálogo dos Povos sobre missão no Zimbábue e prisão da delegação

Declaração do Diálogo dos Povos sobre a visita de intercâmbio e solidariedade ao Zimbábue e a prisão da delegação naquele país.

8-12 November 2017


O Diálogo dos Povos informa com alegria que todos os 22 delegados que haviam sido presos e multados sob acusação de invadir áreas proibidas no Zimbábue, já estão salvos e em liberdade.

Nesta manhã de 13 de novembro todos os estrangeiros que integravam a delegação do Diálogo dos Povos deixaram o Zimbábue.

A delegação do Diálogo dos Povos foi organizada com representantes da África do Sul, Suazilândia, Zâmbia, Quênia, Uganda, Zimbábue e Brasil.

A delegação estava no Zimbábue para uma visita de intercâmbio e solidariedade, buscando compreender a situação da mineração artesanal, bem como para participar do  9o. aniversário do Massacre da Mina de Diamantes de  Marange, próximo a cidade de Mutare.

Felizes com a libertação de nossos companheiros e companheiras seguimos, no entanto, extremamente preocupados com a situação de nossos parceiros no Zimbábue, que diariamente enfrentam a repressão e o assédio experimentados durante esta visita. Estamos, também, atentos e preocupados com as implicações que a atenção internacional despertada pela prisão da delegação do Diálogo dos Povos possa causar aos nossos parceiros locais.

Em um cenário internacional de intensos e agudos conflitos em torno da mineração, o propósito da visita era compreender melhor o papel desempenhado pela mineração artesanal e avaliar as possibilidades de que esta seja uma alternativa viável frente à pilhagem e brutalidade da atuação das multinacionais em nossos países. Além disto, nossa visita visava desenvolver reflexões em conjunto e compartilhar ideias e perspectivas sobre as formas de organização da mineração artesanal e seu possível papel positivo em termos de utilização dos recursos nacionais. Escolhemos o Zimbábue para esta visita e para a organização deste debate, exatamente porque aí mais de um milhão de pessoas estão diretamente envolvidas na mineração artesanal.

Evidentemente a visita de intercâmbio foi severamente perturbada pela intervenção arbitrária do governo e da polícia do Zimbábue.

Como Diálogo dos Povos organizaremos uma reunião urgente para definir próximos passos e identificar formas de arrecadar os recursos necessários para cobrir os custos de ressarcimento às organizações locais que se solidarizaram conosco, bem como para o pagamento dos honorários advocatícios e das despesas extras acarretadas pelas viagens de emergência necessárias para salvaguardar todos os participantes.

Como Diálogo dos Povos queremos expressar toda nossa gratidão e reconhecimento pelo incrível trabalho de solidariedade e compromisso expressos por inúmeras pessoas e organizações diante da situação de aprisionamento de nossos companheiros e companheiras. Agradecemos aos colegas e companheiros do Centro de Recursos Naturais e Governança (Centre for Natural Resource Governance) e à Unidade de Serviço de Aconselhamento (Counselling Service Unit); ao Dr. Passmore Nyakureba e a sua equipe de advogados;  aos Advogados de Direitos Humanos do Zimbábue (Zimbabwe Lawyers for Human Rights); à  CIDSE; ao DKA; ao secretariado da AMECEA; à Campanha TNC; à Embaixada Brasileira; à Nunciatura Apostólica do Vaticano, em Harare; ao bispo Mons. Paul Horam; à Conferência dos Bispos do Brasil; à Ordem dos Frades Menores; à JPIC dos Fransciscanos; à Franciscans International; ao Frei Amaral Bernardo e à Custodia de Santa Clara, em Moçambique.

Em conclusão:

A situação política no Zimbabue permanece extremamente tensa e seguimos preocupados com o bem estar e segurança de nosso parceiros do Centro de Recursos Naturais e Governança (Centre for Natural Resource Governance), que resistem de forma valente e corajosa á pilhagem dos recursos naturais e despossessão a que estão submetidas as comunidades pobres pelo setor extrativo.

People’s Dialogue Secretariat
Mercia Andrews,


South Africa.

domingo, 5 de novembro de 2017

O Crime, A Impunidade: Samarco (Vale e BHP Billinton)

Em 5 de novembro de 2015, 34 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro, proveniente da barragem de Fundão,em Mariana (MG), jorraram do complexo de mineração operado pela Samarco e percorreram 55 km do rio Gualaxo do Norte e outros 22 km do rio do Carmo até desaguarem no rio Doce. No total, a lama percorreu 663 km até encontrar o mar, no município de Regência (ES). 

O crime

Em 9 de junho de 2016 a Polícia Federal concluiu o inquérito sobre o rompimento da barragem de Fundão em Mariana. O inquérito apontou uma série de causas para o rompimento da barragem. Para a PF a Samarco assumiu o risco e privilegiou o lucro em detrimento da segurança. A PF conseguiu apreender documentos que comprovam conversas entre área técnica e a direção da mineradora, comunicando sobre problemas. A barragem apresentava problemas desde sua construção, com utilização de material de baixa qualidade. Depois, modificações sem projeto, problemas de drenagem, problemas com recuo da ombreira esquerda do eixo da barragem, em que se invadiu uma área que não era firme o suficiente.  Houve, entre 2012 - 2015  redução do orçamento na área de geotécnica -- que seria responsável pelo controle da barragem.  Houve ainda alteamento muito acima do recomendado e  inoperância de instrumentos de monitoramento..A PF apurou também que a barragem de Fundão estava sem responsável técnico desde 2012.

A continuidade do Crime

Em 18 de novembro de 2016, a Samarco, suas controladoras Vale e BHP Billinton e a VogBR, mais 22 pessoas dessas empresas, foram indiciadas, se tornaram rés em um processo criminal.

Dois anos depois do crime ao longo dos rios temos a contaminação das águas, problemas de saúde (física e mental), moradias destruídas, perda de fontes de trabalho e renda e a dispersão dos laços comunitários, que se constituem  em  alguns de tantos problemas ainda existentes. 

As cerca de 300 famílias desalojadas pela lama que se alastrou com o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, vivem agora na área urbana da Mariana, apartadas umas das outras, e enfrentam a hostilidade de muitos moradores da cidade (que ganharam novos vizinhos de uma hora para outra) e seus próprios demônios. A cena mais marcante é o distrito de Bento Rodrigues: uma localidade fantasma, com escombros e lama. Dos 20 mortos, 14 eram trabalhadores e 5, moradores locais e um aborto forçado.