quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Diocese de Uberlândia se manifesta em relação à situação dos sem teto em Uberlândia (MG)

CARTA ABERTA DA DIOCESE DE UBERLÂNDIA SOBRE A SITUAÇÃO DOS SEM TETO NO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA
“A solidariedade é uma reação espontânea de quem reconhece a função social da propriedade e o destino universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada. A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e aumentá-los de modo a servirem melhor o bem comum, pelo que a solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde. Estas convicções e práticas de solidariedade, quando se fazem carne, abrem caminho a outras transformações estruturais e tornam-nas possíveis. Uma mudança nas estruturas, sem se gerar novas convicções e atitudes, fará com que essas mesmas estruturas, mais cedo ou mais tarde, se tornem corruptas, pesadas e ineficazes.” (Papa Francisco – Exortação Apostólica Evangelii Gaudium n. 189)

Com este espírito de solidariedade e de bem comum, a Diocese de Uberlândia, se dirige ao povo e às autoridades dos poderes executivo, legislativo e judiciário, em vista da urgente necessidade de moradia, que aflige milhares de famílias, em Uberlândia.

Mesmo reconhecendo que o programa de moradia popular, “Minha Casa, Minha Vida”, é uma importante resposta ao déficit habitacional, temos que reconhecer a sua incapacidade em resolver a demanda.

Considerando que:
  • a Doutrina Social da Igreja afirma: “sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”;
  • as muitas áreas no município de Uberlândia se encontram com registros duvidosos ou sobrepostos;
  • a existência de 42.666 inscritos em programa habitacional (Secretaria Municipal de Habitação de Uberlândia - 08/08/2013) e que existem cerca de 12 mil famílias (Comissão Pastoral da Terra) vivendo em 20 acampamentos de sem teto no município de Uberlândia;
  • o fato de que os despejos deixam famílias desalojadas e em situação de vulnerabilidade e não resolvem o problema habitacional;
  • o direito à moradia está consolidado no artigo 6º da Constituição Brasileira, tendo como núcleo básico o direito de viver com segurança, paz e dignidade, podendo, somente com a observância destes três elementos considerar-se plenamente satisfeito;
  • as áreas ocupadas ficam descriminadas em  relação aos serviços públicos, ferindo a dignidade humana e a cidadania das famílias sem teto.

Clamamos:
  • Pelo reconhecimento dos sem teto como titulares do direito à moradia, não podendo ser discriminados em razão da origem social, posição econômica, origem étnica, sexo, raça ou cor, devendo ser reconhecidos seus direitos às políticas públicas, bem como aos serviços públicos em seus acampamentos.
  • Pela regulamentação das atividades do setor privado, evitando a especulação imobiliária, bem como a instituição dos instrumentos jurídicos e urbanísticos de regularização fundiária para reconhecer o direito à moradia das populações que vivem nos assentamentos informais, através da instituição de leis sobre política urbana e habitacional.
  • Pela desapropriação ou negociação de áreas, por necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, para assentamento de famílias sem teto.
  • Pelo direito à participação das famílias mais vulneráveis na definição de qualquer projeto estratégico para a cidade, em especial, no território que ocupam.
  • Pelo entendimento de que os despejos forçados e demolições de domicílio como medida punitiva contrariam as normas nacionais (Constituição Federal, Estatuto da Cidade) e internacionais de que o Brasil é signatário (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Convenção de Genebra de 1949, Protocolos de 1977).

Neste Natal, lembremo-nos de Maria e José, sem teto, na noite fria de Belém. Não tinham aonde ficar, e tiverem que ocupar um local para que Jesus pudesse nascer, com um mínimo de abrigo. Que o espírito do presépio nos leve à solidariedade e à ações concretas, pelo direito à moradia de nossos irmãos e irmãs sem teto.

Uberlândia, 19 de dezembro de 2013

Dom Paulo Francisco Machado
Bispo Diocesano de Uberlândia

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Papa Francisco convida 4 sem-teto no dia do seu aniversário

Francisco convida 4 sem-teto no dia do seu aniversário
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Cidade do Vaticano (RV) – O Papa Francisco hospedou na missa do dia de seu aniversário, 17 de dezembro, quatro pessoas sem-teto e todo o pessoal que trabalha na Casa Santa Marta, aonde reside. Todos foram convidados também para o café da manhã com ele, no refeitório da residência.


Os quatro mendigos, que vivem nas ruas vizinhas ao Vaticano, foram apresentados ao Papa pelo elemosineiro, Dom Konrad Krajewski. A Santa Sé divulgou uma nota informando que a celebração se realizou em um clima “particularmente familiar”, atendendo a um desejo do aniversariante.

Na missa também estavam presentes o Secretário de Estado, Dom Pietro Parolin, que atualmente reside na Casa Santa Marta, e o decano do colégio cardinalício, Dom Angelo Sodano, que concelebrou com o Papa.

O Evangelho do dia, abordando a genealogia e os nomes dos antepassados de Jesus, deu oportunidade ao Papa para citar no curso de sua homilia os nomes de vários funcionários presentes. Depois da missa, como sempre, Francisco cumprimentou todos pessoalmente.

Antes de se dirigirem ao refeitório para o café da manhã, entoaram juntos um coro de “Parabéns a você” pelos 77 anos do Pontífice.
  • FONTE: Rádio Vaticano

sábado, 14 de dezembro de 2013

Mensagem do Papa Francisco à Via Campesina

No inicio do mês de Dezembro, quando João Pedro Stédilie do MST - Via Campesina, esteve no Vaticano participando de diversas atividades a convite da Pontifica Academia de Ciências. O Papa Francisco enviou um vídeo, informal, no qual se refere ao trabalho e  aos membros da assembleia campesina.    Por determinação do Papa Francisco, a Academia de Ciências do Vaticano foi incumbida de realizar um seminário internacional para analisar a situação, causas e alternativas dos trabalhadores excluídos no mundo. um dos encaminhamentos práticos, através da Comissão de Justiça e paz do Vaticano, é de promover em 2014, um grande encontro de movimentos populares de todo mundo, para ai, sim levar a opinião dos próprios representantes dos trabalhadores excluídos e dos movimentos sociais, sobre a temática.

Leiam abaixo a carta de João Pedro Stédile sobre esse seminário:

Caros amigos e amigas
do MST, dos movimentos sociais e das Pastorais no Brasil,
No inicio do mês de Dezembro estive no Vaticano participando de diversas atividades a convite da Pontifica Academia de Ciências.     Por determinação do Papa Francisco, a Academia de Ciencias do Vaticano foi incumbida de realizar um seminário internacional para analisar a situação, causas e alternativas dos trabalhadores excluídos no mundo.
E fui convidado pessoalmente, mas evidente, em função da representatividade do MST e da Via campesina.   E desta forma demonstrou o reconhecimento do Vaticano, ao intenso trabalhado que todos os movimentos sociais do mundo realizam na sua luta por uma sociedade mais igualitária.
   
Estavam no seminário o corpo docente da Academia que é composto por alguns professores de universidades católicas, Cardeais, membros da comissão Justiça e paz do Vaticano, e convidados especiais.

Entre os convidados estavam apenas dois movimentos socais da Argentina (Trabalhadores Marítimos, e trabalhadores catadores de material reciclável, que se chamam de Movimento de trabalhadores excluídos), que são amigos do Papa há muitos anos.  E também convidaram os embaixadores no Vaticano dos principais países católicos do mundo.    Lá estava também o embaixador brasileiro no Vaticano, Denis Fontes de Souza Pinto,  que se disse seguidor de Dom Helder Câmara.
Como parte da metodologia histórica da Pontifica Academia de Ciências, procuram ouvir "os argumentos das diversas posições na sociedade,".    Assim, o debate teve como palestrantes iniciais um companheiro do Movimento dos excluídos da argentina,  Jeffrey Sachhs, assessor do presidente da ONU para temas sócio-econômicos,  de uma professora Estadunidense especialista em educação,(esses dois com clara identidade neoliberal), um professor da universidade católica de Roma, que fez uma reflexão a partir da filosofia da educação, e do ex-primeiro Ministro da Itália, o sr. Proddi, com posições de centro-esquerda.
O seminário foi coordenado pelo Cardeal Turkson, do Senegal e presidente da Comissão Justiça e Paz

Depois seguiram-se os debates.

A realização do seminário sobre tema tão importante revelou por si só, como nas ultimas décadas o Vaticano estava ausente do interesse e dessa preocupação e que agora há mudanças!   E as posições e argumentos desenvolvidas, procuraram chamar atenção das verdadeiras causas da situação de pobreza, desigualdade sócio-econômica, que tem no capitalismo a causa principal de tantos seres humanos excluídos do acesso aos seus direitos e às necessidades básicas.

Certamente, eles ainda terão muitos debates pela frente.   E a publicação da Exortação apostólica do papa, que também se refere ao tema, será um estimulo ainda maior para que a "inteligentzia vaticana"  siga pesquisando e compreendendo porque  um bilhão de seres humanos passam fome todos os dias, por que há tantos trabalhadores desempregados e por que os camponeses, povos nativos, indígenas e pescadores estão sendo expulsos de suas comunidades pelo capital.
E, um dos encaminhamentos práticos já desse debate, que depois pudemos seguir articulando, através da Comissão de Justiça e paz do Vaticano, é de promovermos em 2014, um grande encontro de movimentos populares de todo mundo, para ai, sim levar a opinião dos próprios representantes dos trabalhadores excluídos e dos movimentos sociais, sobre a temática.     Nas próximas semanas estaremos por tanto, construindo a realização dessa conferencia internacional de movimentos populares a se realizar no Vaticano, por convocação do Papa Francisco.
Mensagem do MST ao Papa
Aproveitei a oportunidade de estar no Vaticano, para levar duas mensagens ao Papa Francisco. 
A Primeira, mais simbólica,  nossa companheira Maritania Risso, assentada em Abelardo Luz-SC e  artista popular  preparou um belo quadro pintado com sementes.  

A segunda, entreguei através de emissários próximos a ele, a carta que também.

A Abertura do Papa Francisco ao tema dos mais pobres, da desigualdade social, a sua critica contundente ao sistema financeiro e ao capitalismo, já demonstram importantes mudanças em curso no Vaticano. Assim como já estão provocando reações dos eternos defensores do capital, como por exemplo a campanha da CNN dos EUA.

O Emissário que entregou ao Papa as mensagens, disse que ele gostou muito, e,  nos enviou  rosários abençoados, como sua recordação pessoal.

E também o emissário gravou em seu celular a mensagem abaixo, em que o Papa se refere ao trabalho e  aos membros da assembleia campesina.
Saí com a impressão de que o Papa terá muito trabalho pela frente, para fazer as mudanças necessárias, no Vaticano, no comportamento da Igreja.    Mas sinto que os trabalhadores e os mais pobres terão um aliado importante na sua luta contra a opressão e a exploração.
abraços a todos e todas
João Pedro Stédile

FONTE: SGeral MST

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Ruralistas detêm 72% de comissão especial da PEC 215

Dos 21 deputados federais indicados como membros titulares, ou seja, com direito a voto, para a comissão especial que tratará da PEC 215, ao menos 15, perto de 72%, são membros ou aliados da Frente Parlamentar Agropecuária. Entre os demais deputados, apenas cinco certamente farão frente ao pleito ruralista de transferir do Executivo para o Legislativo a aprovação ou não das demarcações e homologações de terras indígenas, quilombolas e áreas de conservação ambiental.

Em sessão tumultuada nesta quarta, 11, a comissão definiu como presidente o deputado Afonso Florence (PT/BA) e na relatoria o deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR), que já relatou a PEC 215 quando ela ainda tramitava na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), dando parecer de admissibilidade à proposta. Todos os demais integrantes da mesa são da bancada ruralista – três vice-presidentes e o relator substituto. Outros 21 deputados são indicados como suplentes.   

Confira a lista completa aqui

 O número de parlamentares alinhados aos ruralistas pode ser ainda maior, caso posições regionais de alguns deputados se mantenham na comissão. Geraldo Simões (PT/BA), um dos titulares, do mesmo partido da presidente Dilma Rousseff, que já se declarou contra a PEC 215, faz oposição às demarcações de terras tradicionais no sul da Bahia e apresentou na Câmara Federal Projeto de Lei (PL) para alterar o procedimento demarcatório no país.

Os ares desta comissão podem ser sintetizados pelos episódios desta quarta. Na notícia da Agência Câmara sobre a definição da mesa diretora da comissão especial (leia aqui), comentário escrito pelo leitor Luiz Baú diz: “Verifiquem as terras já demarcadas, e como estão sendo usadas pelos bugres”.

Bugres. Talvez tenha sido o tratamento pejorativo mais comum utilizado por um grupo, paramentado com camisas da Confederação nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), contra os indígenas que chegavam à Câmara Federal para participar da sessão. Xingamentos, intimidação física e demonstração de racismo foram despejados sobre os indígenas às portas da chamada 'Casa do Povo' (foto acima).

 “Uma mulher me chamou de lixo. Não respondi. O que se diz para alguém assim?”, lamentou um jovem indígena Munduruku. Um dos principais alvos, cacique Babau Tupinambá foi impedido de entrar na Câmara pelo grupo da CNA. “Não adianta aceitar provocação. Se não entra por aqui, entra por outro lado”, disse. A Polícia Legislativa conteve os mais exaltados na busca por confusão com os indígenas. 
  
 A sessão

 A sessão transcorreu de forma rápida por conta dos intensos protestos do movimento indígena. Em decisão conjunta, as bancadas do PT, PCdoB, PSB, PSOL e PV decidiram pela indicação de nomes à comissão. Os indígenas distribuíram também um documento contra hidrelétricas na Amazônia, em inglês e espanhol, utilizado no Fórum Internacional de Direitos Humanos, que acontece no Centro Internacional de Convenções, em Brasília, como denúncia aos jornalistas e órgãos de direitos humanos da América Latina e do mundo.


No término dos trabalhos, o deputado ruralista Luiz Carlos Heinze (PP/RS) partiu para cima dos indígenas com xingamentos, ofensas racistas e tentativas de agressão, porém foi contido pela Polícia Legislativa. 
FONTE: CIMI (por Renato Santana DF)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Diálogos sobre vida e mineração



Carta Aberta fruto do encontro de religiosos/as e leigos/as comprometidos na defesa do direito sócio-ambiental contra os impactos da mega-mineração no continente Latino-americano. Esse encontro foi realizado em Lima, Peru, de 4-5 de novembro de 2013, com participações de pessoas de vários países do continente.
Diálogos sobre a vida e a mineração

Carta aberta de Religiosas, Religiosos, Leigos e Leigas cuidadores dos bens da Criação em América Latina

Somos religiosas, religiosos, leigos e leigas de América Latina interpelados pela grave situação de nossos povos frente à indústria extrativa, impactados dia após dia pela destruição da Criação, pela exploração indiscriminada dos Bens Comuns, pela repressão e exclusão que geram conflitos sociais, afetam os Direitos Humanos e destroem ecossistemas vitais.
Tentamos elaborar em conjunto estratégias de resposta a essa complexa realidade, à luz do Evangelho.
Em novembro de 2013, encontramo-nos em Lima como grupo inicial, que nasceu desde as experiências concretas de quem trabalha nas regiões de conflito com empreendimentos extrativos.
No Peru, país latino-americano com os melhores indicadores de desenvolvimento econômico, a Defensoria del Pueblo evidenciou que a mineração é a maior fonte de conflitos sociais.
Em todos os nossos países, o extrativismo é uma fonte de constantes e graves conflitos.
Estavam presentes no encontro trinta pessoas, vindo de Salvador, Honduras, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Argentina, Brasil, mas também religiosas/os e leigas/os que trabalham em agências internacionais como VIVAT International, Franciscans International e Mercy Internacional (ONGs de diversas congregações religiosas na ONU) e no escritório de Justiça, Paz e Integridade da Criação dos franciscanos OFM de Roma. O processo foi apoiado e acompanhado por Misereor, a agência de desenvolvimento da igreja católica na Alemanha.
Ao longo dos últimos anos, o Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), várias dioceses e conferências de bispos católicos, bem como o Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), aprofundaram e debateram os conflitos provocados pelos grandes projetos de mineração e energia em nossos Países.
As comunidades cristãs, em muitos casos, foram protagonistas da resistência a esses projetos, em defesa de direitos e tradições locais e em busca de alternativas a esse modelo desenvolvimentista e espoliador, com raízes coloniais.
As organizações cristãs de base sentiram a necessidade de relançar a articulação entre elas e dentro da igreja institucional, em espírito ecumênico.
O contexto é extremamente desafiador: os pastores e líderes cristãos que defendem as comunidades, o meio ambiente e os trabalhadores frente aos impactos da mineração são cada vez mais criminalizados e perseguidos, se encontram isolados e em vários casos pouco apoiados pelas instituições das igrejas ou congregações às quais pertencem. Várias catequistas, irmãs, padres ou pastores foram mortos, ameaçados ou afastados das comunidades junto às quais viviam e lutavam.
As populações tradicionais são as mais impactadas pelos grandes projetos extrativos. Muitas doenças são adquiridas; seus territórios tradicionais são devastados, suas culturas e espiritualidades ameaçadas.
Preocupam-nos os ataques aos direitos indígenas arduamente conquistados, nas últimas décadas, diante das pressões das empresas mineradoras. As populações nativas não são respeitadas em seu direito de veto à construção de grandes hidrelétricas e à exploração mineral nos territórios que pertenceram aos seus ancestrais.
Frente a esse preocupante cenário, há uma necessidade extrema de compor laços de aliança entre quem assumiu a missão cristã de cuidar da Criação, fortalecendo inclusive o diálogo com a hierarquia de nossas igrejas. Alegrou-nos muito a participação de dom Guilherme Werlang, bispo do Brasil[1], ao longo de todo o encontro de Lima, bem como o apoio de Papa Francisco à luta contra a mineração em grande escala[2], expressado em recente encontro em Roma: sinais importantes que apontam para o futuro.
Ao longo do primeiro encontro em Lima definimos algumas pistas de convergência e trabalho para os próximos tempos:
  • Queremos contribuir com a releitura bíblico-teológica dos princípios que fundamentam o compromisso cristão por justiça, paz e integridade da criação (JPIC). Queremos aprofundar as conexões entre os valores sagrados das tradições de nossos povos, a cultura do Buen Vivir e a mensagem cristã, no compromisso comum pela defesa da vida. Vamos trabalhar à inclusão desses temas na educação popular das comunidades cristãs.
  • Queremos dialogar com a igreja institucional católica, com as redes de igrejas evangélicas, com as coordenações de nossas congregações religiosas. Buscaremos fortalecer nosso diálogo com o CLAI e promover um encontro de reflexão e retiro em que representantes dos afetados por mineração peçam ao Vaticano amparo e defesa de seus direitos e estilos de vida.
  • Queremos construir pontes entre as comunidades impactadas e as instituições internacionais de defesa dos direitos humanos, através da missão das religiosas e religiosos que trabalham nas Nações Unidas, nas coordenações nacionais e internacionais de JPIC e nas redes internacionais de luta contra os impactos da mineração.
Para isso, convocamos a um debate permanente sobre esses pontos os religiosos-as e lideranças leigas da America Latina, sensíveis a essa urgência e dispostos a esse compromisso em defesa das comunidades atingidas por mineração.
Queremos voltar a nos encontrar no Brasil, no final de 2014, para afirmar estes e novos compromissos, com um grupo maior e mais articulado, para que nossos povos sintam a proximidade das igrejas e para que tudo, neles, tenha vida em abundância.
Lima, 4-5 de novembro de 2013
Ofelia Vargas – Peru - Grufides
Pablo Sanchez - Peru - Grufides
Juan Goicochea - Peru – Missionários Combonianos
René Flores – Honduras - Frades Menores Franciscanos
César Espinoza – Honduras – Missionários Claretianos
Donald Hernandes – Honduras – CEPRODEH
Filomeno Ceja – Guatemala – Missionários Combonianos
Juan de La Cruz -  Ecuador - Salesianos
Dário Bossi – Brasil – Missionários Combonianos
Danilo Chammas – Brasil – Justiça nos Trilhos
Rodrigo Peret – Brasil - Frades Menores Franciscanos
Gilberto Pauwels – Bolívia - Oblatos de Maria Imaculada
Adriel Ruiz – Colômbia – Sacerdote Diocesano
Cesar Correa – Chile – Missionários Columbanos
César Padilla – Chile - OCMAL
Ana Maria Siufi - Argentina - Hermana de la Misericordia de las Américas
Fábio Ferreira – Roma - Frades Menores Franciscanos
Jean Paul Pezzi - EUA - Missionários Combonianos
Seamus Finn – EUA – Oblatos de Maria Imaculada
Amanda Lyons –EUA - Franciscans International
Aine O'Connor – EUA - Sisters of Mercy, Mercy International Association at the UN
Zélia Cordeiro - EUA - Missionária Serva do Espírito Santo/VIVAT Internacional
Para contatos e maiores informações:  iglesiaymineria@gmail.com


[1] Presidente da Comissão Episcopal Brasileira para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Nelson Mandela (1918-2013)

Nelson Mandela (1918-2013)
O “Madiba”, cuja vida é inspiração de dias melhores, morreu aos 95 anos em sua casa, em Joanesburgo
por José Antonio Lima , em CartaCapital
“Durante a minha vida, me dediquei à luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, e lutei contra a dominação negra. Eu defendi o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e conseguir realizar. Mas, se preciso for, é um ideal para o qual estou disposto a morrer.”
Nelson Mandela, na abertura de sua declaração de defesa no Julgamento de Rivonia, em Pretória, em 20 de abril de 1964
***
Em 12 de fevereiro de 1990, quando Nelson Mandela foi solto, após 27 anos encarcerado, a África do Sul estava à beira de uma guerra civil entre brancos e negros. A libertação de Mandela era fruto de negociações entre o regime segregacionista do Apartheid e a resistência negra, mantidas em segredo para não estimular ainda mais violência por parte dos extremistas de ambos os lados. Havia uma imensa desconfiança a respeito das intenções de Mandela, mas mesmo após séculos de opressão e de seu sofrimento pessoal, Mandela tomou as decisões que fazem muitos considerá-lo o maior líder político de todos os tempos.
Ao levar a todo o país uma mensagem em defesa da democracia e da igualdade, o Madiba, como é conhecido no país, se tornou o artífice da reconciliação entre brancos e negros sul-africanos, evitando o que poderia ser uma sangrenta guerra civil. Foi esse homem que a humanidade perdeu decorrente de uma infecção pulmonar, nesta quinta-feira 5. O anúncio oficial foi feito em rede nacional pelo presidente da África do Sul, Jacob Zuma.
A morte de Mandela era a má notícia que os sul-africanos esperavam há anos, desde que a saúde debilitada do ex-presidente começou a preocupar. A cada internação, o país entrava em apreensão, inúmeros boatos circulavam, o governo divulgava notas oficiais, até que vinha a notícia da alta. Desta vez, foi diferente. A morte de Mandela deve jogar boa parte do país em depressão.
Violência e o fim do Apartheid
O luto não se dá à toa. Após anos lutando contra o regime da supremacia branca de forma institucional, Mandela ajudou a fundar, em 1961, o Umkhonto weSizwe, braço armado do Congresso Nacional Africano (CNA). Dois anos depois de entrar na luta armada, Mandela foi preso e condenado à prisão perpétua no famigerado Julgamento de Rivonia. Ele deixaria a prisão apenas nos anos 1990, quando se juntaria a algumas poucas figuras que tentariam colocar fim ao Apartheid.
Como o regime beneficiava diversos grupos, a resistência às mudanças seria ferrenha. Logo após a soltura de Mandela, uma onda de violência tomou conta da África do Sul. Chacinas foram cometidas várias vezes por dia em trens e outros locais públicos. Líderes comunitários e outras figuras públicas foram executados. Massacres nos guetos negros se tornaram comuns. A execução do “colar”, por meio da qual um pneu com gasolina era colocado no pescoço da vítima e incendiado, se tornou a horrenda face da violência no país. Isso sem contar a repressão violenta da polícia contra as manifestações de populações negras. Era uma época que os sul-africanos “morriam como moscas”, nas palavras do arcebispo anglicano Desmond Tutu, Nobel da Paz.
A violência daquele período era atribuída a uma guerra entre o Congresso Nacional Africano, grupo liderado por Mandela, que pregava a igualdade entre brancos e negros, e o Inkatha, movimento nacionalista zulu, um dos diversos povos sul-africanos. Essa era apenas parte da explicação. A violência generalizada era uma ação orquestrada pelas forças de seguranças do regime e pelos extremistas de direita do Inkatha. Milhares de membros da facção zulu foram treinados em campos secretos e receberam armas e dinheiro das forças de segurança do regime e de líderes brancos de extrema-direita. Alguns policiais, brancos e negros, chegavam a coordenar e participar dos massacres. Quando não havia gente do Inkatha, mercenários de países como Angola e Namíbia eram contratados. Em silêncio, para não serem identificados como estrangeiros pelo sotaque, matavam sul-africanos a esmo.
Para o Inkatha, aquela era uma luta para manter a autonomia da terra KwaZulu e buscar a independência. Para os extremistas brancos, era uma estratégia dupla: primeiro manter a argumentação de que os negros eram incapazes de se autogovernar. Caso isso não desse certo, o CNA, de Mandela, ao menos ficaria enfraquecido para a eleição presidencial que se seguiria, a primeira na qual brancos e negros poderiam votar e ser votados livremente.
A estratégia de desestabilização não deu resultados graças à força de caráter de inúmeras pessoas, entre elas o então presidente sul-africano, Frederik Willem de Klerk, e de Mandela. Entre 1990 e 1993, a África do Sul revogou leis que davam amparo jurídico ao Apartheid, desmantelou seu arsenal nuclear e convocou eleições livres para 1994. Ao contrário do que pensavam os extremistas, o CNA não estava enfraquecido por conta da violência. Nas urnas, o partido obteve uma vitória massacrante, e Mandela se tornou o primeiro presidente negro na história do país.
“Nação Arco-Íris”
No poder, Mandela operou um milagre político. O Madiba fez os sul-africanos acreditarem no seu sonho, o de que a África do Sul poderia ser mesmo uma “Nação Arco-Íris”, na qual todas as “cores” poderiam conviver de forma harmônica. Mandela conseguiu contemplar os anseios das minorias brancas e conter a ânsia por justiça de líderes negros, muitos dos quais desejavam vingança após décadas de abusos e arbitrariedade.
A face mais visível do esforço de reconciliação feita por Mandela foi o apoio à seleção de rúgbi da África do Sul, os Springboks, na Copa do Mundo de 1995. Mandela não permitiu a mudança de nome e uniforme da equipe e tornou a seleção, símbolo de orgulho dos brancos, em orgulho nacional. A empreitada teve um fim épico com a improvável vitória da África do Sul sobre a Nova Zelândia, no hoje mítico Ellis Park, em Johannesburgo. A história foi registrada de forma magistral no livro Conquistando o Inimigo, de John Carlin, e no filme Invictus, de Clint Eastwood.
O apoio aos Springboks era parte da estratégia de Mandela de liderar pelo exemplo. Para o sul-africano comum, branco ou negro, era inevitável se questionar: como pode um homem que ficou encarcerado por 28 anos deixar a prisão sem qualquer resquício de rancor e adotar um tom tão reconciliatório? Se Mandela podia, todos podiam.
O milagre da Nação Arco-Íris foi também institucionalizado. Sob Mandela, a África do Sul passou a ter programas de habitação, educação e desenvolvimento econômico para a população negra; instalou a Comissão da Verdade e da Reconciliação, que serviu como catarse coletiva para o país; e aprovou uma nova Constituição, vista até hoje como ponto central de estabilidade na África do Sul.
O legado de Mandela
Desde que assumiu a presidência, Mandela deixou claro que gostaria de ser apenas o responsável pela transição da África do Sul, e não o guia eterno do país. Ele fez isso pois desejava uma África do Sul independente, inclusive dele próprio. A África do Sul que Mandela imaginou, no entanto, não conseguiu completar o sonho do líder visionário durante sua vida. Contra a vontade de Mandela, e de sua família, sua imagem é usada persistentemente de forma política, às vezes por líderes que dilapidam seu legado. Esse processo foi agravado pelo silêncio ao qual Mandela foi obrigado a se recolher devido ao agravamento de sua doença.
Nos governos de Thabo Mbeki (1999-2007) e do atual presidente, Jacob Zuma, ambos do CNA, a África do Sul teve grande crescimento econômico, mas a desigualdade social é maior que a existente no fim do Apartheid. O CNA, por sua vez, deixou de ser o partido da liberdade para se tornar um amontoado de políticos acusados de corrupção e de agir em benefício próprio. A Liga Jovem do ANC, fundada por Mandela, passou a ser conhecida pelos atos e palavras de intolerância de seus líderes, um perigo para uma país onde a violência racial está contida, mas a tensão entre brancos e negros, não.
Apesar do uso político de sua imagem, Mandela continua sendo o bastião da democracia na África do Sul. Talvez, o distanciamento entre seu legado e a condição atual do país tenha servido para, nos últimos anos, tornar mais agudo o sofrimento da população a cada nova internação. Hoje, finalmente, chegou o dia de deixar Mandela descansar, e dos sul-africanos colocarem o país no rumo sem um exemplo vivo para guiá-los.
FONTE: CARTA CAPITAL