quinta-feira, 30 de julho de 2015

Carta aberta dos atingidos pela mineração reunidos no Vaticano

Unidos a Deus compartimos um grito

Carta aberta das comunidades atingidas pela mineração, recebidas em Roma pelo Pontifício Conselho de Justiça e Paz 

Nos dias de 17 a 19 de julho de 2015, realizou-se em Roma o encontro de representantes de comunidades atingidas por atividades mineiras, organizado pelo Pontifício Conselho de Justiça e Paz (PCJP) em colaboração com a rede latino-americana Iglesias y Minería, com o tema “Unidos a Deus escutamos um grito”. 

Participaram lideranças de 18 países do mundo: Chile, Peru, Brasil, Colômbia, Honduras, Guatemala, El Salvador, República Dominicana, México, Estados Unidos, Canada, Suíça, Itália, Moçambique, Ghana, República Democrática do Congo, Índia e Filipinas.

Foi um encontro fortemente esperado por nossas comunidades, que estão se organizando progressivamente para denunciar as graves violações aos direitos humanos que sofrem pela destruição e contaminação do meio ambiente, os danos à saúde, as divisões comunitárias, o desenraizamento dos territórios, as enfermidades, a perda da cultura, a prostituição, o alcoolismo e o uso de drogas, a perda da economia local e as vinculações com o crime organizado que são criadas pela indústria mineira. De maneira que as comunidades também se organizam para estabelecer estratégias comuns de resistência e alternativas.

“Objetivo desse encontro é reconhecer sua dignidade”, afirmou o cardeal Turkson, presidente do PCJP. Papa Francisco definiu-a “a imensa dignidade dos pobres” (Laudato Sí – LS 158). 

A Igreja Católica está deparando-se cada vez mais com a gravidade dos impactos da mineração, ferida profunda no seio da terra e das comunidades e expressão da “única e complexa crise socioambiental” (LS 139). 

Papa Francisco, em sua carta aos participantes do encontro, descreveu o contexto dos conflitos mineiros com extrema lucidez e empatia: “Quiseram se reunir (...) para ecoar o grito das numerosas pessoas, famílias e comunidades que sofrem direta ou indiretamente por causa das consequências muitas vezes negativas das atividades mineiras. Um grito pela extração de riquezas do solo que paradoxalmente não produziu riquezas para as populações locais que permanecem pobres; um grito de dor em reação às violências, ameaças e corrupção; um grito de indignação e ajuda pelas violações de direitos humanos, discreta ou descaradamente pisados pelo que se refere à saúde das populações, às condições de trabalho, por vezes à escravidão e ao tráfico de pessoas que alimentam o trágico fenômeno da prostituição; um grito de tristeza e impotência pela poluição das águas, do ar e dos solos; um grito de incompreensão pela ausência de processos inclusivos e de apoio por parte das autoridades civis, locais e nacionais, que têm o dever de promover o bem comum”.

O Card. Turkson concluiu o evento comunicando às comunidades: “Estamos cientes de seu isolamento, da violação de direitos humanos, da persecução, do desequilíbrio de poder...”.
O sofrimento das comunidades teve, através desse encontro, uma preciosa divulgação e visibilidade frente à opinião pública mundial.

Refletindo sobre a Doutrina Social da Igreja, nós participantes chegamos à conclusão que a
Igreja não pode ser uma mediadora neutra entre as comunidades e as empresas. “Onde há tantas desigualdades e são tantas as pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais, o princípio do bem comum torna-se imediatamente, como consequência lógica e inevitável, um apelo à solidariedade e uma opção preferencial pelos mais pobres” (LS 158).

As afinidades de nossas denúncias revelam que há práticas repetidas por parte das empresas em todas as latitudes, frequentemente em aliança com os governos nacionais e locais e com uma forte incidência e lobby das mineradoras em todos os espaços de poder: através da elaboração de leis prejudiciais à vida, buscam proteger seus projetos operacionais e interesses de lucro.

Com essa desproporção de forças e influências e com a falta de um adequado acesso à justiça e à informação, mantendo-se uma forte criminalização do protesto social, é praticamente impossível que haja um diálogo respeitoso e atento das empresas e governos para com as exigências dos mais pobres. Em sua encíclica, Papa Francisco recomenda fortemente “grandes percursos de diálogo”, mas os vincula todos a responsáveis processos políticos e decisórios em nível internacional, nacional e local (LS 164-198). Esse é o nível que podemos e queremos potencializar, com a determinante postura do Pontifício Conselho de Justiça e Paz. 

Expressamos também nossa preocupação a respeito da estratégia de aproximação das grandes corporações mineiras à Igreja institucional, ressaltando as contradições entre os discursos realizados em Roma por essas multinacionais e suas práticas locais, que continuam na maioria dos casos a violar os direitos humanos nos territórios.  

Nesse sentido, ressoam ainda mais fortes as palavras que Papa Francisco escreveu-nos por ocasião do encontro: não se trata de buscar pequenos ajustes de conduta ou elevar um pouco os padrões da assim chamada “responsabilidade social corporativa”. Ao contrário, diz o Papa, “o inteiro setor minerário está sem dúvida chamado a realizar uma mudança radical de paradigma para melhorar a situação em muitos países”.

Celebramos esse encontro porque o grito de socorro das comunidades está sendo
escutado e está cada vez mais se organizando. Mas sentimos também o desafio de garantir os direitos humanos e o protagonismo das pessoas em seus territórios: “os novos processos em gestação (...) hão de ser provenientes da própria cultura local” (LS 144).

Aguardamos com muito interesse o documento que o Pontifício Conselho de Justiça e Paz redigirá, com reflexões e indicações a respeito dos conflitos provocados pelas atividades de mineração. Esperamos seja um documento pastoral: poderá de um lado reforçar e empoderar as comunidades confirmando sua dignidade e seus projetos de vida, do outro recomendar às igrejas locais a importância de educar ao cuidado da Mãe Terra, defender as vítimas dos conflitos e da criminalização, promover políticas e ações institucionais a proteção dos direitos socioambientais, bem como serem vigilantes na relação com as empresas. 

Sugerimos ao PCJP que, em seu encontro com os empresários das grandes mineradoras, confirme de maneira contundente a solicitação de vários outros povos e organizações do mundo: avançar na definição do Tratado Vinculante sobre Empresas e Direitos Humanos, atualmente em construção na ONU.

Consideramos que o caminho mais adequado para a gestão dos conflitos entre as comunidades que reivindicam seu direito ao território e os projetos das empresas, com o aval dos estados, seja o total respeito dos direitos humanos e das leis e tratados já existentes, bem como a definição de novos consistentes instrumentos regulatórios, políticos, jurídicos e econômicos, tanto em nível nacional como internacional (LS 177); “mas, no debate, devem ter um lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse econômico imediato” (LS 183). As comunidades têm o direito de dizer ‘não’ à mineração.

Nesse sentido, reforçamos a importância de garantir áreas livres da mineração. Trata-se de regiões de especial proteção ecológica, comunidades em territórios pequenos que seriam atropeladas por gigantescos projetos mineiros, espaços sagrados onde se celebram a história de um povo e sua cultura, áreas de particular beleza natural ou onde vivem comunidades que já foram removidas anteriormente, entre outras.

O card. Turkson nos garantiu que esse encontro representa mais uma etapa de um longo compromisso do Conselho Pontifício: “Não é só o Vaticano que escuta o grito das vítimas. Também os bispos o fazem. Encorajaremos os bispos locais a ficar mais próximos às comunidades atingidas”.  

Agradecemos a Igreja Católica por escutar o grito dos atingidos pela mineração e queremos continuar a caminhar com esperança “para que venha o Reino de justiça, paz, amor e beleza”.


Roma, 28 de julho de 2015
As comunidades que participaram do encontro “Unidos a Deus escutamos um grito”

sábado, 25 de julho de 2015

Padre Ezequiel Ramin 30 anos de martirio

Há 30 anos era brutalmente assassinado o padre Ezequiel Ramin.  Ele viveu de forma concreta sua fé e opção pelos pobres. Padre Ezequiel foi vítima de uma emboscada no dia 24 de julho de 1985, quando em companhia do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cacoal, Rondônia, ia conversar com colonos ameaçados de despejo. No caminho de volta, foi assassinado. Ezequiel era missionário comboniano, nascido em Pádua, na Itália, em 1953, chegou ao Brasil em 1º de setembro de 1983 e passou a residir em Cacoal (RO), diocese de Ji-Paraná

Defesa dos indígenas, dos posseiros e dos sem terra:

Ezequiel colocou-se ao lado da causa dos índios, dos posseiros, trabalhadores rurais sem terra. Abraçou a opção pelos pobres de forma profunda nas questões sociais e ambientais, na luta pela terra e dignidade da vida. Uma vez disse: disse: “O meu trabalho aqui é de anúncio e denúncia. Não poderia ser diferente considerando a situação do povo. Precisamos apoiar bastante os movimentos populares e as associações sindicais. A fé precisa caminhar junto com a vida...”

Estimado pelos pobres, despertou a ira dos fazendeiros e poderosos da região.

Rondônia: situação explosiva. (texto cfr. Missionários Combonianos)

Naquela época, a situação era explosiva na Rondônia. Fronteira de um novo grande projeto de colonização, acolhia pessoas aos milhares. Vinham de todo o Brasil. Chegavam carregando tudo, principalmente sonhos e esperança. O governo abria estradas, distribuía terra, incentivava o desmatamento e a produção, prometia financiamentos, dizia que aquele era o futuro e as pessoas respondiam enchendo caminhões e ônibus com poucas coisas e levando junto toda a família. Para muitos era a chance de construir algo para si e os filhos. O que era apenas mato fechado virava cidade do dia para a noite. A BR 364, ainda não asfaltada, era o corredor de entrada: 1.500 quilômetros de chão que, em épocas de chuvas, viravam passarela vermelha de buracos e atoleiros.  

Quando chegou, padre Ezequiel encontrou em Rondônia um mundo em plena agitação. Uma espécie de febre colonizadora que contagiava a todos. Havia muito movimento para construir, mas também gente morrendo: de malária, de tuberculose e, sobretudo, pela falta das estruturas públicas, que sempre chegavam tarde demais. Em 1984, mais de 200 mil pessoas tinham entrado no Estado. 'O migrante chega e não encontra orientação, fica amontoado em estações rodoviárias ou em galpões de igrejas', contava o bispo de Ji-Paraná, dom Antônio Possamai, que também incentivava seus padres a oferecer ao povo o máximo de orientação e ajuda.  

Era o outro lado da moeda: a terra das oportunidades era, para muitos, apenas mais um salto no vazio ou até mesmo o fim de linha. O maior de todos os problemas era o da terra. Grandes ambições e fortes interesses estavam em jogo e vinham junto com os colonos. Se os pequenos buscavam um lote para começar a plantar, havia também grupos poderosos que disputavam cada palmo de chão para garantir um lugar nas cidades que surgiam ou no Estado que se organizava. Os resultados não podiam ser outros: conflitos permanentes. Fazendeiros contra posseiros, grileiros contra pequenos agricultores, fazendeiros e madeireiras contra índios. Muitas vezes, políticos e autoridades contra o povo. Vilões eram sempre considerados os que buscavam caminhos de entendimento e de paz, especialmente os grupos organizados de pastoral da terra, taxados de não estar a serviço do evangelho, mas de interesses internacionais. A estes, porém, não passavam desapercebidas, como ao resto da sociedade, as 16 mil famílias em fila de espera que na época estavam nas listas do Incra e pelo menos as 50 mil famílias de sem-terra. Segundo o bispo de Ji-Paraná, a conseqüência de tudo aquilo era que os conflitos aumentavam cada dia em quase todos os municípios. 'O povo está cansado de esperar e, diante da ameaça da fome, começa a se organizar e a ocupar terras que ninguém cultiva', admitia com simplicidade e objetividade. Foi o que ocorreu na fazenda Catuva, uma terra grilada a cerca de 100 quilômetros de Cacoal, a cidade onde Ezequiel morava e trabalhava, que algumas famílias insistiam em querer cultivar. Diante das pressões e ameaças de fazendeiros e jagunços, ele tomou posição.

No dia 24 de julho de 1985, saiu de casa bem cedo, em companhia do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cacoal, para trocar idéias com os colonos ameaçados de despejo. Queria que não partissem para o conflito. Achava que era necessário ter paciência e apostar no lento mas seguro caminho da negociação. Voltando para casa, o carro em que viajava foi crivado de balas. Tinha apenas 33 anos.  

Pouco tempo antes, ao comentar a situação em que se encontrava, tinha desabafado em uma celebração: 'Eu sei muito bem que esta escolha vai me custar muito caro e, desde agora, aceito voluntariamente todas as conseqüências que dela vierem, quem sabe a prisão, a tortura e também a vida'. Não fugiu nem se amedrontou. Foi fiel até o fim. Como Jesus. Era exatamente isso que Comboni sempre pedia aos seus filhos e colaboradores:

'O verdadeiro apóstolo jamais recua diante dos obstáculos mais terríveis, contradições violentas, e caminha com pés firmes diante das inúmeras tribulações'.

sábado, 18 de julho de 2015

Mensagem do Papa Francisco aos Atingidos pela Mineração

O Papa Francisco enviou uma mensagem aos participantes do encontro do Conselho Pontifício de Justiça e Paz, com representantes de comunidades atingidas pela mineração, que acontece em Roma, nos dias 17 - 19 de julho.  O Encontro discute os problemas da mineração, violações de direitos humanos e impactos ambientais.

Na mensagem, o Papa disse que "é a partir da dignidade humana que se cria a cultura necessária para enfrentar a crise atual". O papa indica que uma das finalidades do encontro é "para que se escute o grito de muitas pessoas, famílias e comunidades que sofrem direta ou indiretamente, às causa das conseqüências muitas vezes negativas das atividades de mineração".O Papa diz que todo o setor minerário é "chamado a fazer uma mudança de paradigma para melhorar a situação em muitos países".

Leia na integra a mensagem do Papa


Mensagem do Santo Padre para o Encontro com os Atingidos pela Mineração
Ao Venerável Irmão
Cardeal Peter Turkson
Presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz

Eminência,

Tenho o prazer de transmitir as minhas saudações e o meu encorajamento aos participantes da reunião de representantes de comunidades afetadas por atividades de mineração, organizado pelo Conselho Pontifício Justiça e Paz em colaboração com a rede latino-americana Iglesias y Mineria sobre o tema "Unidos em Deus ouvimos um grito. "

Vindes de situações diferentes e de maneiras diferentes experimentais os efeitos das atividades de mineração, sejam esses conduzidos por grandes empresas industriais, por artesãos ou operadores informais. Vós quisestes reunir em Roma, nesta jornada de reflexão que está ligada a uma passagem da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (ver n. 187-190), para que se escute o grito de muitas pessoas, famílias e comunidades que sofrem direta ou indiretamente, às causa das conseqüências muitas vezes negativas das atividades de mineração. Um grito pelas terras perdidas; um grito pela extração das riquezas do solo que, paradoxalmente, não produz nenhuma riqueza para a população local que permanece pobre; um grito de dor em reação às violências, às ameaças e à corrupção; um grito de indignação e de ajuda pelas violações dos direitos humanos, de forma discreta ou descaradamente pisoteados no que diz respeito à saúde das pessoas, condições de trabalho, às vezes pela escravidão e tráfico de seres humanos que alimenta o fenômeno trágico da prostituição; um grito de tristeza e de impotência pela poluição da água, do ar e do solo; um grito de incompreensão pela falta de processos inclusivos e de apoio por parte das autoridades civis, locais e nacionais, que têm o dever fundamental de promover o bem comum.

Os minerais e, em geral, as riquezas do solo e do subsolo são um dom precioso de Deus, que a humanidade utiliza durante milhares de anos (cfr Gb 28,1-10). Os minerais, de fato, são fundamentais para muitos setores da vida e da atividade humana. Na Encíclica Laudato si eu quis fazer um apelo urgente pela colaboração no cuidado de nossa casa comum, para contrastar as dramáticas consequências da degradação ambiental nas vidas dos pobres e excluídos, e avançar para o desenvolvimento integral, inclusivo e sustentável ( cf. n. 13). Todo o setor da mineração é, sem dúvida, chamado a fazer uma mudança radical de paradigma para melhorar a situação em muitos países. Para isso podem dar sua contribuição os governos dos países de origem das empresas multinacionais e daqueles em que elas operam, os empresários e os investidores, as autoridades locais que supervisionam a realização de operações de mineração, os trabalhadores e os seus representantes, as cadeias abastecimento internacional com seus vários intermediários e aqueles que trabalham nos mercados desses materiais, os consumidores de produtos para os quais esses minerais forma utilizados. Todas essas pessoas são chamadas a adotar um comportamento inspirado no fato de que nós formamos uma única família humana, “que tudo está inter-relacionado, e que o genuíno cuidado de nossa própria vida e de nossa relação com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros” (ibid., 70).

Encorajo as comunidades representadas nesta reunião a considerar como interagir construtivamente com todos os demais atores envolvidos, num diálogo sincero e respeitoso. Espero que esta ocasião contribua para uma maior consciência e responsabilidade nestes temas: é a partir da dignidade humana que se cria a cultura necessária para enfrentar a crise atual.

Peço ao Senhor que o vosso trabalho nesses nos dias seja rico de frutos, e para que esses frutos possam ser compartilhados com todos aqueles que os necessitam. Vos peço, por favor, de rezarem por mim e com afeto vos abençoo, assim como as vossas comunidades e vossas famílias.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Conselho Pontifício de Justiça e Paz e atingidos da mineração se reúnem em Roma

Com muita esperança, força, e também com algumas ameaças recebidas em seus países, representantes de comunidades afetadas pela mineração chegaram em Roma, para uma reunião com o Conselho Pontifício Justiça e Paz. Com o título   "Em União com Deus, Ouvimos um Apelo", participam cerca de trinta representantes de comunidades afetadas por atividades de mineração da África do 'Ásia e Américas. As reflexões e discussões sobre questões da minerações, seus impactos e violações de direitos humanos e resistências das comunidades atingidas, vão de 17 a 19 de julho.  

O encontro acontece a portas fechadas no Salesianum de Roma e destina-se a ser um tempo para recolher provas, partilhar experiências, refletir e concretizar propostas para ação futura pela Igreja e comunidades. Também participam quinze representantes das Conferências Episcopais, congregações e redes como a Caritas, CIDSE, Iglesias y Mineria, Franciscanos e JPIC e Mineração.

A Encíclica do Papa Francisco ," Louvado seja" destaca os problemas que ocorrem ou são esperados em muitas áreas onde se está prospectando ou realizando a extração de minerais (números 29, 51 e 146). A recente publicação "Terra e Alimento" do Conselho Pontifício Justiça e Paz denunciou o tratamento escandaloso, por vezes, reservado, às pessoas e aos movimentos organizados em sua defesa (n. 54 e 115). 

Com esta  reunião, o Conselho Pontifício tem a intenção de dar mais visibilidade às situações de violência e intimidação, a ilegalidade e a corrupção, poluição e violações dos direitos humanos relacionadas com a mineração, interpelando os responsáveis políticos, os governos, empreendedores, investidores e organismos intergovernamentais, a ouvirem o grito dos oprimidos e o grito da terra, e para agir com diligência e responsabilidade no serviço do bem comum, da justiça e da dignidade humana.

Presente ao encontro está o Cardeal Peter KA Turkson, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, juntamente com representantes de comunidades afetadas por atividades de mineração.

Do Brasil, representando as comunidades atingidas estão presentes 3 pessoas, Maria de Lourdes Souza, de Porteirinha (MG), relativo a impactos e violações de direitos humanos cometidos pela Carpatian Gold;  Patricia Generoso Thomas Guerra, de Conceição do Mato Dentro (MG) relativo aos impactos e violações de direitos humanos cometidos pela Anglo América, e Alaíde Abreu da Silva, de Buriticupu (MA),relativo a impactos e violações de direitos humanos cometidos pela Vale, no corredor da Grande Carajás. Além deles, do Brasil, também participam Padre Dario Bossi e Frei Rodrigo Péret, ambos da rede "Igreja e Mineração". 

Respondendo à imprensa, durante uma entrevista coletiva, Patricia respondendo à seguinte pergunta: por que a mineração gera violentos impactos também sobre os recursos hídricos? O que vocês estão fazendo como comunidades para impedir isso?, disse: 

"Nossas comunidades tinham à disposição muita água potável. Elas se organizaram em função dos recursos hídricos, construindo suas vilas próximas aos cursos de água. Especificamente na minha cidade, Conceição do Mato Dentro, temos 17 comunidades que sofrem pelos danos que a mineração provocou. Para extrair o minério é preciso destruir e rebaixar o lençol freático, bombeando água que vem sendo usada, em parte, no próprio processo de transformação do minério. Assim, a água pura e preciosa para a vida e a produção alimentar está sendo ursupada e contaminada e os lugares que a produziam não produzem mais. 

Muitas famílias foram obrigadas a se retirarem dos locais onde viviam há várias gerações para dar lugar às cavas de minério e barragens de rejeito. Outras foram forçadas a conviver, cotidianamente, com a agressão ambiental e tiveram alterações violentas de seu modo de vida, de seu sossego e bem viver. 

Mas a violência é ainda pior: num momento de extrema escassez hídrica, as empresas estão utilizando a água até para transportar o minério de ferro da mina ao porto. Por exemplo, omineroduto Minas-Rio da empresa Anglo American inicia na minha cidade, onde há uma cava de 12km de extensão, e vai até o porto de Açu no Rio de Janeiro atravessando 32 municípios por 529 Km. Esse mineroduto utiliza 2.500 m3 de água por hora, o que seria suficiente para abastecer uma cidade de 220.000 habitantes! 

A água potável foi reconhecida como um direito humano inviolável e a comunidade já denunciou a violação desse direito em várias instâncias: nos órgãos licenciadores, fiscalizadores, nas Secretarias dos poderes públicos e até mesmo frente ao Relator Especial das Nações Unidas pelo Direito à Água e Saneamento. 

Papa Francisco apoiou os movimentos sociais argentinos com seu lema “A água vale mais que o ouro”. Nós em Minas Gerais dizemos “Minério não mata sede!”."

Em seu pronunciamento, na conferencia de imprensa o Cardeal Trurkson, afirmou que a Igreja, em vários níveis acompanha a questão da mineração:

"O Conselho Pontifício também está ciente do compromisso de múltiplas partes interessadas: a) em nível regional como as Conferências Episcopais Continentais: ou a Rede Eclesial Panamazónica, ou o Departamento de Justiça e Paz da Associação dos Membros das Conferências Episcopais da África Oriental com o recente declaração Deitado foudations para uma Indistry apenas extractiva, b) em nível transnacional, tais como as redes dos franciscanos, CIDSE e da Caritas ainda família. Todas essas vozes vão em uma só direção: diante de tais situações não se pode deixar que a indiferença, o cinismo e a impunidade continuem. Precisamos de uma mudança de paradigma radical em vista bem comum, da justiça, da sustentabilidade, da dignidade humana."

Cardeal Turkson em seu pronunciamento denunciou, que "algumas pessoas que participam da reunião foram pressionadas e intimidadas nos últimos dias, por exemplo, depois de solicitar um passaporte. Disse também que o Conselho Pontifício  recebeu os testemunhos de ameaças, violência e assassinatos, represálias."


terça-feira, 14 de julho de 2015

Faleceu Arturo Paoli, uma vida comprometida junto aos pobres.

* 30-11-1912 - + 13-07-2015
Em silêncio, na madrugada de 13 de julho, partiu Arturo Paoli, um dos mais importantes profetas da Igreja dos pobres. Um patriarca.
A informação é de Francesco Comina, publicada no seu Facebook, 13-07-2015.
Em novembro faria 103 anos de vida.
Foi um dos grandes testemunhos de um Evangelho vivido como práxis de libertação na Itália, na Argentina, onde chegou num transatlântico em 1960, na Venezuela, no Brasil (em São Leopoldo, Foz do Iguaçu...).
Foi um dos pais da Teologia da Libertação.
E também um Justo entre as Nações por ter ajudado a judeus em fuga durante a Segunda Guerra Mundial, acolhendo-os no seminário de Lucca.
Uma vida dedicada totalmente aos outros, mas também ao estudo e às publicações que tanto contribuíram na formação de várias gerações.
Em 18/01/2014 o Papa Francisco o recebeu em Santa Marta, para um longo encontro privado. Arturo Paoli era religioso e missionário italiano da Congregação dos Pequenos Irmãos de Jesus.
Uma sua biografia: O texto foi publicado no sítio da Associação Oreundici. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Arturo Paoli nasceu em Lucca, na Via Santa Lucia, no dia 30 de novembro de 1912. Formou-se em Letras em Pisa em 1936, entrou no seminário no ano seguinte e foi ordenado sacerdote em junho de 1940.


Participou, entre 1943 e 1944, daResistência e desenvolveu a sua missão sacerdotal em Lucca até 1949, quando foi chamado a Roma como vice-assistente daJuventude de Ação Católica, a pedido deDom Montini, depois Papa Paulo VI. Aí se confrontou com os métodos e a ideologia de Luigi Gedda, presidente geral da Ação Católica e, no início de 1954, recebeu a ordem de deixar Roma para embarcar como capelão no navio argentino "Corrientes", destinado ao transporte dos emigrantes.

Arturo fez apenas duas viagens. No navio, encontrou um Pequeno Irmão da Fraternidade de LimaJean Saphores, que Arturo ajudaria à beira da morte. Depois desse encontro, decidiu entrar na congregação religiosa inspirada emCharles de Foucauld e viveu o período do noviciado em El Abiodh, à beira do deserto, na Argélia.

Depois, passou para Oran, onde, nos anos da luta de libertação argelina, desempenhou as funções de responsável de armazém em um depósito do porto. Em 1957, foi encarregado de fundar uma nova Fraternidade em Bindua, zona mineira da Sardenha, onde trabalhou manualmente: mas o seu retorno à Itália não foi bem visto pelas autoridades vaticanas.

Então, ele decidiu se transferir estavelmente para a América Latina e se mudou para a Argentina, em Fortín Olmos, entre os madeireiros – hacheros – que trabalhavam para companhia inglesa de madeira. Esse seria um dos períodos mais duros da experiência latino-americana. Quando a companhia decidiu abandonar a zona já empobrecida da preciosa madeira quebracho, Arturo organizou uma cooperativa para permitir que os madeireiros continuassem vivendo no lugar.

Em 1969, foi escolhido como superior regional da comunidade latino-americana dos Pequenos Irmãos, transferindo-se para perto de Buenos Aires. Aí viviam os noviços da Fraternidade, e começou-se a delinear uma teologia comprometida, prelúdio da adesão à teologia da libertação. Nesse período, publicou o seu segundo livro, Dialogo della liberazione.

Em 1971, nasceu um novo noviciado em Suriyaco, na diocese de La Rioja, uma zona semidesértica, muito pobre, para onde Arturo se transferiu e encontrou um bispo ao qual seria ligado por uma forte amizade, Enrique Angelelli, a voz mais profética da Igreja argentina nos tremendos anos da ditadura militar: um prelado que devia morrer tragicamente em 1976 em um estranho acidente de carro que hoje ninguém duvida qualificar como assassinato e sobre o qual ninguém desenvolveria investigações, apesar do expresso pedido de Paulo VI.

Com o retorno de Perón para a Argentina, o clima político se torna pesado, e Arturo é acusado de exercer um tráfico de armas com o Chile. Naquele momento, o Chile era governado por Allende, destituído no apocalíptico dia 11 de setembro de 1973 pelo golpe de Estado de Pinochet. Em 1974, apareceu nos muros de Santiago um manifesto com uma lista de pessoas a serem eliminadas por "qualquer um que as encontrar": o nome de Arturo está no segundo lugar.

Alguns Pequenos Irmãos são presos, e cinco deles figurariam entre os milhares de desaparecidos. Arturo, nesse momento, se encontra na Venezuela, como responsável pela área latino-americana da Ordem: advertido por amigos para não voltar para a Argentina por estar sendo procurado, volta para lá somente em 1985.

Assim iniciou a experiência venezuelana, primeiro em Monte Carmelo, depois na periferia de Caracas, continuando, ou, melhor, intensificando, a sua produção livreira: Il presente non basta a nessunoIl grido della terra e muitos, muitos outros...

Em terras brasileiras


Com o afrouxamento da ditadura militar, Arturo intensifica as suas missões no Brasil, residindo a partir de 1983 emSão Leopoldo e entrando em contato com a realidade das prostitutas, inúmeras no seu bairro.

Em 1987, transferiu-se, a pedido do bispo local, para Foz do Iguaçu: l
á foi morar no bairro de Boa Esperança, onde constitui uma comunidade. Mas, lembra o freiArturo, "a condição de extrema pobreza das pessoas do bairro me atormentava, e dessa angústia nasceu a ideia de criar aAssociação Fraternidade e Aliança", uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos, com projetos sociais voltados para o bem da comunidade.

Seguiram-se 13 anos de duro e intenso trabalho para dar dignidade a essa população marginalizada. Hoje, a AFA é uma bela realidade, a qual se somou no ano 2000 a Fundação Charles de Foucauld, voltada especificamente para os jovens do proletariado e do subproletariado de Boa Esperança. Juntas, as duas entidades levam adiante inúmeros miniprojetos que envolvem diretamente mais de 2.000 pessoas, entre adultos, adolescentes e crianças: ludoteca, ambulatório, atividades pós-escola (reagrupados no projeto chamado "Crianças desnutridas"), casa da mulher, cantina, coral, cursos de música, de informática, atividades esportivas... Projetos que visam à formação humana e que foram possíveis graças a ajuda de muitos, muitos amigos italianos que os financiam na sua quase totalidade.

Desde 2004, Arturo, com o padre Mario De Maio, presidente da Oreundici, lançou o projeto "Madre Terra": uma fazenda didática (da extensão de cerca de 40 hectares), também na periferia de Foz do Iguaçu, onde alguns jovens (provenientes das casas-família já acompanhadas e financiadas pela Oreundici), encontraram um posto de trabalho, uma "família ampliada", o espaço e a possibilidade de crescer e se encontrar também com os muitos amigos italianos que seguem esse projeto e cuidam da amizade entre esses dois povos, sob o olhar admirável e paterno de Arturo.

Hoje, o projeto "Madre Terra" permite aumentar essa amizade, com o vivificante e salutar contato com a beleza áspera e fascinante da natureza brasileira.

Reconhecimentos


Distante mas presente, o compromisso religioso e social no Sul do mundo não impediu que o frei Arturo vivesse apaixonadamente os acontecimentos italianos e de Lucca. Em agosto de 1995, escreveu no jornal La Repubblicadepois de ter lido a correspondência entre Eugenio Scalfari, então diretor do jornal, e o escritor Pietro Citati. A Scalfari, ele escreveu uma carta que foi publicada com o título "Fé e Utopia do Reino de Deus".

"Chamou-me a atenção o fato de o senhor evidenciar o mercado como 'elevado a divindade', porque há anos denuncio a idolatria do mercado. Muitas vezes, isso foi jogado na minha cara como prova de ignorância das doutrinas econômicas. Estou ciente da minha ignorância, mas, olhando para a idolatria do mercado na perspectiva do Reino, só vejo milhões de pessoas esmagadas sob as rodas do mercado. Essa visão, para mim, é cotidiana quando, no amanhecer, abro a porta da minha casa e logo encontro nas vielas da favela as pessoas que gemem sob as rodas do mercado, e elas são a minha família..."

Em Lucca, em 1995, o prefeito Giulio Lazzaroni lhe entregou o Diploma de Partidário. Nessa ocasião, frei Arturopronunciou estas palavras:

"... A Resistência não se encerrou no âmbito de 1945 e, se nós não sofremos fortemente por pertencer a uma família que fabrica as armas, que envia as minas que dilaceram os corpos das crianças, se nós não pensamos que o nosso bem-estar é pago por milhões de famintos, se nós não pensamos que enviamos navios carregados de armas paraÁfrica, para a vizinha Iugoslávia etc... e se nós não sofremos na nossa carne por esse escândalo significa que a Resistência foi uma ação valorosa, generosa ou talvez até uma manifestação de coragem, mas não foi algo que aderiu profundamente à nossa alma, que se tornou lei da nossa vida (...) e para que essa celebração não seja retórica (...) talvez hoje, mais do que nunca, precisamos resistir."

Essa atitude o levou a rejeitar a medalha de ouro que anualmente a Câmara de Comércio confere aos habitantes deLucca que honraram a cidade no mundo. A carta publicada despertou muitas polêmicas:

"Conheço pessoalmente alguns de vocês para não duvidar da sua nobilíssima intenção, mas permitam-me recusar um prêmio como missionário católico. Além do fato de saber que o único selo que posso colocar nos 40 anos de vida naAmérica Latina é o que me é sugerido pelo Evangelho, "sou um servo inútil", atormentam-me uma outra consideração. Pertenço por nascimento e formação ao Ocidente que globalmente se diz cristão, desde as Montanhas Rochosas até os Urais, e é incontestável que esse mundo cristão que se define de Primeiro Mundo está no centro das injustiças que são a causa da fome de milhões de seres que o catecismo nos ensinou a chamar de irmão: eu volto para o Brasil e não posso voltar para lá ostentando no peito uma medalha que premia a minha atividade de 'missionário', representante de uma civilização cristã que despoja da terra seres humanos que nela vivem há séculos antes de Cristo. E essa espoliação dura desde 1492."

No dia 29 de novembro de 1999, em Brasília, o embaixador de Israel lhe entregou o mais alto reconhecimento atribuído a cidadãos não judeus: "Justo entre as nações", por ter salvo em 1944, em Lucca, a vida de Zvi Yacov Gerstel, então jovem judeu alemão, hoje entre os mais conhecidos estudiosos do Talmud, e sua esposa. O nome do frei Arturo, "salvador não só da vida de uma pessoa, mas também da dignidade da humanidade inteira", será gravado no Muro de Honra dos Justos, em Yad Vashem.

No dia 9 de fevereiro de 2000, em Florença, a Região da Toscana, por iniciativa do seu presidente, Vannino Chiti, na presença do cardeal de FlorençaSilvano Piovanelli, e do rabino de FlorenzaYosef Levi, festejou o 60º aniversário do frei Arturo. Nessa circunstância, frei Arturo diria:

"Toda a nossa cultura é uma cultura de morte, o Ocidente cristão é o centro que organizou a guerra, a fome, a acumulação de riqueza nas mãos de poucos".

O cardeal Piovanelli, depois de ter lembrado que o padre Paoli foi um ponto de referência importante na sua formação religiosa, sublinharia:

"Sempre ficamos impressionados com as suas palavras, com os seus livros, mas sobretudo admiramos a coragem de uma vida comprometida para estar ao lado dos mais fracos."

No dia 25 de abril de 2006, o então presidente da República italiana, Carlo Azeglio Ciampi, conferiu-lhe a Medalha de Ouro ao Valor Civil. O alto reconhecimento, entregue a Arturo e a outros três sacerdotes de Lucca (Pe. Renzo Tambellini e os falecidos Pe. Guido Staderini Pe. Sirio Niccolai), refere-se ao grande compromisso para salvar a vida dos perseguidos pelos nazifascistas, particularmente judeus, com a seguinte motivação:

"Ao longo do último conflito mundial, com louvável espírito cristão e preclara virtude cívica, ele colaborou com a construção de uma estrutura clandestina, que deu hospitalidade e assistência aos perseguidos políticos e àqueles que fugiram das blitzes nazifascistas da alta Toscana, conseguindo salvar cerca de 800 cidadãos judeus. Admirável exemplo de grande espírito de sacrifício e de solidariedade humana."

Hoje, Arturo, tendo voltado estavelmente para a Itália desde 2006, vive na Casa Beato Charles de Foucauld, em San Martino in Vignale, nas colinas de Lucca, onde acolhe as pessoas em um clima de amizade, fraternidade e hospitalidade, participa de congressos e encontros, publica novos livros, continua a costumeira colaboração com jornais e periódicos, incluindo os Cadernos Mensais da Oreundici.

No dia 3 dezembro de 2011, foi inaugurado o Fundo de Documentação Arturo Paoli, uma coleção de imagens, vídeos, testemunhos escritos da sua vida. O fundo tem sede na Fundação Banca del Monte di Lucca, na Praça San Martino, em Lucca. Mais informações, em italiano, aqui.

FONTE: IHU