sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

NOTA EM DEFESA DA AMAZÔNIA - CNBB, CBJP, CIMI, CPT, REPAM

 


Em defesa da Amazônia

A Amazônia está sendo atacada de modo frontal, organizado, apoiado também por diversas autoridades políticas, poucos dias depois das declarações de nosso País na COP26, assumindo empenhos que não correspondem aos fatos, graves, deste final de ano.

Depois das dramáticas cenas de alguns dias atrás, sinal da descontrolada expansão do garimpo ilegal ao longo do Rio Madeira em Rondônia e Amazonas, uma reportagem jornalística denunciou que o General Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional e secretário-executivo do Conselho de Defesa Nacional da Presidência da República, autorizou sete projetos de garimpo nas terras sagradas de São Gabriel da Cachoeira, uma das regiões mais preservadas da Amazônia, abrigando 23 etnias indígenas, organizadas na Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.

No mesmo período, pela primeira vez, aparece a ameaça inconstitucional de entregar metade de uma Terra Indígena já demarcada e homologada para agricultores não indígenas. O Território Apyterewa (PA), da etnia Parakanã, foi invadido há tempo por devastadores da floresta, apoiados pelos políticos locais.

A aliança de poder e desmatamento, formada por grileiros, garimpeiros, grandes mineradoras e, sobretudo, o agronegócio, vem se reforçando cada vez mais dentro do Congresso Nacional, que tem em pauta pelo menos três Projetos de Lei muito perigosos para o futuro do País:

- o PL 191 propõe

- o PL 2159 propõe a “flexibilização” do licenciamento ambiental, permitindo uma simples “licença por adesão de compromisso”, autodeclaratória;

- o PL 510, da chamada regularização fundiária, anistia os desmatamentos e invasões ilegais de terras feitas até 2014 e abre caminho para a ocupação de 37 milhões de hectares, 24 milhões do quais de florestas situadas em terras da União.

Papa Francisco, depois do Sínodo da Amazônia, disse que “Os interesses colonizadores que, legal e ilegalmente, fizeram – e fazem – aumentar o corte de madeira e a indústria minerária e que foram expulsando e encurralando os povos indígenas, ribeirinhos e afrodescendentes, provocam um clamor que brada ao céu”.

Unimo-nos a este clamor: se cuidarmos da Amazônia com sabedoria e visão de futuro, ela cuidará de todos nós.

10 de dezembro de 2021

Dom Sebastião Lima Duarte Presidente da Comissão Ecologia Integral e Mineração 

Dom Cláudio Hummes Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia

Dom Erwin Kräutler Presidente da REPAM-Brasil

Dom Roque Paloschi Presidente do Conselho Indigenista Missionário CIMI

Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira Presidente da Comissão Pastoral da Terra - CPT 

Daniel Seidel Secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz

domingo, 21 de novembro de 2021

Frei Cláudio van Ballen, profeta da ternura.

Foi com  uma profética ternura, que o frade Carmelita, Frei Cláudio Van Balen, nos cativou, desafiou, desconcertou, nos abrindo caminho para uma fé adulta, sem medo e preconceitos.  Frei Cláudio anunciou uma Igreja de portas abertas, acolhedora, onde as pessoas possam entrar e se sentirem em casa, onde o diálogo e a abertura falam ao coração.

Frei Cláudio, faleceu na tarde de sábado (20), aos 88 anos, por complicações de Covid-19. Ele estava com Alzheimer, a Covid evoluiu rapidamente e seu coração não aguentou.

Em sua vida, Frei Cláudio, sempre nos falou de um Deus próximo e não intervencionista. Deus no humano, no interior de cada um, na natureza, em tudo e em todos e todas. Nos convidou a superar essa ideia de um Deus que manda e proíbe, premeia e castiga. Nos mostrava que Deus não é nosso rival, a quem devemos pedir favores e buscar o prêmio. Ao contrário, Deus é afirmação da vida e promotor da realização humana.

"Deus é um sopro, uma brisa suave, que navega no íntimo da natureza, cultura, ciência, tecnologia, sobretudo da convivência humana e em cada ser humano. Então, ou você se faz receptivo e se deixa tocar pelo sopro, e com esse sopro você faz maravilhas. Mais do que você sozinho seria capaz. Habita em você um mistério que você não pode nem sondar." (Disse Frei Claudio no Programa do Jô)

Ele, no trabalho pastoral, reconheceu e incentivou o protagonismo dos leigos, dando atenção especial à formação de lideranças, grupos bíblicos e uma pastoral que articulava fé e a política.

No contexto litúrgico, sua pregação não era moralista, mas viva, falando ao coração das pessoas, porque as conhecia bem. Poderíamos aplicar nele o que o Papa Francisco recomenda na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: “Aquele que prega deve conhecer o coração da sua comunidade para identificar onde está vivo e ardente o desejo de Deus e também onde é que este diálogo de amor foi sufocado ou não pôde dar fruto.” (Evangelii Gaudium 137).  “A pregação puramente moralista ou doutrinadora e também a que se transforma numa lição de exegese reduzem esta comunicação entre os corações que se verifica na homilia e que deve ter um carácter quase sacramental: «A fé surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo» (Rm 10, 17). Na homilia, a verdade anda de mãos dadas com a beleza e o bem.” (Evangelii Gaudium 142)

Frei Cláudio van Balen, nasceu em Wytgaard na Holanda em 26/09/1933, sexto de uma família de 11 filhos, residia no Brasil desde 1950. Era religioso Carmelita desde 1954.  Faleceu neste sábado, dia 21 de novembro de 2021.

Aos 17 anos, ele desembarcou no Brasil, sendo ordenado em 1959, em São Paulo, adotando o nome religioso de frei Cláudio. Na década de 1960, foi estudar em Roma, fazendo os cursos de pós-graduação e doutorado em teologia dogmática, com forte influência do Concílio Vaticano II e graduou-se em Psicologia Clínica. Escreveu mais de 40 livros, centenas de artigos, para revistas e jornais.

A partir de 1967 já estava em Belo Horizonte, na Igreja do Carmo. Desenvolveu  trabalho junto aos mais pobres, conquistando o respeito e a admiração de cristãos, líderes da sociedade civil e comunidades. Dois serviços muito importantes foram iniciados com ele, nessa paróquia, o Ambulatório Médico e a Escola Profissional. Foi agraciado com o título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte em 1990. Foi durante muitos anos, pároco da Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Belo Horizonte, onde viveu até seu falecimento.

Frei  Cláudio nos deixou, marcou muito a minha vida e de tantas outra pessoas, Fica conosco sua profética ternura, a beleza da vida, de uma Igreja que nos convida a ser feliz, um Deus que nos quer não pelo medo, mas pelo amor.

Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, ofm

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Denúncia contaminação: Vale joga rejeito do crime na cava da mina do Córrego do Feijão

(Bárbara Ferreira/BHAZ)

As águas subterrâneas já alcançadas pela profundidade da cava da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho,  estão em risco de contaminação. Jogar rejeitos sem estudo conclusivo de sua caracterização pode causar danos irreparáveis. As águas das nascentes, poços artesianos, riachos: todas estão conectadas. A denúncia abaixo alerta para sobre o risco e a falta de informação da população.

Vale joga rejeito do crime na cava da mina do Córrego do feijão

A empresa Vale pretende usar a cava da mina do Córrego do Feijão para dar “destino final” ao rejeito do rompimento da barragem B1, B IV e B IVA. Segundo dados publicados pela empresa já foram destinados 206 mil metros cúbicos de rejeitos na cava. A Vale jogou o rejeito em vários meses em 2020, mas no final do ano, em função de um interdito da ANM, isso foi paralisado. Agora em setembro de 2021 ela retoma novamente a disposição do rejeito na cava. 

Segundo o Plano de Manejo do Rejeito, apresentado pela Vale, essa ação é acompanhada pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais (SEMAD) e em dezembro de 2019, a SUPPRI (Superintendência de Projetos Prioritários) - SEMAD concedeu, numa canetada de Rodrigo Ribas, uma licença ambiental simplificada para tal ação. Entretanto, não identificamos nenhuma autorização por parte da ANM (Agência Nacional de Mineração) para que a Vale retome tal atividade. Também não sabemos se o MP (Ministério Público) está acompanhando esse processo. 

O direito a informação é violado, as comunidades que vivem no entorno da mina, não tem informações suficientes sobre esse processo, como também nenhum tipo de participação nessas decisões. Este fato é mais um desdobramento do crime, é a continuidade do crime.

Com a profundidade da cava, a mina do Córrego do Feijão já encontrou o aquífero confinado, ou seja, as águas subterrâneas. As águas superficiais e subterrâneas formam uma rede de “comunicação”. As águas das nascentes, poços artesianos, riachos: todas estão conectadas. A lama jogada na cava poderá contaminar as águas subterrâneas, como por exemplo os poços artesianos. O aquífero Cauê tem uma fundamental importância para a região metropolitana de Belo Horizonte. Jogar a lama tóxica é um atestado de morte as águas da região. É criar uma condição de risco eminente e duradoura. O monitoramento, como é defendido no plano da Vale, é uma enganação, pois após identificar a contaminação, a Vale vai tirar o rejeito da cava?     

Não existe estudo conclusivo da caracterização do rejeito. Ou seja, os danos que podem causar ainda estão em fase de estudo. Cabe ressaltar que são raros os estudos sobre a relação entre deposição de rejeito de minério nas cavas com o dano nos aquíferos. Até o plano de manejo apresentado pela Vale aponta o potencial de contaminação. O material pode ser não inerte, ou seja, reage com a água, portanto oferece risco de contaminação. Ainda, se a lama contaminou o Rio Paraopeba, segundo relatório do IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas), com: ferro, manganês, alumínio, chumbo, mercúrio, níquel, cádmio, titânio, vanádio e estrôncio, o que poderá ocorrer com as águas subterrâneas?

Essa “solução” para o rejeito é a de menor custo para a Vale. Como a barragem a montante também era. Não acreditamos nessas “alternativas” nem nas “versões técnicas” das empresas e do estado, pois isso já custou a vida de muitas pessoas. 

A Vale realizou estudos sobre a hidrogeologia da região, já fez análises de água, mas estas informações não são publicadas. Além dos recursos destes estudos, possivelmente serem descontados do valor do acordão, os dados são usados de forma estratégica pela Vale que não informa a comunidade atingida. Ainda, a empresa dificulta o monitoramento de pontos dentro de áreas controladas pela Vale.     

A cava da mina do Córrego do Feijão está localizada a 3 km da comunidade de Tejuco, 3 km da comunidade de Córrego do Feijão, 2,8 km de comunidades do município de Mario Campos, dentre outras moradias rurais. Agrava a crise e coloca em risco o abastecimento de água de boa parte da RMBH, como também a agricultura desenvolvida na região. 

A Vale pretende construir um “rejeitoduto” – disposição hidráulica na cava. Esta estrutura vai viabilizar outras formas de aproveitamento econômico do minério? Amplia do poder da empresa no território? A Vale vai usar a cava para depositar rejeitos de outros projetos?

Infelizmente mais uma vez a criminosa Vale, a ré, dita as regras no local do crime e a população cerceada de definir seu destino. Não existe nenhum mecanismo para que a comunidade influencie e acompanhe esses sérios problemas – que podem complicar ainda mais a vida das comunidades.  

Denunciamos aquí esta aberración, solicitando una acción inmediata a los órganos responsables, incluida la suspensión de esta actividad y una audiencia pública, con técnicos especialistas designados por las comunidades afectadas.

Brumadinho, 9 de noviembre de 2021.

Assinam:

Comissão da Água dos Moradores do Tejuco

Fórum de Atingidas e Atingidos pelo crime da Vale em Brumadinho

Movimento Serra Sempre Viva

Movimento Águas e Serras de Casa Branca

Movimento pela Soberania Popular na Mineração - MAM

Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES

Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais CPT MG

Caritas Regional Minas Gerais

Rede Igrejas e Mineração Minas Gerais

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Seis anos de impunidade - Crime da SAMARCO

Na luta de resistência contra os impactos sócio ambientais e violações de direitos humanos, provocados pelo setor minerário, foram forjados alguns conceitos. Creio que refletindo sobre eles podemos compreender melhor uma lógica, que eu atribuo perversa, do negócio chamado mineração. Dentre esses conceitos, hoje ao mantermos viva a memória de 6 anos do crime da Vale e BHP (Samarco), em Mariana, quero me referir ao que chamamos de Zonas de Sacrifício. Esse é um conceito, forjado, nos Estados Unidos, durante o período da Guerra Fria, para justificar os efeitos na população da atividade nuclear (chuva radioativa), mais tarde na década de 70 foi utilizado para justificar os impactos da extração de carvão, naquele país (Huntington Smith, H 1975)*.

Esses 6 anos de crime continuado, criam na população em geral, um sentimento, uma lógica, de que vivemos em geografias desiguais. Ou seja, alguns territórios e as suas populações pagam o preço do “desenvolvimento”. Isso, como se fosse um tributo ao modelo de sociedade imposto, a partir da degradação ambiental de um território e de seus habitantes. Com isso se busca naturalizar o sofrimento injusto e criminoso, para dar conta da dinâmica política, social e econômica reconfigurando o território como zona de sacrifício. 

Apesar das enormes dimensões e da profunda gravidade do crime da SAMARCO, o sacrifício humano e ambiental se torna invisível.  São reinterpretadas, nos discursos e ações de poder, que acabam por naturaliza-los e transformam o crime, em um sacrifício a ser vivido. Cabe à população, então, se imolar, para o bem do negócio. Não vamos aqui refletir, como essa trama se impõem no imaginário coletivo. Contudo, seria bom refletir, como a dimensão “sacrifício”, numa perspectiva religiosa, foi historicamente utilizada e vivida, como processo de domesticação, na história e cultura brasileira. E pior, tanto no caso do crime em Mariana e Bacia do Doce, quanto no caso do crime em Brumadinho e Bacia do Paraopeba, existe uma retórica que a priori nega ou minimiza a contaminação e seus impactos na vida das pessoas. Há seis anos se busca silenciar, impor um sofrimento silenciado, que denota uma trama de poder e cumplicidade entre governo e empresa, avalizada pela Justiça, parte da ciência e da mídia.

Na intervenção das instituições do Estado, se impôs a força do modelo econômico extrativista, extensivo e intensivo. Essas instituições aceitaram desde o inicio que a SAMARCO (VALE /BHP) controlasse a cena do crime, que ela própria cometeu, e até os dias de hoje é ela que tem o controle total. Esse modelo de controle, se repete na reincidência do mesmo tipo de crime, pela VALE, em Brumadinho.

Essa submissão das instituições do Estado à força do modelo econômico extrativista, extensivo e intensivo, pode ainda ser constatada quando essas instituições, submetem o processo de reparação do crime, à vontade daquele que o cometeu. Isso é imoral e ao mesmo tempo se trata de perpetrar um outro crime. As instituições do Estado deveriam, sim, ter assumido um regime que colocasse a ênfase na responsabilidade legal das empresas, em relação ao crime, às violações de direitos por elas cometidas. Deveriam, ter sido criados instrumentos que dessem poder e que permitissem às vítimas, exigirem uma reparação, incluindo compensação, restituição e reabilitação dos danos sofridos por elas e pela natureza. A reparação não pode depender dos negócios e oportunidades das empresas em causa.

Cabe aqui uma observação: As Assessorias Técnicas Independentes, hoje bombardeadas, pelo próprio sistema que as criou.  

Os inúmeros acordos permitiram uma verdadeira negociação no varejo, das diversas violações de direitos humanos, sociais, econômicos e ambientais, fragmentando as comunidades atingidas e enfraquecendo a força coletiva.

Os que defendem essa verdadeira fabrica de acordos, que foi instaurada, usam o argumento de que se trata de conciliação, uma forma de solução mais breve do que a lentidão dos tribunais. No entanto, a eficácia da lei não se baseia somente nos processos judiciais, mas também no poder de incentivar uma cultura de cumprimento e de combate à impunidade. E a impunidade, tem sido a marca registrada, desse crime e de outros crimes do setor minerário.

Soma-se a isso a baixa credibilidade no cumprimento de acordos. O que nos leva a duvidar. No caso de um Acordo de Repactuação assinado pelos mesmos atores que celebraram o TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta) e os outros complementares como o TAP (Termo de Ajustamento Preliminar), ATAP (Aditivo ao Termo de Ajustamento Preliminar), e TAC-Governança e não os cumpriram? O Sistema de Justiça está pactuando um processo de injustiça que não abre espaço a uma efetiva participação dos atingidos e sociedade organizada. A violação de direitos se repete. 

Assim salta aos olhos uma arquitetura da impunidade do crime causado pela Samarco e que continua sendo colocada em prática pelas grandes empresas sob conivência da justiça.

Outro exemplo são os grandes acordos, como o que foi firmado pelo Estado de Minas Gerais, com o apoio do MPMG e da DPE/MG que sequer foi construído com a participação efetiva das atingidas e atingidos. Impõe-se assim, a perpetuação da violência realizada por meio de um arremedo de acordo que legitima as práticas criminosas e desresponsabiliza o governo. Sem contar o escárnio da propaganda, que induz a pensar a reparação de um crime, como uma benesse a ser distribuída pelo Estado, em seu território.  Como um troféu de astúcia política, que o executivo teria arrancado do criminoso, ou parceiro, num acordo a portas fechadas, anulando qualquer sentido e ideia de um procedimento de justiça e de obrigação do criminoso. Isso sem falar na disputa eleitoreira de quem seria o “pai” de tal astúcia política. Tudo isso levado ao marketing, com expressões como “Acordo da Vale”, “Recursos da Vale”, numa oficial “Fake News”, propagandeado também pela empresa. As empresas responsáveis pelo crime não podem decidir sozinhas sobre a recuperação dos danos difusos e coletivos, além da indenização das famílias, sendo imprescindível a participação direta das vítimas, visto que o caso é decisivo para a reconstrução de suas vidas e do meio ambiente.

O sistema de governança estabelecido e que se consolida com as formas de encaminhamento no pós-crime da Vale em Brumadinho, e aos poucos se estende como modelo, é o de salvaguarda a governança corporativa. Esse modelo sugere que o crime-desastre e os eventos seguintes estão sendo interpretados com uma sequência de ações visando a recuperação de legitimidade da empresa.

Por outro lado, diversos acordos são sistematicamente ignorados, a indenização, reparação e compensação dependem de vontade das empresas. O poder corporativo se fortaleceu, capturando o Estado, o que se constata no cotidiano dos processos de licenciamento de novas explorações minerárias e no avanço do poder das empresas sobre territórios, onde risco real ou não de rompimento de barragem, são anunciados. Aqui temos um outro termo, o da Captura Corporativa se impondo na lógica de governança. 

Aqui é importante refletirmos o cotidiano das relações empresa e Estado, para além dos crimes de rompimento de barragens. As séries de negligências, burocracias e desrespeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, dessas corporações, não fazem do caso SAMARCO, uma exceção. Mas são sim características do modelo de mineração e das vulnerabilidades de poder das instituições do Estado.  Vivemos um cotidiano marcado pela impunidade, resultado da captura corporativa do Estado. Essa captura se dá por vários meios. Desde os mais comentados, o financiamento eleitoral, como por exemplo, a bancada da lama (Congresso e Assembleias); ou por meio chamada "porta giratória", um movimento de pessoal trocando funções, hoje como legisladores e reguladores, funcionários e servidores públicos, e amanhã como quadros das mineradoras que deveriam cumprir essa mesma legislação e regulamentação e vice e versa; ou ainda através de trocas de vantagens legais e ilegais. A mais comum e sutil de todas é aquela que se dá quando uma empresa chega numa região. Aí o Estado enxerga e atua em chave de investimento, em detrimento da população e do meio ambiente, e a encara a empresa como parceira no desenvolvimento.  A partir desse momento é o Estado quem a defende. Basta ver o papel do Estado em todo o processo de licenciamento do empreendimento, e de busca de flexibilização desses processos, configurando uma outra forma de captura corporativa. Quando não, chegando à corrupção, em diversas instituições do Estado. Soma-se a isso a narrativa das mineradoras, como a única chance de promoção de riqueza. A ideia que se tem, é que antes da mineradora, não havia vida no território.

Somam-se à captura corporativa as táticas agressivas de publicidade das empresas que gastam mais dinheiro na divulgação de ações fictícias, do que no reparo real de seus impactos. Importante é perceber que essas táticas acontecem onde temos rompimento de barragem ou não. Bem como, os estímulos a disputas e intrigas no seio das comunidades e entre pessoas atingidas, enquanto elas se mantêm livres e impunes nos territórios para negar direitos. Tais ações não são punidas, são protegidas.

Concluo lembrando que nenhum Diretor Executivo foi punido, centenas de milhares de vítimas encontram-se sem reparação. Acordos 

A VALE, BHP (SAMARCO) continua com seu cinismo, vivendo na impunidade e com um verdadeiro escárnio comemorando a cada ano seus lucros, em cima de vidas humanas e do meio ambiente. Aliás, é para isso que existem as mineradoras: LUCRO A QUALQUER CUSTO.

Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, ofm

*Huntington Smith, H. 1975. “The Wringing of the West”. The Washington Post. Washington, DC:–1–B4.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Na COP26, uma flecha envenenada para a política alimentar e climática

A Missão de Inovação em Agricultura para o Clima (AIM4C) é uma manobra deliberada para reformular a agricultura industrial e as grandes tecnologias como heróis da mudança climática, em vez de vilões da mudança climática que realmente são. (A Missão de Inovação Agrícola para o Clima (AIM for Climate) - uma nova iniciativa importante liderada pelos Emirados Árabes Unidos (EAU) e Estados Unidos (EUA) com o apoio de mais de 30 governos - lançou oficialmente hoje e anunciou uma "colheita antecipada" de 4 mil milhões de dólares de investimento acrescido para acelerar a inovação para uma agricultura e sistemas alimentares mais inteligentes do ponto de vista climático nos próximos cinco anos. Os EAU comprometeram-se a investir mais 1 bilião de dólares como parte desta iniciativa.)

O lançamento em 2 de novembro da nova iniciativa 'AIM for Climate' pelo Presidente Joe Biden e os Emirados Árabes Unidos, apoiado pelo Governo do Reino Unido e outros [1], no evento de inovação da Cúpula Mundial de Líderes [2], tem a intenção deliberada de reformular o agronegócio e corporações de tecnologia como parte da solução para as mudanças climáticas, apoiando assim a agricultura industrial. Vem enquanto gigantes da agricultura como Bayer, John Deere e Cargill estão se reinventando como ‘ag-tech’. Empresas de big data como a Microsoft e Amazon’s AWS também estão se movendo rapidamente para a estrutura da agricultura digital [3].

A armadilha ‘Net Zero’, que hoje é desafiada por mais de 700 organizações da sociedade civil em Glasgow e ao redor do mundo [4], é a cereja do bolo para um novo arremesso feito pela Big Ag e Big Tech. Ao apresentar o AIM4C como uma nova e 'solução para mudar o jogo' para as mudanças climáticas e o futuro dos alimentos, eles pretendem ganhar créditos de carbono, mesmo para o que parece ser uma forma de produção de alimentos com fome de energia e aparentemente sem agricultores, permitindo continue usando também combustíveis fósseis [5]. O caminho traçado pelo AIM4C irá distrair e atrasar uma ação climática real, empurrando o investimento na direção totalmente errada.

“O‘ presente ’de Biden para a COP26, AIM4C, é realmente parte do projeto de uma agricultura futura sem agricultores. Enquanto pequenos agricultores, pescadores, pastores e produtores urbanos alimentam a maioria da população mundial ao mesmo tempo que resfriam o planeta, o site da AIM4C nem mesmo menciona os agricultores. ” disse o Coordenador do Grupo ETC, Neth Daño [6]

O AIM4C também pode ser uma flecha envenenada para a política alimentar - atirada na direção totalmente errada - em direção ao aumento do uso de energia e ao fortalecimento da própria cadeia alimentar industrial que está prejudicando o clima. Se tiver sucesso, o AIM4C pode eliminar os pequenos proprietários e camponeses que realmente alimentam e refrigeram o mundo por meio da agricultura agroecológica.

“Com o AIM4C, Joe Biden, os Emirados Árabes Unidos, o Reino Unido e outros estão colocando um alvo nas costas dos fazendeiros com o objetivo de substituí-los por robôs, dados, sementes editadas por genes e aumentar os lucros de tecnologia para o conjunto do Vale do Silício” acrescentou Jim Thomas , Diretor de Pesquisa do Grupo ETC.

What we need is to support and uphold peasant and smallholder agroecology around the world, which is a real and equitable means of promoting food sovereignty and climate justice for all.
Contacts: 
 
Tom Wakeford (in Glasgow), Tel/Signal: +44 7966170713, Email: tom@etcgroup.org 

Neth Daño (in Philippines), Tel/Signal: +63 9175329369, E-mail: neth@etcgroup.org 

Ronnie Hall (Sussex, UK, arriving Glasgow on Friday), Tel/Signal: +44 7967017281, Email: ronnie@etcgroup.org 

Notas de rodapé

[1] O AIM for Climate (aimforclimate.org) é liderado pelos EUA e Emirados Árabes Unidos, com o apoio da Presidência da COP26 do Reino Unido, cerca de 32 outros países, a Fundação Bill e Melinda Gates e a Organização para Alimentos e Agricultura.

[2] Acelerando a inovação e implantação de tecnologia verde, apresentações dos chefes de Estado, COP26, Plenary Pen Y Fan, 2 de novembro de 2021.

[3] Para saber mais sobre a digitalização na agricultura, leia: “Hijacking Food Systems: technofix takeover at the FSS” pelo Grupo ETC.

[4] Hoje também vemos o lançamento de uma nova declaração importante da sociedade civil em todo o mundo, desafiando o conceito da Rede Zero. “Real Solutions, Not Net Zero” já foi assinado por mais de 700 organizações da sociedade civil em todo o mundo. Acompanhe #NetZeroIsNotZero para novos desenvolvimentos durante a COP26.

[5] Para saber mais sobre o AIM for Climate e as motivações de países como os EUA e os Emirados Árabes Unidos, leia “As big oil states plan to promote energy-hungry agtech as a ‘climate solution’ at COP26, it’s time to question their aim” pelo Grupo ETC.

[6] No programa Farming Today da BBC, esta manhã (2 de novembro), Laura Burke, da Fundação Bill e Melinda Gates, afirmou que a agtech é a saída das mudanças climáticas para os pequenos agricultores: na África, Ásia, América Latina, Pacífico, Europa, em todos os lugares em fato (https://www.bbc.co.uk/sounds/play/m00114j7 (começa às 09:45). Isso parece contradizer o site AIM for Climate website onde até agora não conseguimos encontrar as palavras "agricultor" ou "agricultores" em nenhuma de suas páginas principais do site. Em vez disso, o foco está diretamente em aumentar o investimento em pesquisa e inovação agrícola.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB: pela responsabilização do crime da Vale em Brumadinho

Brasília, 21 de outubro de 2021.

“Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6, 33)

A Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB, por meio da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER), da Arquidiocese de Belo Horizonte, levanta sua voz neste momento, mais uma vez, para exigir justiça e responsabilização pelo crime do rompimento da barragem em Brumadinho, fazendo valer a verdade. 

19 de outubro de 2021. No dia em que se completaram 998 dias de uma das maiores tragédias ambientais e humanitárias da nossa história, a sensação de impunidade e de perpetuação das injustiças se reforçou em Brumadinho: a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a ação penal que tramitava perante a Justiça estadual mineira da comarca de Brumadinho. 

A denúncia, oferecida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais e recebida pelo juízo da 2ª Vara Cível, Criminal e da Execução Penal da Comarca de Brumadinho/MG no início do ano de 2020, envolvia acusações contra 18 réus pelo cometimento não só de crimes ambientais, mas também pelo crime de homicídio doloso qualificado por 270 vezes. Todavia, mesmo após um ano e oito meses de tramitação na Justiça estadual mineira, a ação penal terá que ser reiniciada. 

De acordo com a decisão proferida pelo STJ, haveria interesse da União Federal no processo criminal, na medida em que os fatos descritos na denúncia estariam ligados, entre outros aspectos, às atribuições da Agência Nacional de Mineração (ANM) e aos danos causados aos sítios arqueológicos existentes na região. Embora haja a possibilidade de se recorrer da decisão, o fato é que, segundo entendimento da Sexta Turma do STJ, a competência para processar e julgar os crimes relacionados ao rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão seria da Justiça Federal, o que afastaria a competência da Justiça estadual mineira para processar e julgar o caso.

Em linhas gerais, isso significa que uma nova decisão sobre a denúncia deverá ser proferida pelo juiz federal. A ação penal, portanto, teria que começar novamente. Do zero. Não necessariamente pelos mesmos crimes. Não necessariamente com os mesmos réus. Diversos atos processuais serão perdidos. O acompanhamento e a visibilidade do processo criminal certamente serão comprometidos, dificultando o acesso das pessoas que deveriam ser as protagonistas dessa luta por justiça: os(as) moradores(as) de Brumadinho.

O 2º maior desastre industrial do século e o maior acidente de trabalho da história do Brasil aconteceu em terras mineiras. Em Brumadinho, está a história daqueles(as) que clamam por justiça e por reparação integral. É neste território, ainda tão ameaçado por uma série de violações de direitos, que se encontra a resistência de um povo que grita pelos seus colegas de trabalho, pelos seus pais, por suas mães, por seus irmãos e irmãs, pelos seus filhos e filhas, pelos seus familiares, pelos seus amigos e por aqueles que sequer tiveram o direito de nascer. Onde estará a justiça?

Mas, como nos ensina Paulo Freire, “é preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. Esperançar é se levantar”. ESPERANÇAR é reunir forças para subverter a sistemática predatória das empresas mineradoras, que escolhem colocar o lucro acima das vidas. ESPERANÇAR é abraçar a luta, para que tragédias como essa não se repitam mais.

Brumadinho: 25 é todo dia.

Dom Sebastião Duarte

Presidente da Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da CNBB


Dom Vicente de Paula Ferreira

Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte,

Referencial da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário


terça-feira, 19 de outubro de 2021

Padres comunistas (por Frei Sérgio Antônio Görgen)

 

Continuarei frade engajado nas lutas sociais em defesa dos desprotegidos, excluídos e explorados e anti-capitalista. Para evitar ser crucificado com esta acusação no tribunal das novas mídias pensei numa fortificada linha de defesa: vou me ancorar na Bíblia

Frei Sérgio Antônio Görgen ofm (*)

Nos idos dos anos 80 do século passado fui muitas vezes achacado com esta consigna “padre comunista”.

Mais recentemente fui batizado de “frei melancia”. Diz que é “ecologista”, mas é mesmo “comunista”: verde por fora, vermelho por dentro. 

Nos mesmos idos de 80 recebi duas cartas ameaçadoras do CCC – Comando de Caça aos Comunistas. Ameaçavam me esfolar e até eliminar caso não me convertesse ao que achavam ser o “verdadeiro” cristianismo. Nunca me tiraram um único minuto de sono. 

Não pensei que este besteirol um dia voltasse. Pois não é que voltou! Qualquer frase solta que fale em libertação, defesa de direitos, anti-fascismo, sociedade solidária, já vem a pecha: padre comunista.

Embora vivendo a vocação de simples frade, consagrado e não ordenado, pelo fato de estar há muitos anos com “sem terra”, camponeses, pequenos agricultores, indígenas, quilombolas, pescadores, defendendo suas causas e lutando por distribuição de terras e rendas, estou no rol dos ditos cujos e, inclusive, me promovem a “padre”.

Nem hoje me tiram o sono. Sei a fé que abracei.

Mas me imaginei num tribunal inquisidor formado por católicos tradicionais, rançosos e raivosos, enfeitiçados pelo bolsonarismo, convencidos até à medula da autenticidade pura e única de sua religião medieval pintada de nova com o uso das modernas redes sociais. 

Para evitar ser crucificado com esta acusação no tribunal das novas mídias pensei numa fortificada linha de defesa: vou me ancorar na Bíblia. 

Aí comecei a perceber que minha defesa tem vários furos e fiquei com medo de ser, mesmo com tão poderosa defesa, condenado. 

Então resolvi tomar uma providencial providência: vou rasgar da Bíblia os textos que podem me condenar. 

Comecei rasgando os 4 primeiros capítulos dos Atos dos Apóstolos. Aquelas partes que dizem que “os cristãos tinham tudo em comum e não havia necessitados entre eles” e “vendiam os seus bens e colocavam o valor aos pés dos apóstolos” para repartir com os necessitados, poderiam me condenar. E ainda o apóstolo Pedro dizendo que “Deus não faz distinção de pessoas” … Nossa! Comunismo puro. 

Depois arranquei a Carta de Tiago inteira. Aquela mania de São Tiago em dizer que “a fé sem obras é morta” e que “ricos, vossa riqueza apodreceu” e “os gritos dos ceifadores de quem vocês tiraram o salário chegaram aos ouvidos de Deus”. Preocupante. Inútil para minha defesa. 

Depois comecei a dar uma repassada nos Evangelhos. Fiquei preocupadíssimo com o Cântico de Maria, no Evangelho de Lucas. Nossa Senhora rezando que Deus “vai derrubar os poderosos de seus tronos e exaltar os humildes, saciar os famintos e despedir os ricos de mãos vazias”. PelamordeDeus. Rasguei na hora. Além de me condenar, poderia atrapalhar muitos inescrupulosos que usam as devoções marianas do povo simples para ajuntar dinheiro e falar mal do Papa Francisco e da Igreja comprometida com os pobres, em nome de Nossa Senhora. 

Rasguei também a parábola do rico comilão e do pobre Lázaro. Rasguei e queimei, para não deixar vestígios, a passagem dos trabalhadores desempregados na praça que receberam o mesmo valor dos contratados mais cedo, pois podem interpretar “de cada um conforme sua capacidade e a cada um conforme sua necessidade”; também aquelas em que Jesus distribui pães e peixes às multidões famintas; eliminei todas onde Ele convida doentes, coxos, mendigos, pobres, abandonados para o banquete do Reino para o qual os “bem de vida”, convidados, recusaram; destruí várias em que Jesus diz “vai, vende o que tens, dá aos pobres e depois vem e segue-me”; aquelas do camelo passando pelo buraco da agulha antes de ricaços aceitarem o Reino de Deus… Credo. Comunismo puro na mente desta gente cega de ódio.

Arranquei também o Pai Nosso. Vai que atentem que o Mestre ensinou a orar pela vinda do Reino e pelo cumprimento de Sua vontade “assim na terra como no céu”. Esta coisa do Reino na terra, aqui neste mundo, não, não, não. “O meu Reino não é deste mundo”. Esta é a interpretação correta. Reino também neste mundo, é Teologia da Libertação. E TdL é comunismo. E depois aquela parte de pedir “o pão nosso de cada dia”, nem pensar. Comida para todos é coisa de comunista. Para evitar problemas, rasguei. 

A expulsão dos vendilhões do templo, eliminei nos quatro Evangelhos. Credo. Uma da poucas vezes que o Mestre enraiveceu foi quando viu comércio com a fé do povo. Risco grande de Ele também ser classificado como comunista. Proibir arrancar dinheiro do povo em troca de bençãos, curas, preces e graças, comunismo puro.

Aquela parábola do Samaritano fazendo o que sacerdotes e pastores deviam fazer e não fizeram, acolhendo e cuidando do pobre jogado à beira da estrada, fiquei mesmo em dúvida. Porque caridade assistencial, pode. O que não pode é perguntar: quem o assaltou? quem o roubou? Talvez por isto os servos do templo preferiram passar ao largo. Aproximar-se dos pobres pode levar a compromissos mais profundos. Droga. Já estou com argumentação comunista para a mente poluída dos que me acusam. Sem riscos. O Evangelho de Lucas não terá mais esta parábola quando o apresentar em minha defesa.  

Rasguei também as Bem Aventuranças e as mal aventuranças de Lucas. “Bem aventurados vós os pobres”, “Malditos vocês ricos”, doideira, luta de classes, marxismo, vade retro, satanás. “Bem aventurados os que tem fome e sede de justiça”, de Mateus, excluí também.  Olhei melhor e excluí também, em Mateus, a bem aventurança da paz, pois agora são tempos de armas e cruzadas contra os inimigos e hereges. Falar de paz contraria o novo “messias” da metralhadora no lugar do feijão. 

Bah. E aquele texto em que Jesus afirma “vós TODOS” sois irmãos”. Vai que neste TODOS imaginem que estejam “sem terra”, negros, índios, LGBTQI+, “sem teto”, migrantes, moradores de rua, “todos estes que não prestam”… Meus IRMÃOS, estes? Nem a peso de ouro. Comunismo. Página rasgada. 

E aquela cena de lavar os pés dos discípulos e dizer: “os grandes da terra dominam com tirania, entre vocês não seja assim”. Quebra de hierarquia social. Sem dúvida, comunismo. Decidi não correr risco e página no fogo.  

Tomei algumas precauções a mais: eliminei a passagem de João em que uma mulher surpreendida em adultério ia ser apedrejada e Jesus não deixou. Vão pensar que defendo pessoas de “má vida”. Além do mais, poderia perguntar: por que o homem adúltero estava livre das pedradas? Esta mania de fazer perguntas que levem a pensar é coisa de Paulo Freire, um comunista-mor.

Eliminei também aquela em que Marta pediu que Maria voltasse para a cozinha e Jesus garantiu o direito de as mulheres participarem do mesmo círculo que os homens em pé de igualdade. As mulheres podem querer exigir demais baseadas nisto. Risco eliminado. Feminismo é fruto do comunismo, e ponto final.

Aí passei a me preocupar com o Antigo Testamento. Rasguei o profeta Isaias inteiro. Muito perigoso. Depois Amós. Eliminei Oseias. Retirei Miqueias. Muito contra a exploração e a favor dos injustiçados. E ainda Esdras e Neemias assembleistas e distributivistas demais. Não me ajudarão na defesa. 

Minha Bíblia estava ficando pequena, mas, paciência, eu precisava salvar meu couro da sanha anticomunista. 

Aí passei a me preocupar com o Êxodo. Organizar escravos, enfrentar governantes tiranos, acampar em deserto e conquistar terra prometida, e Deus apoiando, credoemcruz, isto é MST na veia, comunismo da gema. Eliminei o livro inteiro. 

Mas aí lembrei também de Levítico e Deuteronômio. Aquelas leis para garantir justiça, estabelecer ano sabático para devolver terras, e ainda dizer “que entre vós não existam pobres”… Perigoso demais. Dois livros a menos.

Aí cansei. A Bíblia já estava miudinha. Preservei os textos de Salomão cobrando impostos pesados ao povo, vivendo no luxo, com 700 esposas oficiais e mais 300 concubinas. Este sim, garanto que não tem nada de comunista. Façamos templos e altares a Salomão.

Até pensei em argumentar que os primeiros defensores modernos de uma sociedade de iguais, embora utópica, foram dois pensadores cristãos: Morus e Campanela.

Também pensei em fazer distinção entre socialismo e comunismo, para que, pelo menos, se saiba do que se está falando quando se multiplicam falas superficiais por aí afora sobre o tema. E que o socialismo, como movimento histórico, despido de ateísmo e totalitarismo, recebeu abertura para engajamento cristão na encíclica Octogésima Adveniens do Papa São Paulo VI. 

Mas acho que diante de tanta pequenez intelectual e tanto fanatismo cego, de pouco adiantará. 

Talvez nem minha diminuta Bíblia rasgada e purificada me sirva de defesa.

Mesmo assim continuarei frade engajado nas lutas sociais em defesa dos desprotegidos, excluídos e explorados, anti-capitalista, socialista e seguidor de Jesus de Nazaré, o Cristo Crucificado e Ressuscitado.

Melhor ser acusado de comunista do que ser, de fato, alienado, omisso, em má consciência com a fé que professo. 

Me chamem do que quiserem e me ataquem como quiserem. 

Mas, por preferência, gostei mais de ser chamado de “frei melancia”: aquele suco vermelho é muito doce.  

(*) Frei Franciscano, militante do MPA, autor de “Em Prece com os Evangelhos”

Fonte: Instituto Cultural Padre Josimo

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Nota de Solidariedade e Repúdio

 


NOTA DE SOLIDARIEDADE E REPÚDIO

O Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia repudia veementemente às ofensas e injúrias proferidas pelo deputado em plena Tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo e vem expressar seu apoio e comunhão com os bispos que lutam pela justiça. São inaceitáveis as ofensas odiosas e abomináveis do deputado estadual de São Paulo, Frederico d’Ávila, contra Dom Orlando Brandes, contra Movimentos dos Sem Terra, contra a Conferência dos Bispos do Brasil e contra o Papa Francisco! São todos os que incansavelmente têm lutado pela dignidade de todas as pessoas, por uma sociedade mais justa e fraterna e que, por isso, são atacados pelo indecoroso parlamentar.

Em um país marcado pela desigualdade social e em que a miséria cada vez mais se agrava, no momento de enorme crescimento da fome e do desemprego, de destruição ambiental descontrolada e ainda de muita insegurança e incertezas em meio à pandemia que fragilizou a nossa sociedade, reforçamos com Dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida, que a “pátria amada não pode ser armada”. Onde houver discursos e práticas de ódio, levemos o amor, a fraternidade e a paz! Onde circula diariamente uma imensidão de fake news, inclusive por parte de governantes, que levemos a verdade, o compromisso com a democracia e com todos os direitos fundamentais.

Reafirmamos, pois, a nossa total comunhão e respeito ao Papa Francisco, e o agradecemos pelo seu empenho pela justiça e a paz do Evangelho nos dias de hoje. Queremos reforçar também nosso apoio e compromisso com todas as organizações que lutam pela justiça pela paz e pelo cuidado da criação em nosso país, como os movimentos pela terra e reforma agrária, muito criticados por realmente questionarem uma estrutura de país fortemente injusta, que marginaliza cada vez mais milhares de pessoas no desemprego e na exclusão, enquanto poucos se enriquecem às custas disso.

Por fim, em comunhão com a CNBB e com as diversas manifestações de repúdio ao discurso de ódio do parlamentar, que evidencia um movimento de mentiras e violências em nosso país, cobramos igualmente providencias legais e eficazes diante de tal ultrajante desrespeito.


São Paulo, 18 de outubro de 2021


Secretaria Executiva do SINFRAJUPE

domingo, 19 de setembro de 2021

MPMG denuncia 12 policiais envolvidos na morte de integrante do MTST, em Uberlândia



O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou 12 policiais militares por envolvimento na morte de Daniquel Oliveira dos Santos*, ocorrida em 2020, em Uberlândia. Ele era integrante do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), na ocupação Fidel Castro, no município do Triângulo Mineiro. Quatro policiais foram denunciados por homicídio qualificado, com recurso que dificultou a defesa da vítima, além de tentativa de homicídio, duas vezes. Os outros oito agentes foram denunciados por forjar provas no curso da investigação com intuito eximir a responsabilidade dos executores.

Conforme a investigação policial, em 4 de março de 2020, no bairro Jardim Ipanema, quatro policiais, cientes da ilicitude de suas condutas, previamente ajustados entre si, realizaram disparos de arma de fogo que mataram Daniquel. Além disso, tentaram matar outros dois homens, somente não conseguindo por circunstâncias alheias às suas vontades, já que os disparos de arma de fogo não atingiram as vítimas, que se esconderam em meio a uma vegetação rasteira e fugiram em direção ao assentamento Fidel Castro.

Além disso, foi apurado que os outros oito denunciados, cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, removeram do local o corpo de Daniquel, destruíram um aparelho celular pertencente à vítima, desapareceram com um multímetro, bem como implantaram um revólver ao lado do corpo da vítima, além de terem modificado os horários dos fatos no boletim de ocorrência (REDS) e abandonado o local antes de a equipe de perícia judiciária chegar, tudo com o propósito de prejudicar a apuração integral dos crimes.

O MPMG ainda representou à Justiça pela aplicação de medidas cautelares aos quatro acusados pela morte de Daniquel: afastamento de qualquer trabalho ostensivo e nas ruas de qualquer cidade de Minas Gerais; proibição de ausentar da Comarca de Uberlândia por mais de oito dias, sem autorização judicial; e proibição de contato com vítimas, familiares e testemunhas do processo.

Fonte: Ministério Público de Minas Gerais -Assessoria de Comunicação Integrada

* Daniquel Oliveira dos Santos, que tinha 41 anos, era coordenador da ocupação Fidel Castro, organizada pelo MTST há 3 anos, e cuidava da parte de infraestrutura do local. 

 


sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Manifesto por uma Repactuação Justa e com Participação Ativa dos Atingidos da Samarco



FORUM PERMANENTE EM DEFESA DA BACIA DO RIO DOCE

Considerando que este Manifesto será encaminhado às INSTITUIÇÕES DE JUSTIÇA, GOVERNADOR DE MINAS GERAIS, JUIZ DA 12ª Vara Federal de Minas Gerais, STF, CNJ, REDE IGREJAS E MINERAÇÃO, CNBB, CONIC e alguns prefeitos da Bacia do Rio Doce, entendemos a importância de uma pequena apresentação do que é o Fórum Permanente em Defesa da Bacia do Rio Doce e seus objetivos.

No contexto da Caravana territorial agroecológica acontecida na bacia do Rio Doce em 04 de abril de 2016, foi publicitada a carta de convocação para a criação do Fórum Permanente em Defesa do Rio Doce:

“Após debates e testemunhos que” nasceram da experiência e da luta de quem tem compromisso com a vida em todas as suas expressões, decidimos criar um Fórum Permanente de Entidades da Bacia do Rio Doce com a responsabilidade em dar voz e unidade aos mais diversos movimentos que ocorrem em Minas Gerais. Com a proposta do Fórum, foi criada uma Comissão de Criação do Fórum Permanente em Defesa da Bacia do Rio Doce, para dar continuidade à criação, garantindo a sua legitimidade pela representação de tantos movimentos sociais da Bacia do Rio Doce, quanto possível. (...) 

O objetivo principal do Fórum é o de contribuir com a melhora da qualidade de vida das pessoas e do meio ambiente na bacia do Médio e Alto Rio Doce na defesa de princípios ao respeito à garantia da autonomia, protagonismo e empoderamento dos que pedem socorro; articular a colaboração conjunta entre as forças vivas com representação das: entidades, instituições, sindicatos, academias, ONGs, igrejas, grupos, movimentos e agentes que comungam com as causas similares; garantir a transparência, o intercambio de informação e o fortalecimento de lutas em comum.

A estrutura do Fórum é responsável pela criação de condições para o desempenho integrado e sistemático das suas finalidades, sendo composta pelas instâncias: Plenárias, Coordenação compartilhada e uma Secretaria Executiva.


       Manifesto por uma Repactuação Justa e com Participação Ativa dos Atingidos 

Em reunião do Fórum Permanente em Defesa da Bacia do Rio Doce realizada de forma virtual no dia 30/08/2021 foram discutidas várias questões, em especial a “Repactuação” coordenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Sobre essa e outras questões o Fórum se manifesta da seguinte forma:

I- Proposta de destinação dos recursos encaminhados aos municípios referentes à lei nº 23830-2021 do acordo firmado entre o Governo do Estado, Instituições de Justiça e a Vale originário do rompimento da barragem de Brumadinho.

1) Que os Prefeitos das margens do Rio Doce escutem os atingidos com a perda do Rio Doce para a devida destinação dos recursos;

2) Que os Prefeitos e advogados respeitem as comissões de atingidos que lutam pelos seus direitos desde o rompimento da barragem de Fundão/Mariana e não criem novas comissões que legitimem seus interesses;

3) Que os Prefeitos estabeleçam um canal de diálogo e escuta dos atingidos de seus territórios com o objetivo de conhecer melhor suas realidades e amenizar seus sofrimentos;

4) Que as Políticas Sociais e ambientais existentes nos municípios deem uma atenção especial às causas dos atingidos. 

II- A partir das preocupações para com a repactuação em negociação o Fórum se posiciona de forma a: 

1) Contestar a suspensão da Ação Civil Pública do Ministério Público Federal que pede R$ 155 bilhões, do pedido de extinção da Fundação Renova e do processo contra a Renova por publicidade indevida;

2) Exigir das autoridades competentes a proibição por parte da Renova na utilização de clausulas do TTAC quando é de interesse das empresas e prejuízo dos atingidos como o corte de 50% do Programa de Auxilio Financeiro Emergencial (AFE) desconsiderando discussão nas Câmaras Técnicas e aprovação do Comitê Interfederativo (CIF):

3) Perceber que no decorrer do processo dos acordos firmados houve uma ação orquestrada por parte de alguns órgão de justiça, advogados e pequena parte dos atingidos em desmoralizar, desacreditar e enfraquecer a Força Tarefa Rio Doce;

4) Clamar pela participação dos atingidos de forma qualificada com apoio de Assessorias Técnicas Independentes em todos os territórios de forma ativa nos espaços de negociação da Repactuação; 

5) Demandar das autoridades que estão à frente da negociação para a repactuação o empenho pela imediata contratação das Assessorias Técnicas Independentes escolhidas pelos atingidos e homologadas pela 12ª Vara Federal;

6) Questionar o modelo de participação nas reuniões de Repactuação e elaboração de uma carta de premissas tendo como autores os governadores do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), representantes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério Público Federal, dos Ministérios Públicos de Minas Gerais e do Espírito Santo, das Defensorias Públicas da União e dos Estados de Minas GerGerais e do Espírito Santo e das empresas Samarco, Vale,  BHP, Fundação Renova e membros do CNJ com a completa ausência e participação dos atingidos e organizações da sociedade civil que lutam por seus direitos, muito pouca diferença do formato da organização dos primeiros acordos não cumpridos;

7) Inquietar com o sentimento de que mais uma vez as mineradoras estão impondo a pauta de negociação;

8) Combater o uso político de recursos providos de sofrimento dos atingidos e de crimes ambientais;

9) Apreciar a iniciativa de realização das audiências públicas com ampla participação mas com o entendimento em ser mais uma forma consultiva do que participação ativa dos atingidos;

10) Indagar pela realização de audiências públicas para discutir a repactuação sem aprofundar e minimizar os conflitos arquitetados em toda a bacia do Rio Doce com a criação do Novel Sistema Indenizatório para Causas de Difícil Comprovação, sem explicação da sua origem e de como foi elabora a matriz de danos, iniciativa esta que motivou contendas e promoveu o protagonismo de advogados em prejuízo dos atingidos com a criação de novas comissões de atingidos arranjadas por advogados, na sua maioria, preocupados simplesmente com seus honorários;

11) Cogitar que o Sistema de Justiça está pactuando um processo de injustiça que não abre espaço a uma efetiva participação dos atingidos e sociedade organizada e ignora os conflitos e violação de direitos que reina na bacia do Rio Doce.

III- Questões que ao Fórum causa desconfiança: 

1) Repactuação sendo pensada, discutida e elaborada pelos mesmos atores institucionais que firmaram o TTAC e do TTAC/TAC-GOV os demais acordos que não foram cumpridos por pressão das empresas rés;

2)  Reivindicações principais por parte dos atingidos nos acordos firmados viraram eixos prioritários que estão há mais de dois anos aos cuidados da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte sem nenhuma solução;

3) Total desconsideração e desconhecimento por parte das autoridades dos conflitos existentes na bacia do Rio Doce fruto do desrespeito aos acordos firmados e criação aleatória de novas proposições sem a devida escuta e participação dos atingidos e sociedade civil organizada;

4) Inquietação com o possível surgimento, que já se alinha, de mais uma disputa entre atingidos com o objetivo de defender seus interesses nas audiências públicas acirre ainda mais os conflitos entre atingidos na bacia do Rio Doce;

5)  Inércia por parte dos órgãos que trabalham a repactuação com a realidade vigente na bacia do Rio Doce com ações agressivas por parte de alguns advogados que articulam e colocam atingidos contra atingidos com objetivos particulares;

6) Arquitetura em curso que desconsidera a realidade do tempo que será necessário para a recuperação do Rio Doce e põe em prática uma política de encerramento forçado dos direitos dos atingidos que não mais terão o rio como fonte de renda. Há comentários que o PIM (Programa de Indenização Mediada) retornará com a mesma imposição do Sistema Novel que impõe aos atingidos uma única via que será a quitação total de suas perdas;

7) Existência de uma ação em discriminar o Movimento de luta em favor dos atingidos que conta com considerável apoio de atingidos da bacia do Rio Doce por parte de algumas autoridades que deveriam se isentar de posições excludentes e tendenciosas;

8)  Agendamento de três audiências públicas sem apresentar de forma transparente a metodologia a ser utilizada e como serão abordadas questões importantes como: a- as indenizações, b– conflitos advindos do Novel Sistema Indenizatório, c- exigência para aceitar a única via imposta aos atingidos com o fechamento de cadastro e a quitação total, d- o protagonismo dos advogados em detrimento aos atingidos na bacia do Rio Doce, e- seleção dos atingidos e instituições para participar das audiência e, f- segurança de que a normativa de escolha dos atingidos e instituições para participar das audiências públicas não gere novos conflitos de representação de atores na bacia do Rio Doce.

IV- O Fórum se posiciona com as seguintes propostas: 

1) Que as autoridades à frente da repactuação escutem mais os diversos atingidos que sofrem com os conflitos instaurados na bacia do Rio Doce antes de tomar qualquer decisão;

2) Que seja evitado disputa e acirramento dos conflitos entre atingidos para a participação nas audiências públicas;

3) Que o processo de escolha para a participação nas audiências públicas seja transparente e democrática;

4) Que os atingidos não sejam apenas escutados, mas participem ativamente da construção da repactuação;

5) Que a repactuação priorize e solucione de imediato os 13 eixos prioritários engavetados na 12ª Vara Federal de Belo Horizonte;

6) Que a imposição do fechamento de cadastros e quitação total imposta pelo Novel Sistema Indenizatório e empresas seja suspensa imediatamente;

7) Que haja um posicionamento firme e solução por parte das autoridades diante das ações de advogados com interesses particulares em prejuízo aos interesses individuais e coletivos dos atingidos;

8) Que seja expressamente proibida, sujeito a penalidades, a utilização política dos recursos originários do sofrimento dos atingidos, bem como a continuidades por parte da Renova de veiculação de publicidade indevida.

Assinam abaixo as forças vivas que apoiam este manifesto:

Associação Ambiental de Ouro Preto (APAOP)

Associação dos Agricultores Familiares de Revés de Belém

Associação do Assentamento Cachoeirinha

Associação Beira Rio Sustentável de Conselheiro Pena - MG

Associação Indigena Pataxó Gerú Tucunã - AIPGT

Associação de Ilha Brava

Associação de Ilha Funda

Associação Indígena Pataxó Gerú Tucunã – AIPGT - Açucena

Associação de Pescadores de Pedra Corrida

Associação dos Pescadores de Conselheiro Pena e região

Associação de Cooperação Mista dos Feirantes da Agricultura Familiar Agroecológica de Governador Valadares

Associação da Sapucaia e Desenvolvimento Ambiental de Conselheiro Pena - MG

Atingidos de Naque

Caritas Brasileira Regional Minas

Caritas de Itabira

Caritas de Governador Valadares

Centro Agroecológico Tamanduá

Coletivo Encrespa Governador Valadares

Coletivo Quilombo

Colônia de Pescadores Artesanais e aquicultores de Conselheiro Pena e região Z.43 “Colônia Z.43”

Comissão de Atingidos de Alpercata

Comissão de Atingidos do Floresta

Comissão de Atingidos de São Vitor

Comissão de Atingidos de Derribadinha

Comissão de Atingidos Local de Lourdes – GV

Comissão de Atingidos Local do SIR/Santos Dumont – GV 

Comissão de Atingidos Local do São Pedro - GV

Comissão de Atingidos Local Assentamento Barro Azul – GV

Comissão de Atingidos Local Penha e região – GV 

Comissão de Atingidos Local Nova JK/Pastoril Canaã – GV

Comissão de Atingidos Local Santa Rita – GV 

Comissão de Atingidos Local São Geraldo/Vila Mariana/Altinópolis – GV

Comissão de Atingidos Local de Ilha Brava – GV

Comissão de Atingidos Local do Vila Isa e região – GV

Comissão de Atingidos Local do Vila dos Montes e região – GV

Comissão de Atingidos Local do São Tarcísio – GV

Comissão de Atingidos Local do Turmalina – GV

Comissão de Atingidos Local do Jardim Pérola/Fraternidade e região – GV

Comissão de Atingidos Local da Ilha dos Araújos – GV

Comissão de Atingidos Local /do Santa Paula/Sertão do Rio Doce/Trevo – GV

Comissão de Atingidos Local de Santa Terezinha/São Paulo – GV  

Comissão de Atingidos Local do Nossa Senhora das Graças e região – GV

Comissão de Atingidos do Território de Governador Valadares e Alpercata

Comissão de Atingidos de Conselheiro Pena

Comissão de Atingidos de Tumiritinga

Comissão de Atingidos de Barra Longa

Comissão do Meio Ambiente da Província Eclesiástica de Mariana

Comissão dos Direitos Humanos da Igreja Metodista do Brasil do Espirito Santo e Minas Gerais

Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) de Governador Valadares

Comissão de Atingidos de Sem Peixe

Comissão de Atingidos de Vila Regência Augusta e Entre Rios Foz Sul do Rio Doce

Comunidade Quilombola de Águas Claras

Comunidade Quilombola de Ilha Funda

Comunidades Eclesiais de Base de Governador Valadares 

Conselho Nacional do Laicato do Brasil da Diocese de Governador Valadares

Cooperativa Regional de Economia Solidária da Agricultura Familiar Agroecológica (CRESAFA)

Comissão Pastoral da Terra – CPT

Coordenação Pastoral dos Direitos Humanos da Igreja Metodista na 4ª R. E. – MG e ES

CTB Minas – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

Fórum Regional de Economia Popular Solidária do Vale do Rio Doce

Grupo Fé e Política

Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

Movimento das Mulheres Camponesas

Movimento dos Pequenos Agricultores

Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis - MNCR 

OBIT/GIT/UNIVALE – Observatório Interdisciplinar do Território / Mestrado em Gestão Integrado do Território

Pescadores de Linhares (Eliane Natalli)

Professor Fábio Fraga dos Santos – UFVJM – Campus Mucuri

Reciclagem Inclusiva e Solidária – ORIS

Sindicato dos Bancários de Ipatinga e Região

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Governador Valadares

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Sobrália

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tumiritinga

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Timóteo, Jaggauraçu, Marliéria e Antônio Dias

Sociedade Brasileira de História e Ciência (SBHC)

Sociedade Latinoamericana e Caribenha de História Ambiental (SOLCHA)

Reciclagem Inclusiva e Solidária – ORIS

União Operária de Governador Valadares

Via Campesina 



quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Jagunços ateiam fogo em acampamento de Sem Terra, em Gurinhatã, no Triângulo Mineiro


das páginas dos Jornalistas Livre de do IDH

“Aqui não tem lei. A gente vê o que tá acontecendo e ninguém faz nada.” – Nos explicou Francisco Pedro da Silva, assentado há 26 anos. 

No dia 1 de setembro, jagunços colocaram fogo no mato próximo ao acampamento, que por consequência atingiu 3 barracos e o curral.

Em Gurinhatã, às margens da rodovia 461, Minas Gerais, no acampamento Arco-Íris, os últimos dias têm sido de muita tensão para os trabalhadores rurais. O senhor Wilson vive há 12 anos no acampamento, e para ele o acampamento é sua vida: “a gente quer um lugar pra colocar a família. Não queremos continuar próximos a estrada, mas não tem jeito de entrar na fazenda. A gente é pacífico.” 

“Tem moço com a mão queimada aí, tentaram salvar as galinhas, os porcos, mas e se fosse uma criança?” – Continuou Francisco. – “Filhos de fazendeiros, jagunços, todos ameaçam a gente.” 

Esse não foi o primeiro episódio de agressão essa semana: do dia 27 ao dia 30 de agosto, escavadeiras destruíram alguns barracos, e os moradores se viram novamente indefesos em frente a tamanha violência. 

Ontem (1/09), enquanto as lideranças do acampamento estavam em uma audiência com o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) sobre a desocupação do terreno, que por estar na beira da estrada pertence ao estado, os jagunços do fazendeiro puseram fogo no mato próximo ao acampamento, o que acarretou na queimada de vários barracos e do curral.

POR DENTRO DO CONFLITO

Há 13 anos, cerca de 30 famílias, quase 80 pessoas residem no acampamento Arco-íris. Em julho de 2019, o juiz da 2ª Vara Cível de Ituiutaba, Minas Gerais, decidiu pela suspensão do despejo das famílias dos trabalhadores rurais sem-terra, pertencentes ao acampamento. A decisão foi válida até julho de 2020, porém, com a pandemia da Covid-19, houve recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que suspende o cumprimento de despejos, além de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de ação cautelar com efeito vinculante a todos os órgãos da administração pública que determina a suspensão de todos as remoções forçadas de ocupações coletivas urbanas e rurais consolidadas antes de 20 de março de 2020.

A Fazenda da Jacuba/Arco Íris, de propriedade da FLE Empreendimentos Ltda, de Belo Horizonte foi vistoriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e teve seu processo de desapropriação por interesse social para reforma agrária arquivado em março de 2021. A decisão foi arquivado porque o INCRA não fez a desapropriação no tempo correto e o decreto “venceu”.

Desde então, os trabalhadores rurais residentes no Acampamento Arco-íris, na faixa de domínio – extensão de segurança entre a rodovia e a propriedade rural – vivem acuados com medo de serem despejados do local. A notícia de que o DEER teria autorizado a reintegração de posse surpreendeu a todos, principalmente, a equipe jurídica que atende a comunidade, tendo em vista que somente a justiça pode autorizar a reintegração de posse.

Fonte: Jornalistas Livres ; Instituto IDH