domingo, 31 de março de 2013

Terminou o FSM 2013: força da dignidade, solidariedade e articulação de lutas

A edição de 2013 do Fórum Social Mundial (FSM), terminou. O fórum foi realizado pela primeira vez na região do Magrebe, em Túnis, nos dias 26-30 março. Dois anos após a "Revolução do Jasmim", o Fórum se transformou num poio ao processo democrático na Tunísia.

A revolução na  Tunísia, que é o berço das revoltas no mundo árabe, levou ao surgimento de novos movimentos de protesto não só no norte da África e no Oriente Médio, mas influenciou também o sul da  Europa, tendo como destaque os  "indignados" na Espanha, e se espalhou até o movimento dos "occupy" nos EUA .

Além do debate sobre a situação da Primavera Árabe, outros temas também estiveram no centro dos debates. Se reafirmaram as lutas dos povos e suas organizações:

  • Contra as multinacionais e o sistema financeiro (o FMI, o BM e a OMC).
  • Pela justiça climática e a soberania alimentar
  • Contra a violência às mulheres
  • Pela paz e contra a guerra, o colonialismo, as ocupações e a militarização dos nossos territórios.
  • Pela democratização dos meios de comunicação de massa e pela construção de mídias alternativas, fundamentais para inverter a lógica capitalista. 

Destaque para os debates e painéis ligados a questão da mineração e do extrativismo, principalmente para a assembleia sobre questão da mineração. A grande preocupação dos participantes esteve voltada para os prejuízos socioambientais causados pelo crescimento acelerado da indústria extrativa. O extrativismo que não se resume só à extração de metais, mas também de petróleo, água, o extrativismo vegetal, etc...

Hoje, as grandes transacionais do setor, como a Cia Vale, do Brasil, decidem sobre o uso, manejo e gestão da natureza a partir de uma lógica capitalista predatória e desumana. Avançam sobre os territórios e terras, ameaçam a soberania alimentar, destroem as florestas, acabam com as culturas dos povos tradicionais locais, afetam o clima, dentre tanto outros impactos. Os impactos socioambientais não ficam restritos ao local da extração, mas se espalham por toda linha da cadeia que vai do local da extração, aos locais de transporte,  de beneficiamento e industrialização até o porto de exportação. 

Refletiu-se, também sobre o pós-extrativismo como conceito que se sustenta sobre a questão do inevitável esgotamento dos recursos e sobre os impactos ambientais. 

Do Fórum Social Mundial 2013, na Tunísia, fica aberto o  sentimento de encontro com o mundo árabe, sua dignidade, sua cultura, sua religião e suas lutas. Mas principalmente seu povo, seus sonhos e a busca de um mundo mais justo, fraterno e irmanado com a natureza. O Fórum se constituiu em um grande momento de solidariedade, com a revolução tunisina. Para muitos de nós, em primeiro contato com mundo árabe, foi um encontro com uma pouco conhecido, mas surpreendente. Momento de encontro real, longe dos filtros da mídia capitalista.

Nossa Delegação Internacional Franciscana se viu, com grata alegria, em meio a um povo cheio de vontade e de vida, que se orgulha de sua luta e de sua libertação. Ficarão marcados em nossos corações a vontade de um povo, movidos pelo ato de um jovem, vendedor ambulante de frutas e verduras,  Mohamed Bouazizi, de 26 anos. Esse jovem sem conseguir uma licença para trabalhar na rua, e impossibilitado de continuar pagando propinas aos fiscais, acabou por ter sua mercadoria e sua balança confiscadas. Desesperado, o rapaz ateou fogo ao próprio corpo, em frente ao palácio do ditador. 

A tragédia pessoal de Mohamed desencadeou os protestos que acabaram levando a uma onda revolucionária que envolveu toda a Tunísia e espalhou-se pelo Mundo Árabe, do Norte da África ao Oriente Médio.

A força profética, de um ato, foi a gota que faltava para derramar a força de um povo cuja dignidade não fora destruída. 
Mohamed Bouazizi o homem que despertou a "Primavera no Mundo Árabe"




sexta-feira, 29 de março de 2013

SINFRAJUPE no painel sobre espiritualidade no FSM 2013


Representando o SINFRAJUPE - Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia, e participante da delegação internacional franciscana presente no FSM 2013, Frei Rodrigo Péret foi um dos painelistas, no fórum, na Tunísia, da mesa sobre Espiritualidade, Comunidades de Fé, a Mãe Terra e a Militarização do Clima.

Frei Rodrigo falou da criminalização do movimentos sociais, dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, no Brasil. Explicou que essa criminalização tem como pano fundo um conflito de valores. De um lado a vida como valor fundamental e de outro lado a economia e a mercantilização como valores instrumentais do mercado e do lucro. Hoje, disse ele, se afirma a vida como mercadoria. A expansão do capital e de investimentos de grandes corporações sobre o meio ambiente, tem como resultado a commoditização da vida. A chamada "economia verde", por exemplo, considera todas as interações que acontecem nos ecossistemas, como serviços da natureza, que devem ser valorados economicamente. Tudo se transforma em mercadoria, até mesmo os complexos sistemas e ciclos naturais formados pelas inter-relações entre os organismo vivos e não vivos, passam a ser considerados como ativos econômicos. Isso, significa, uma vez que o capitalismo não é apenas um sistema econômico e político, mas um sistema de valores, que quando os movimentos sociais, os povos indígenas e as comunidades tradicionais buscam viver ou lutam por valores diferentes, esses são tipificados pelo aparato do estado como criminosos. 

Falando mais na perspectiva das diversidade das tradições espirituais e menos das religiões, como estruturas históricas, frei Rodrigo refletiu que essas tradições nos convidam a sentir o valor relacional da vida, o valor de existência. A vida não é um bem econômico, como nos quer fazer acreditar o capital.  A natureza da qual somos parte e a dinâmica da vida, não podem ser consideradas como ativos econômicos. Nós seres humanos fazemos parte de uma enorme sócio-cultural-biodiversidade, que não pode ser guiada por mercados financeiros ou corporações. A natureza tem direito aos ciclos da vida, e portanto a sustentabilidade, que tanto falamos, deve ser da vida e não da economia.

Em nossa tradição judaico-cristã, a natureza é chamada de criação e todos somos criaturas. São Francisco, em seu senso religioso, via nas criaturas o amor, a sabedoria e o poder de Deus. O encantamento pela natureza expresso no "Cântico das Criaturas", nos coloca como criaturas em meio a outras criaturas, no seio da criação, como espaço de comunhão e comunicação, com Deus e as criaturas. A alteridade das criaturas e seu valor inter-relacional apontam para o fato de que cada elemento da natureza é revestido de dignidade e espírito. A natureza é o espaço de reconciliação, onde todos e tudo somos irmãos e irmãs, na mesma Mãe Terra.

Frei Rodrigo terminou sua fala, dizendo que falar de espiritualidade e meio ambiente, no qual está incluído o clima, numa sexta feira santa, nos leva a refletir sobre nosso Deus, que em Jesus Cristo, quis, por amor, se tornar natureza. O Criador se tornou criatura e viveu em si os limites de uma natureza finita e contingente. O Criador aceitou viver os limites naturais e o ciclo da vida. Assumiu uma condição histórica, dentro da diversidade social, cultural e biológica deste planeta. Buscou a justiça como forma de resgatar a natural dignidade de todos e de tudo.  E ao buscar reconciliar tudo em si nos convida, numa linguagem de hoje a viver a justiça ambiental. O direito da natureza à sua complexidade e equilíbrio que permitem a vida. Cabe a nós buscar na espiritualidade o senso de tudo, reler nossas fontes, nos livrarmos das contingencias históricas, que nos levaram a pensar e agir como senhores da natureza,  redescobrir o feminino gerador em Deus,  nos fazermos irmãos e irmãs de tudo e de todos. No dizer de São Francisco, nos fazermos menores.




quinta-feira, 28 de março de 2013

Crítica à economia verde no Fórum Social Mundial 2013

Continuam as atividades auto organizadas no Fórum Social Mundial 2013, na Tunísia. 

Os mecanismos de mercado com seus investimentos no chamado capital natural fazem parte da discussão crítica em várias atividades. Em relação à "economia verde", os debates giram em torno às enormes quantidades de dinheiro de especulação financeira, que buscam novas oportunidades de negócios e de lucro na natureza. Estão se formando mercados que incentivam e recompensam os serviços prestados pela biodiversidade e pelos ecossistemas. Para serem eficazes, esses mercados necessitam de infraestrutura institucional e de investimentos.

Se tratam de Mercados inventados, como o de comércio de carbono. Os chamados mercados de créditos de carbono se baseiam na ideia de que as reduções de emissões de gases, em particular o dióxido de carbono, podem se converter em mercadorias, e que é possível estabelecer um preço para elas. Essa mercadoria pode ser comprada ou vendida, criando-se assim um mercado artificial a partir da obrigação dos países de reduzirem suas emissões.

A mercantilização financeirização da natureza significa não só o crescimento da especulação, mas em termos mais gerais, o aumento do papel do mercado financeiro, dos atores financeiro e de instituições, na economia e na política econômica.

O comércio de emissões é na realidade um sistema que cria um mercado artificial, a partir  de uma mercadoria fictícia. Na realidade o que se quer é baratear os custos das empresas e dos governos deveriam ter para cumprir com os objetivos de redução de emissões. 

Por outro lado, o que esse mercado artificial realmente busca é se apropriar da biomassa, alimentando a criação de novas alianças de poder empresarial. Os principais atores incluem as grandes empresas de energia (Exxon, BP, Chevron, Shell, Total), as grades farmacêuticas (Roche, Merick), as grades empresas agroindustriais (Monsanto, Gargil, Unilever, DuPnt, Bunge, Procter &Gamble), as principais companhias químicas (Dow, Dupont, BASF), assim como o setor militar (EUA).





quarta-feira, 27 de março de 2013

Iniciaram as atividades do Fórum Social Mundial 2013

Nesta quarta feira dia 27 de março, deram início as mais de 1500 atividades auto gestionadas do Fórum Social Mundial (FSM) 2013, em Túnis. São variadas as formas com as quais os movimentos, organizações e redes que participam do fórum.  A metodologia é participativa desde os primeiros fóruns.

Além dos movimentos populares do Oriente Médio,  temas como a dignidade humana, o capitalismo, soberania alimentar, mineração, soberania dos povos, futuro dos movimentos sociais,mudanças climáticas,  fazem parte das discussões. A maior parte das atividades é organizada pelos próprios participantes, através de oficinas, painéis, seminários, conferencias,  ligados aos eixos temáticos do Fórum. Assembleias de Convergência no final são auto-organizadas e podem ser muitas. 

Neste fórum são 11 os eixos temáticos
1. Aprofundamento dos processos revolucionários e de descolonização no sul e no norte;
2. Por um mundo sem hegemonias e dominações imperialistas;
3. Pela construção de novos universalismos;
4. Por uma sociedade humana fundada nos princípios e valores da dignidade, diversidade, justiça e igualdade entre todos os seres humanos;
5. Pela liberdade de circulação e estabelecimento de todos e todas;
6. Por justiça cognitiva;
7. Pela construção de processos democráticos de integração e de união dos povos;
8. Por um mundo em paz em que não exista a guerra como instrumento de dominação econômica, política e cultural;
9. Por um mundo democrático;
10. Pela construção de alternativas ao capitalismo e à globalização neoliberal;
11. O futuro do Fórum Social Mundial.

A mudança que vive a região do Magreb / Makrech, é um dos principais desafios dessa edição. O fato do FSM 2013 se realizar em Túnis,  reforça a luta tunisina e regional a favor de um país e de uma região mais igualitária. O FSM é sempre um espaço de sinergia entre o global e o regional. Os fóruns se tornam assim um passo a mais no caminho de todos os que aspiram por "outro mundo possível”. Especialmente na busca de novas formas e novas proposições e articulações, para enfrentar os enormes desafios que a humanidade confronta hoje.

Destaque, hoje, foi a conferencia sobre: Zonas de mineração, movimentos sociais e resistências sociais frente a injustiça, aos crimes sócio ambientais das empresas das indústrias extrativas. Dentre outros expositores estava na mesa o Padre Dário, da campanha Justiça nos Trilhos, formada por uma coalizão de organizações e movimentos, que atua nos estados do Maranhão e Pará, no Brasil. A Campanha “Justiça nos Trilhos” iniciou-se ao final de
2007, por iniciativa dos Missionários Combonianos (congregação da Igreja Católica) que atuam em diversas regiões do Estado do Maranhão e contou com a rápida adesão de outros grupos e organizações, que hoje compõem a sua coordenação executiva e/ou a sua rede de ação. Justiça nos Trilhos tem por objetivo: a) Avaliar o impacto real das atividades da Companhia Vale do Rio Doce (Vale) ao longo da denominada área de influência da Estrada de Ferro Carajás; b) Propor o debate sobre a construção de mecanismos que possibilitem a internalização de recursos da Vale, de forma a alavancar o desenvolvimento sustentado das comunidades que vivem na área de influência da EFC.




terça-feira, 26 de março de 2013

Marcha de abertura do Fórum Social Mundial 2013 - Tunísia

"A mobilização Dignidade Global", marcha de abertura do FSM 2013, partiu da praça 14 de Janeiro no centro de Tunis,  onde caminharam cerca de 30 mil pessoas segundo a imprensa internacional, . Ver os  jovens árabes que derrubaram uma ditadura, e que ainda procuram derrubar a ditadura do neoliberalismo, foi a grande força da marcha.

O cortejo percorreu mais de seis quilômetros, na cidade, até o Estádio Menzah, onde chegou depois de duas horas e meia. Alí se realizou uma festa popular com discursos e show de Gilberto Gil.
No início da marcha esteva um grupo de pessoas com deficiência. A marcha tinha mais de um quilômetro.

Muitos grupos políticos locais e forças opositoras do Egito, estavam presentes, como também havia muita participação de diversas organizações palestinas. É bom lembrar que a Palestina será uma temática chave deste Fórum e é o eixo de convocação da marcha de encerramento do FSM 2013, no próximo sábado dia 30 de março.

Houve também a participação da Associação dos Tunisinos Vítimas da Migração, com mulheres vestidas de luto – as mães dos imigrantes desaparecidos especialmente na Itália. São mais de 800 jovens tunisinos mortos ou desaparecidos na tentativa de migrar para Europa, via Itália.

Marcaram presença também muitos movimentos e redes, como a  Marcha Mundial de Mulheres, Via Campesina, a, Anistia Internacional, o Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, a ATTAC, e inúmeras organizações da região.


Delegação Internacional Franciscana presente no FSM 2013, participou da marcha.


Delegação Internacional Franciscana no Fórum Social Mundial 2013 - Tunísia

Está presente, em Túnis, na Tunísia, uma delegação franciscana, para participar do FSM 2013. A delegação tem um compromisso de se envolver particularmente nas atividades ligadas às questões dos impactos da mineração, na luta contra a economia verde e na busca do "Bem Viver", Mãe Terra e tudo que diz respeito a um novo estilo de vida. Esses foram eixos de luta e trabalho, que forma assumidos por franciscanos e franciscanas, na Cúpula dos Povos, durante a Ri+20, em 2012, no Rio de Janeiro.
O Fórum Social Mundial da Tunísia, que inicia no dia 26 e vai até o dia 30 de março terá
eventos múltiplos: marchas, protestos, iniciativas de solidariedade, workshops, conferencia, seminários, reuniões e, claro manifestações culturais.

No dia 26 de maço - Assembleia das Mulheres, na parte da manhã e às 16 horas a Marcha de Abertura do Fórum.
Os dias 27, 28 e 29 de Março (manhã e tarde) serão dedicados a atividades auto-gestionadas. Estas atividades permitirão visualizar os temas abordados, compartilhados e aprofundados pelas organizações.
O formato das atividades é livre e diversificado, a partir de palestras até peças de teatro, através de debates, testemunhos, etc. Essas atividades serão realizadas em sessões de 2h30min. ou mais sessões.


O dia de 27 de Março será a oportunidade de discutir os processos revolucionários, revoltas, insurreições, guerras civis e protestos que abalaram o sistema político no Magrebe e Machereque. Essa questão será focada perspectiva da justiça social: a democracia, a justiça social, emprego, contra a corrupção, contra dilapidação de bens públicos, para o acesso à saúde e à educação, pela liberdade, pela dignidade e cidadania ... é um tempo reflexão sobre o futuro destes processos revolucionários e dos ações que abalaram a região e o mundo, será um apelo global para construir um outro mundo.


No dia 29 de março (na parte da tarde) e no dia 30 de março, será realizadas as assembleias de convergência de várias reuniões e temas. Totalmente  auto-organizadas, pelas redes, movimentos e organizações presentes, essas assembleias buscarão "ação comum", ou seja, momentos em que as organizações, redes e movimentos juntas proporão convergências  ou reforçaram a ações para construir esse outro mundo que queremos. Todos os tipos de ação podem ser considerados como uma base de trabalho destas convergências, que deve facilitar as ligações entre as diferentes redes e movimentos.
A partilha das propostas de ação dessas reuniões acontecerão durante a cerimônia de encerramento em 30 de março no período da tarde.





sexta-feira, 22 de março de 2013

Ambientalistas mobilizam-se contra projeto de mineração


Ambientalistas de Minas Gerais se mobilizam para tentar impedir a aprovação, pela Assembleia Legislativa do Estado, de um projeto que autoriza mineradoras a dragar o fundo de rios de preservação permanente. O Projeto 3.614/12, aprovado em primeiro turno, autoriza o "revolvimento de sedimentos para a lavra de recursos minerais" em rios como o São Francisco, o Jequitinhonha, o Cipó e outros. O texto está pronto para ser votado em segundo turno e, se aprovado, dependerá apenas de sanção do governador Antônio Anastasia (PSDB) para entrar em vigor.
A reportagem é de Marcelo Portela e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 22-03-2013.

O projeto foi apresentado na Assembleia pelo deputado Lafayette de Andrada (PSDB) em 3 de dezembro, passou pelas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e foi aprovado em plenário.O deputado Célio Moreira (PSDB), relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente - que preside - deu parecer favorável à aprovação, mas a Casa entrou em recesso pouco depois.

Se aprovado da forma como está, o projeto autorizará mineração em trechos do Rio São Francisco e nos Rios Pandeiros e Peruaçu, integrantes da bacia hidrográfica do São Francisco; no Rio Jequitinhonha e afluentes, no Rio Grande e afluentes, e no Rio Cipó, que aflui no Rio das Velhas - que também integra a bacia do São Francisco. "É uma papagaiada. Defende-se a economia de água e até que as pessoas fechem a torneira enquanto escovam os dentes, mas as políticas públicas são frágeis", avaliou a superintendente da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Maria Dalce Ricas.

Desde a aprovação do projeto em primeiro turno, entidades de defesa do meio ambiente e ativistas se mobilizam para impedir que ele volte para o plenário. "A aprovação desse projeto no apagar das luzes, mesmo com parecer contrário da Secretaria de Meio Ambiente (do Estado), pegou todo mundo de surpresa. Alguns desses trechos são importantes áreas de piracema", observou Maria. Ela afirmou que, para tentar manter o texto fora da pauta, apelou até a Anastasia - que tem maioria folgada no Legislativo -, mas o texto, segundo a página da Assembleia na internet, continua "pronto para a ordem do dia em plenário".

''Frankenstein''

O autor do projeto, porém, afirmou que estaria disposto até a retirar a proposta. Andrada disse que o objetivo original da proposta era permitir apenas a extração artesanal, com autorização de órgãos ambientais, de areia e cascalho, que eram exercidas em cidades à beira do Rio Grande antes da aprovação de lei, em 2004, vetar a atividade. Na justificativa do projeto, ele alegou que esses materiais são de "fundamental importância econômica, sobretudo para a construção civil e ampliação de infraestrutura".

Mas o texto autoriza a dragagem para a "lavra de recursos minerais", sem especificar quais, e Andrada ainda ressaltou que foram "inseridas" emendas que tornaram o projeto um "Frankenstein". "À medida que o projeto caminhou nas comissões, apareceram montes de emendas. Meu projeto tinha uma linha e agora tem duas páginas. Virou um carrapato carregando um boi. Não sou a favor do monte de loucuras que estão lá", afirmou. Moreira não foi encontrado para falar sobre o caso.
FONTE: IHU

quarta-feira, 20 de março de 2013

Não fazem Reforma Agrária e agora querem acabar com a agricultura familiar

Hoje em frente aos portões do Sindicato Rural de Uberlândia, entidade historicamente contrária à Reforma Agrária e a favor do agronegócio, uma cena inusitada. Trabalhadores rurais Sem Terra e assentados de Reforma Agrária, insistiam em ser recebidos pelo Ministro Pepe Vargas do Desenvolvimento Agrário. Precisaram insistir bastante, pois o Ministério que tem por responsabilidade de atuar na agricultura familiar, no desenvolvimento territorial, crédito fundiário e na reforma agrária, estava patrocinando e promovendo um evento nas dependências e junto aos ruralista contrários à sua pasta. O ministro estava na FEMEC - Feira de Máquinas, Equipamentos, Implementos, Insumos Agrícolas e Veículos Utilitários, conhecida como o Show do Agronegócio.

O Ministério e a Prefeitura Municipal de Uberlândia são uns dos que promovem e participam da FEMEC, que conta com uma Feira da Agricultura Familiar, com apresentação de produtos do programa do Ministério do Desenvolvimento, o Feirão Mais Alimentos. Contudo, a FEMEC é um evento dirigido ao agronegócio, no espaço dos representantes do latifúndio  Com isso o ministério aponta para os agricultores familiares o que a eles é antagônico, como o caminho a ser seguido.

O agronegócio se baseia nos interesses dos grandes proprietários unidos aos de empresas transnacionais, para dominar e controlar o modo de produzir: insumos, sementes, adubos, fertilizantes, venenos, máquinas, o comércio agrícola e os preços. A agricultura familiar é um modelo que parte de outra lógica, que estabelece sistemas de convivência com a natureza. A prática agrícola familiar busca a diversidade na produção de alimentos e  a adaptação ao meio natural, possibilitando a criação de sistemas sustentáveis de produção.

O esvasiamento dos conceitos e das diferenças e disputas que existem na sociedade mascaram a realidade. Quando o ministro Pepe Vargas, finalmente, recebeu os sem terra, e foi questionado pelo fato de que o agronegócio e a agricultura familiar são incompatíveis, ele respondeu que não via nenhuma incompatibilidade. Afirmou, ainda, que seu ministério  quer aproximar e colocar a agricultura familiar em eventos do agronegócio. Assim o ministro mistifica e desagrega as relações sociais, apresentando interesses contraditórios e opostos, como sendo uma só realidade.

O agronegócio é insustentável, em termos sociais, economicos e ambientais para o agricultor familiar. A produção de alimentos, para o mercado interno, sem veneno e transgênicos  a segurança e a soberania alimentar, o uso de mão de obra, a convivência com a natureza, criam condições para a vida das pessoas no meio rural.

Às organizações e movimentos de luta pela reforma agrária e pela agricultura familiar cabe denunciar ações de governo, que buscam através da manipulação, impor um consenso passivo. Não aceitar a desconstrução do conceito e da realidade de agricultura familiar ou campesina, acumulado pelos movimentos e por uma enorme luta política da agricultura familiar.
Frei Rodrigo Péret, ofm

terça-feira, 19 de março de 2013

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO


Queridos irmãos e irmãs!
Agradeço ao Senhor por poder celebrar esta Santa Missa de início do ministério petrino na solenidade de São José, esposo da Virgem Maria e patrono da Igreja universal: é uma coincidência densa de significado e é também o onomástico do meu venerado Predecessor: acompanhamo-lo com a oração, cheia de estima e gratidão.
Saúdo, com afeto, os Irmãos Cardeais e Bispos, os sacerdotes, os diáconos, os religiosos e as religiosas e todos os fiéis leigos. Agradeço, pela sua presença, aos Representantes das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, bem como aos representantes da comunidade judaica e de outras comunidades religiosas. Dirijo a minha cordial saudação aos Chefes de Estado e de Governo, às Delegações oficiais de tantos países do mundo e ao Corpo Diplomático.
Ouvimos ler, no Evangelho, que «José fez como lhe ordenou o anjo do Senhor e recebeu sua esposa» (Mt 1, 24). Nestas palavras, encerra-se já a missão que Deus confia a José: ser‘custos’, guardião. Guardião de quem? De Maria e de Jesus, mas é uma guarda que depois se alarga à Igreja, como sublinhou o Beato João Paulo II: «São José, assim como cuidou com amor de Maria e se dedicou com empenho jubiloso à educação de Jesus Cristo, assim também guarda e protege o seu Corpo místico, a Igreja, da qual a Virgem Santíssima é figura e modelo»(Exortação Apostólica Redemptoris Custos, 1).
Como realiza José esta guarda? Com discrição, com humildade, no silêncio, mas com uma presença constante e uma fidelidade total, mesmo quando não consegue entender. Desde o casamento com Maria até ao episódio de Jesus, aos doze anos, no templo de Jerusalém, acompanha com solicitude e amor cada momento. Permanece ao lado de Maria, sua esposa, tanto nos momentos serenos como nos momentos difíceis da vida, na ida a Belém para o recenseamento e nas horas ansiosas e felizes do parto; no momento dramático da fuga para o Egito e na busca preocupada do filho no templo; e depois na vida quotidiana da casa de Nazaré, na carpintaria onde ensinou o ofício a Jesus.
Como vive José a sua vocação de guardião de Maria, de Jesus, da Igreja? Numa constante atenção a Deus, aberto aos seus sinais, disponível mais ao projeto d’Ele que ao seu. E isto mesmo é o que Deus pede a David, como ouvimos na primeira Leitura: Deus não deseja uma casa construída pelo homem, mas quer a fidelidade à sua Palavra, ao seu desígnio; e é o próprio Deus que constrói a casa, mas de pedras vivas marcadas pelo seu Espírito. E José é «guardião», porque sabe ouvir a Deus, deixa-se guiar pela sua vontade e, por isso mesmo, se mostra ainda mais sensível com as pessoas que lhe estão confiadas, sabe ler com realismo os acontecimentos, está atento àquilo que o rodeia, e toma as decisões mais sensatas. Nele, queridos amigos, vemos como se responde à vocação de Deus: com disponibilidade e prontidão; mas vemos também qual é o centro da vocação cristã: Cristo. Guardemos Cristo na nossa vida, para guardar os outros, para guardar a criação!
Entretanto a vocação de guardião não diz respeito apenas a nós, cristãos, mas tem uma dimensão antecedente, que é simplesmente humana e diz respeito a todos: é a de guardar a criação inteira, a beleza da criação, como se diz no livro de Gênesis e nos mostrou São Francisco de Assis: é ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos. É guardar as pessoas, cuidar carinhosamente de todas elas e cada uma, especialmente das crianças, dos idosos, daqueles que são mais frágeis e que muitas vezes estão na periferia do nosso coração. É cuidar uns dos outros na família: os esposos guardam-se reciprocamente, depois, como pais, cuidam dos filhos, e, com o passar do tempo, os próprios filhos tornam-se guardiões dos pais. É viver com sinceridade as amizades, que são um mútuo guardar-se na intimidade, no respeito e no bem. Fundamentalmente tudo está confiado à guarda do homem, e é uma responsabilidade que nos diz respeito a todos. Sede guardiões dos dons de Deus!
E quando o homem falha nesta responsabilidade, quando não cuidamos da criação e dos irmãos, então encontra lugar a destruição e o coração fica ressequido. Infelizmente, em cada época da história, existem «Herodes» que tramam desígnios de morte, destroem e deturpam o rosto do homem e da mulher.
Queria pedir, por favor, a quantos ocupam cargos de responsabilidade em âmbito econômico, político ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos «guardiões» da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo! Mas, para «guardar», devemos também cuidar de nós mesmos. Lembremo-nos de que o ódio, a inveja, o orgulho sujam a vida; então guardar quer dizer vigiar sobre os nossos sentimentos, o nosso coração, porque é dele que saem as boas intenções e as más: aquelas que edificam e as que destroem. Não devemos ter medo de bondade, ou mesmo de ternura.
A propósito, deixai-me acrescentar mais uma observação: cuidar, guardar requer bondade, requer ser praticado com ternura. Nos Evangelhos, São José aparece como um homem forte, corajoso, trabalhador, mas, no seu íntimo, sobressai uma grande ternura, que não é a virtude dos fracos, antes pelo contrário denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro, de amor. Não devemos ter medo da bondade, da ternura!
Hoje, juntamente com a festa de São José, celebramos o início do ministério do novo Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, que inclui também um poder. É certo que Jesus Cristo deu um poder a Pedro, mas de que poder se trata? À tríplice pergunta de Jesus a Pedro sobre o amor, segue-se o tríplice convite: apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas. Não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio Papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz; deve olhar para o serviço humilde, concreto, rico de fé, de São José e, como ele, abrir os braços para guardar todo o Povo de Deus e acolher, com afeto e ternura, a humanidade inteira, especialmente os mais pobres, os mais fracos, os mais pequeninos, aqueles que Mateus descreve no Juízo final sobre a caridade: quem tem fome, sede, é estrangeiro, está nu, doente, na prisão (cf. Mt 25, 31-46). Apenas aqueles que servem com amor capaz de proteger.
Na segunda Leitura, São Paulo fala de Abraão, que acreditou «com uma esperança, para além do que se podia esperar» (Rm 4, 18). Com uma esperança, para além do que se podia esperar! Também hoje, perante tantos pedaços de céu cinzento, há necessidade de ver a luz da esperança e de darmos nós mesmos esperança. Guardar a criação, cada homem e cada mulher, com um olhar de ternura e amor, é abrir o horizonte da esperança, é abrir um rasgo de luz no meio de tantas nuvens, é levar o calor da esperança! E, para o crente, para nós cristãos, como Abraão, como São José, a esperança que levamos tem o horizonte de Deus que nos foi aberto em Cristo, está fundada sobre a rocha que é Deus.
Guardar Jesus com Maria, guardar a criação inteira, guardar toda a pessoa, especialmente a mais pobre, guardarmo-nos a nós mesmos: eis um serviço que o Bispo de Roma está chamado a cumprir, mas para o qual todos nós estamos chamados, fazendo resplandecer a estrela da esperança: Guardemos com amor aquilo que Deus nos deu!
Peço a intercessão da Virgem Maria, de São José, de São Pedro e São Paulo, de São Francisco, para que o Espírito Santo acompanhe o meu ministério, e, a todos vós, digo: rezai por mim! Amém.
Praça de São Pedro – Terça-feira, 19 de março de 2013 – Solenidade de São José

sábado, 16 de março de 2013

A igreja não funciona mais, é preciso que seja reformada, diz cardeal Hummes

"Certamente, para o papa, o nome é todo esse programa. Hoje, a igreja precisa, de fato, de uma reforma em todas as suas estruturas. Organizar a vida da igreja, a Cúria Romana, de que tanto se falou e que precisa urgente e estruturalmente ser reformada, isso é pacífico entre nós. Será uma obra gigantesca. Não porque seja uma estrutura gigantesca, mas por um mundo de dificuldades que há dentro de uma estrutura como essa, que foi crescendo nos últimos séculos. Alguém disse já que a escolha do nome Francisco já é uma encíclica, não precisa nem escrever", afirma D. Cláudio Hummes, cardeal-arcebispo emérito de São Paulo e ex-prefeito da Congregação para o Clero, em entrevista concedida a Fabiano Maisonave e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-03-2013.
Segundo o cardeal, "não é só da Cúria (que precisa ser mudada), são muitas outras coisas: o nosso jeito de fazer missa, de fazer evangelização, essa nova evangelização precisa de novos métodos. O papa falou no encontro com os cardeais sobre novos métodos".
E o cardeal brasileiro continua: "Se falou sobretudo da Cúria Romana, que precisa ser reforçada estruturalmente. É muito grande, mas tudo isso precisa de um estudo, a gente não tem muitas coordenadas. Muitos dizem que é grande demais, que foi feito um puxadinho aqui, um puxadinho lá, mais uma sala aqui, mais uma comissão lá, mas essa aqui não tem suficiente prestígio.... Essas coisas todas que acontecem numa estrutura dessas. A igreja não funciona mais. Toda essa questão que aconteceu ultimamente mostra como ela não funciona. E depois, uma vez feito esse novo desenho, você tem de procurar as pessoas adaptadas para ocuparem esses cargos, esses serviços".
Perguntado se o fato da formação do papa Francisco ter ocorrido longe de Roma e dizer-se que não gostava de vir a Roma, contribuiu para a sua eleição, D. Cláudio responde: "Não sei se contribui para a sua escolha, mas contribui agora, que ele é papa, a ser mais independente, a ser uma visão mais objetiva. É muito diferente ver um jogo da arquibancada e ver um jogo jogando futebol".
FONTE: IHU

sexta-feira, 15 de março de 2013

Assembleia sobre mineração no Fórum Social Mundial 2013


O SINFRAJUPE (Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia), e outras redes internacionais estarão promovendo uma assembleia sobre a mineração, seus impactos e as lutas contra as mineradoras, no Fórum Social Mundial 2013, na Tunísia.

Como temos testemunhado no passado recente, a indústria extrativa no setor de mineração está invadindo nossas comunidades, cavando buracos em todo o mundo com o propósito de promover a criação e a concentração de riqueza e poder. Os impactos da mineração estão afetando comunidades, trabalhadores, territórios indígenas, pequenos agricultores, mulheres e meio ambiente, entre outros. A indústria está fazendo tudo isso com um completo desrespeito aos povos e a todas as formas de vida. Organizações e pessoas de diferentes regiões do mundo estarão presentes neste evento que é uma boa oportunidade para todos nós reunirmos  para trocar informações, avaliar nossas afinidades e avaliar as perspectivas tanto em relação a  algumas campanhas comuns ou para estabelecer um sistema de troca de informações. Estamos chamando uma Assembleia de Mineração em 30 de março, na Tunísia, no contexto do FSM.

Entidades que estão promovendo: International Alliance on Natural Resources in Africa, Peoples´ Dialogue Africa-Latin America, Anternatives International Canada, Serviço Inter-Franciscano de Justiça Paz e Ecologia, Alternatives Forum in Morocco

domingo, 3 de março de 2013

A primavera da Igreja. Artigo do teologo Hans Küng

Se o próximo conclave eleger um papa que irá seguir em frente pelo mesmo velho caminho, a Igreja nunca conhecerá uma nova primavera: ao contrário, precipitará em uma nova era glacial e correrá o perigo de se reduzir a uma seita cada vez mais irrelevante.

A opinião é do teólogo suíço Hans Küng, professor emérito da Universidade de TübingenAlemanha, e autor do livro A Igreja tem salvação? São Paulo, Paulus, 2012. O texto foi publicado no jornal La Repubblica, 02-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Foi só no século XI que uma "revolução de cima", a Reforma gregoriana iniciada pelo Papa Gregório VII, introduziu os três aspectos perdurantes do sistema católico: um papado centralista e absolutista, um clericalismo forçado e a obrigação do celibato para os padres e outros membros leigos do clero. Os esforços dos concílios reformadores do século XV, a Reforma Protestante do século XVI, o Iluminismo e a Revolução Francesa nos séculos XVII e XVIII, e o liberalismo do século XIX tiveram um sucesso apenas parcial. Até mesmo o Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965, foi freado pelo poder da Cúria.

Ainda hoje a Cúria, que na sua forma atual parece um produto do século XI, é o principal obstáculo a qualquer tentativa de reforma geral da Igreja Católica, a qualquer entendimento ecumênico sincero com as outras Igrejas cristãs e as outras religiões do mundo, e a qualquer atitude crítica construtiva com relação ao mundo moderno.

Em 2005, em uma das suas poucas iniciativas audazes, o Papa Bento XVI teve uma conversa amigável durante quatro horas com este que escreve, na sua residência de verão de Castel Gandolfo. Eu havia sido seu colega naUniversidade de Tübingen e também seu crítico mais severo. Por 22 anos, por causa da revogação da minha autorização ao ensino eclesiástico por ter criticado a infalibilidade papal, não tivemos o mínimo contato. 

Antes do encontro, decidimos colocar de lado as nossas divergências e discutir assuntos sobre os quais podíamos encontrar um entendimento: a relação positiva entre a fé cristã e a ciência, o diálogo entre religiões e civilizações, e o consenso ético entre fés e ideologias diversas.

Para mim, e para todo o mundo católico, aquele encontro foi um sinal de esperança. Infelizmente, porém, o pontificado de Bento XVI foi caracterizado por desastres e decisões equivocadas. O Papa Ratzinger irritou as Igrejas protestantes, os judeus, os muçulmanos, os índios, os latino-americanos, as mulheres, os teólogos reformistas e todos os católicos progressistas. 

Os grandes escândalos ocorridos durante o seu pontificado são bem conhecidos: o reconhecimento da Fraternidade São Pio X, a organização do arcebispo ultraconservador Marcel Lefebvre, ferozmente contrário ao Concílio Vaticano II, e do bispo negacionista Richard Williamson. Depois, houve os tantos abusos sexuais contra crianças e meninos perpetrados por membros do clero, dos quais o papa traz consigo graves responsabilidades por tê-los coberto quando era cardeal. E depois houve o caso Vatileaks que parece ser uma das razões que mais contribuíram para levar Bento XVI à renúncia.

O primeiro caso de renúncia papal em quase 700 anos revela a crise de fundo que incumbe há muito tempo sobre uma Igreja fossilizada. E agora o mundo inteiro se pergunta: o próximo papa, apesar de tudo, poderia conseguir inaugurar uma nova primavera para a Igreja Católica? As desesperadas necessidades da Igreja não podem ser ignoradas. Há uma catastrófica carência de padres na Europa, na América Latina e na África. Muitíssimas pessoas deixaram a Igreja ou fizeram uma "emigração interna", especialmente nos países industrializados. Por trás da fachada, o palácio está desmoronando.

Nessa dramática situação, a Igreja precisa de um papa que não viva intelectualmente na Idade Média, que não seja porta-bandeira de teologias, liturgias ou constituições da Igreja que remontem a essa época. Ela precisa de um papa aberto às problemáticas postas pela Reforma, pela modernidade. Um papa que defenda a liberdade da Igreja no mundo, não só distribuindo sermões, mas combatendo com as palavras e com os fatos pela liberdade e pelos direitos humanos dentro da Igreja, para os teólogos, para as mulheres, para todos os católicos que querem expressar a verdade abertamente. 

Um papa que não force mais os bispos a se submeterem a uma linha reacionária, que ponha em prática uma democracia verdadeira na Igreja, modelada sobre a do cristianismo dos albores. Um papa que não se deixe influenciar por um "papa-sombra" situado no Vaticano, como será Bento XVI com os seus fiéis seguidores.

O país de origem do novo papa realmente não tem muita importância. Infelizmente, desde os tempos de João Paulo II, está em uso um questionário para forçar todos os bispos a seguir a doutrina oficial da Igreja Católica sobre as questões controversas, um procedimento selado por um voto de obediência incondicional ao papa. Até agora, com relação a isso, não houve nenhuma dissidência pública entre os bispos. No entanto, a hierarquia católica está consciente da distância que a separa das pessoas comuns sobre questões importantes. 

Em uma recente pesquisa na Alemanha, constatou-se que 85% dos católicos são favoráveis a eliminar o celibato dos padres, 79% são favoráveis a permitir que as pessoas divorciadas possam se casar novamente na Igreja, e 75% são favoráveis ao sacerdócio feminino. Em muitos outros países, provavelmente, as porcentagens são similares.

Essas problemáticas devem ser discutidas publicamente, antes e durante o conclave, sem amordaçar os cardeais, como aconteceu em 2005, para mantê-los na linha. Eu, que sou o último teólogo ainda em atividade (além de Bento XVI) que fez parte do Concílio Vaticano II, me pergunto se não haverá no início do conclave, assim como aconteceu no início do Concílio, um grupo de cardeais corajosos dispostos a enfrentar abertamente a facção intransigente da Igreja e exigir um candidato que esteja disposto a se aventurar por caminhos novos, talvez com um novo Concílio reformador ou, melhor ainda, com uma assembleia representativa de bispos, padres e pessoas comuns? 

Se o próximo conclave eleger um papa que irá seguir em frente pelo mesmo velho caminho, a Igreja nunca conhecerá uma nova primavera: ao contrário, precipitará em uma nova era glacial e correrá o perigo de se reduzir a uma seita cada vez mais irrelevante.
FONTE: IHU