segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Leonardo Boff - Mínima Teológica: Em memória dos mortos de Santa Maria

Leonardo Boff em memória dolorida e esperançosa dos jovens mortos em Santa Maria na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013


Os antigos já diziam:”vivere navigare est” quer dizer, “viver é fazer uma viagem”, curta para alguns, longa para outros. Toda viagem comporta riscos, temores e esperanças. Mas o barco é sempre atraído por um porto que o espera lá no outro lado.
Parte o barco mar adentro. Os familiares e amigos da praia acenam e o acompanham. E ele vai lentamente se distanciando. No começo é bem visível. Mas na medida em que segue seu rumo parece aos olhos cada vez menor. No fim é apenas  um ponto. Um pouco mais e mais um pouco desaparece no horizonte. Todos dizem: Pronto! Partiu!
Não  foi tragado pelo mar. Ele está lá, embora não seja mais visível. E segue seu rumo.
O barco não foi feito para ficar ancorado e seguro na praia. Mas para navegar, enfrentar ondas, vencê-las e chegar ao destino.
Os que ficaram na praia não rezam: Senhor, livra-os das ondas perigosas, mas dê-lhe, Senhor, coragem para enfrenta-las e ser mais forte que elas.
O importante é saber que do outro lado há um porto seguro. Ele está sendo esperado. O barco está se aproximando. No começo  é apenas um ponto levemente acima do mar. Na medida em que se aproxima é visto cada vez maior. E quando chega, é admirado em toda a sua dimensão.
Os do porto dizem: Pronto! Chegou! E vão ao encontro do passageiro, o abraçam e o beijam. E se alegram porque fez uma travessia feliz. Não perguntam pelos temores que teve nem pelos riscos que quase o afogaram. O importante é que chegou apesar de todas as aflições. Chegou ao porto feliz.
 Assim é com todos os que morrem.  O decisivo não é sob que condições partiram e saíram deste mar da vida, mas como chegaram e o fato de que finalmente chegaram. E quando chegam, caem, bem-aventurados, nos braços de Deus-Pai-e-Mãe de infinita bondade para o abraço infinito da paz. Ele os esperava com saudades, pois são seus filhos e filhas queridos  navegando fora de casa.
 Tudo passou. Já não precisam mais navegar, enfrentar ondas e vencê-las.  Alegram-se por estarem em casa,  no Reino da vida sem fim. E assim viverão para sempre pelos séculos dos séculos.
FONTE: LEONARDO BOFF 


domingo, 27 de janeiro de 2013

JUFRA Dom Hélder Camara

Hoje às 10hs, na Igreja de Fátima, o compromisso dos jovens e a fundação da JUFRA (Juventude Franciscana) de Uberlândia (MG). O nome escolhido para essa fraternidade é Dom Hélder Camara. Uma homenagem e um compromisso com a profecia e a construção de uma Igreja dos Pobres, à serviço da Justiça, Paz e Ecologia.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Cúpula dos Povos da América Latina, o Caribe e Europa


Iniciou nesta sexta dia 25 janeiro de 2013 em Santiago do Chile, a "Cúpula dos Povos da América Latina, Caribe e Europa: Para a justiça social, a solidariedade internacional e da soberania do povo". 
Esse é um evento paralelo a dois outroso, que acontecem nos dias 26 e 27 de janeiro em Santiago: a primeira Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) com a União Europeia (UE), e a partir da tarde de 27 até 28 de janeiro  a primeira reunião de cúpula da Celac.
A Cúpula dos Povos, por sua vez, acontece até domingo (27) na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Chile, abordará problemáticas referentes ao desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente, o respeito às comunidades indígenas e assuntos sociais como a saúde, educação e aspectos trabalhistas. O evento está orientado à justiça social e ambiental, a solidariedade e unidade entre as nações e os povos latino-americanos e europeus, a defesa dos bens comuns e contra a mercantilização da natureza e da vida.



quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Dom Balduino sugere oração e jejum contra poder de Kátia Abreu


Apreensão no campo
Por Dom Tomás Balduino, na Folha, via MST (artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 23-01-2013).
Lideranças camponesas e indígenas estão apreensivas com o poder da senadora por sua atuação na demarcação de terras no Brasil
Eis o quadro: o pequeno agricultor Juarez Vieira foi despejado de sua terra, em 2002, no município tocantinense de Campos Lindos, por 15 policiais em manutenção de posse acionada por Kátia Abreu. Juarez desfilou, sob a mira dos militares, com sua mulher e seus dez filhos, em direção à periferia de alguma cidade.
O caso acima não é isolado. O governador Siqueira Campos decretou de “utilidade pública”, em 1996, uma área de 105 mil hectares em Campos Lindos. Logo em 1999, uns fazendeiros foram aí contemplados com áreas de 1,2 mil hectares, por R$ 8 o hectare. A lista dos felizardos fora preparada pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins, presidida por Kátia Abreu (PSD-TO), então deputada federal pelo ex-PFL.
O irmão dela Luiz Alfredo Abreu conseguiu uma área do mesmo tamanho. Emiliano Botelho, presidente da Companhia de Promoção Agrícola, ficou com 1,7 mil hectares. Juarez não foi o único injustiçado. Do outro lado da cerca, ficaram várias famílias expulsas das terras por elas ocupadas e trabalhadas havia 40 anos. Uma descarada grilagem!
Campos Lindos, antes realmente lindos, viraram uma triste monocultura de soja, com total destruição do cerrado para o enriquecimento de uma pequena minoria. No Mapa da Pobreza e Desigualdade divulgado em 2007, o município apareceu como o mais pobre do país. Segundo o IBGE, 84% da população viviam na pobreza, dos quais 62,4% em estado de indigência.
Outro irmão da senadora Kátia Abreu, André Luiz Abreu, teve sua empresa envolvida na exploração de trabalho escravo. A Superintendência Regional de Trabalho e Emprego do Tocantins libertou, em áreas de eucaliptais e carvoarias de propriedade dele, 56 pessoas vivendo em condições degradantes, no trabalho exaustivo e na servidão por dívida.
Com os povos indígenas do Brasil, Kátia Abreu, senadora pelo Estado do Tocantins e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), tem tido uma raivosa e nefasta atuação.
Com efeito, ela vem agindo junto ao governo federal para garantir que as condicionantes impostas pelo Supremo no julgamento da demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol sejam estendidas, de qualquer forma, aos demais procedimentos demarcatórios.
Com a bancada ruralista, ela pressionou a Advocacia-Geral da União (AGU), especialmente o ministro Luís Inácio Adams. Prova disso foi a audiência na AGU, em novembro de 2011, na qual entregou, ao lado do senador Waldemir Moka (PMDB-MS), documento propondo a criação de norma sobre a demarcação de terras indígenas em todo o país.
O ministro Luís Adams se deixou levar e assinou a desastrosa portaria nº 303, de 16/7/12. Kátia Abreu, ao tomar conhecimento desse ato, desabafou exultante: “Com a nova portaria, o ministro Luís Adams mostrou sensibilidade e elevou o campo brasileiro a um novo patamar de segurança jurídica”.
Até mesmo com relação à terra de posse imemorial do povo xavante de Marãiwatsèdè, ao norte do Mato Grosso, que ganhou em todas as instâncias do Judiciário o reconhecimento de que são terras indígenas, Kátia Abreu assinou nota, como presidente da CNA, xingando os índios de “invasores”.
Concluindo, as lideranças camponesas e indígenas estão muito apreensivas com o estranho poder econômico, político, classista, concentracionista e cruel detido por essa mulher que, segundo dizem, está para ser ministra de Dilma Rousseff. E se perguntam: “Não é isso o Poder do Mal?” No Evangelho, Jesus ensinou aos discípulos a enfrentar o Poder do Mal, recomendando-lhes: “Esta espécie de Poder só se enfrenta pela oração e pelo jejum” (Cf. Mt 17,21).
PAULO BALDUINO DE SOUSA DÉCIO, o dom Tomás Balduino, 90, mestre em teologia, é bispo emérito da cidade de Goiás e conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra
FONTE: VI O MUNDO

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Julgamento dos acusados pela Chacina de Unaí será em fevereiro


Em 28 de janeiro de 2004, quatro servidores do Ministério do Trabalho três fiscais e um motorista foram assassinados em uma emboscadaA juíza da 9ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG), Raquel Vasconcelos Alves de Lima, responsável pela ação penal do caso conhecido como Chacina de Unaí, assumiu semana passada o compromisso de marcar em fevereiro a data do julgamento dos acusados pelo crime que completa nove anos no próximo dia 28 de janeiro. O compromisso foi firmado por telefone em contato feito pelo corregedor nacional de Justiça interino, Jefferson Kravchychyn.
A conversa entre os dois foi motivada por um pedido do Ministério Público Federal (MPF) ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o julgamento ocorra o mais rapidamente possível. O CNJ já vinha acompanhando o caso por meio do programa Justiça Plena, que tem como objetivo garantir a efetividade e a celeridade da prestação jurisdicional. Para o MPF, não há entrave algum no processo que impeça a realização do júri.
Essa é a mesma opinião do deputado Nilmário Miranda (PT-MG), que à época do crime era secretário de Direitos Humanos da Presidência da República. “Não há motivo jurídico plausível para essa demora, já que todas as manobras protelatórias foram encerradas. Não vejo razão para adiar o julgamento de um caso tão emblemático, que significou um atentado contra o Estado e contra a própria lei”, avalia o deputado.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Unesco concede prêmio a Frei Betto por contribuição para a paz e a justiça social

O frade dominicano brasileiro Frei Betto, expoente da teologia da libertação, ganhou nesta sexta-feira o prêmio Unesco/José Martí 2013, anunciou a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Alex Rodrigues Repórter da Agência Brasil

A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) concedeu ao escritor e assessor de movimentos sociais Frei Betto o Prêmio Internacional José Martí. Em nota, a Unesco informou que Frei Betto foi escolhido por um júri internacional por sua contribuição à justiça social, aos direitos humanos e à construção de uma cultura de paz universal e por sua oposição a todas as formas de discriminação, injustiça e exclusão.
“Me dá muita alegria, mas reconheço que este não é um prêmio à minha pessoa, e sim a todos os movimentos sociais e comunidades com que eu venho trabalhando ao longo de décadas pela paz, justiça e direitos humanos. Eu sou apenas um grão de areia numa enorme praia que converge na direção dessas três bandeiras que constituem a maior ansiedade da humanidade”, disse à Agência Brasil Frei Betto, destacando a importância de, segundo ele, ter sido escolhido por unanimidade do júri. “Eu nem sabia que meu nome tinha sido indicado até ser [extraoficialmente] informado de que eu havia ganho o prêmio”,disse ele, que recebeu hoje (11) o e-mail oficial da Unesco.
Frei Betto disse desconhecer quem eram os outros indicados ao prêmio, cujos nomes não foram divulgados pela Unesco.
Criado em 1994, por iniciativa do governo de Cuba, o prêmio tem o objetivo de recompensar as organizações ou pessoas que desenvolvam ações que reflitam os ideais do herói da Independência Cubana, José Martí, um defensor da união dos países da América Latina e do Caribe. A distinção também é concedida a quem tenha contribuído para a preservação da identidade, tradição cultural e valores históricos das nações latino-americanas e caribenhas.
A sexta edição do prêmio de US$ 5 mil, financiado por Cuba, coincide com as comemorações do 160º aniversário de nascimento de José Martí. A cerimônia de premiação está marcada para o dia 28 deste mês, em Havana. "Faço questão de ir a Cuba para receber este prêmio pessoalmente", comentou Frei Betto.
A cada edição, os nomeados são indicados pelos governos dos Estados membros da Unesco e pelas organizações não overnamentais (ONGs) que colaboram com a organização. O último ganhador,antes de Betto, foi o escritor argentino Atilio Borón.
Nascido em Belo Horizonte, em 1944, Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, é autor de mais de 50 livros traduzidos para vários idiomas. O mais conhecido deles, Batismo de Sangue, venceu o Prêmio Jabuti de 1982, na categoria biografia/memórias. Militante da chamada Teologia da Libertação, movimento de caráter religioso-político surgido na América Latina na década de 1950, Betto participou de vários movimentos pastorais e sociais.
Por sua atuação política, foi preso duas vezes durante o regime militar (1964-1985), chegando a passar quatro anos detido. Entre 2003 e 2004 foi assessor especial do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Também foi coordenador de mobilização social do programa Fome Zero.
Fonte: Repórter da Agência Brasi - Edição: Nádia Franco

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Freira integrante da CPT sofre tentativa de homicídio

Irmã Ângela de Matos, de 71 anos, teria sido mantida em cárcere privado por mais de 36 horas em sua casa, na cidade de Santa Fé, norte do Tocantins. Membro da CPT Araguaia-Tocantins, a religiosa teve os pulsos e tórax feridos pelo agressor e também sofreu tentativa de homicídio, segundo informações da Polícia Civil. Ela conseguiu pedir ajuda aos vizinhos na manhã desta segunda-feira, 7 de janeiro, após o agressor deixar sua casa.

 * Com informações do Jornal do Tocantins
A freira teria sido abordada por um homem na rua que a seguiu até sua a residência e fugiu pelo telhado, sem levar nada, após dias de cativeiro.
A Polícia Civil informou que não pode apontar a ligação de Irmã Ângela com a CPT como motivação para o crime e devido também à confusão dos fatos narrados pela freira, todas as hipóteses serão investigadas.
Irmã Ângela tem participado das pastorais sociais da Igreja desde o início dos anos 70, particularmente no Espírito Santo, no Mato Grosso e no Tocantins onde colaborou como agente voluntária e conselheira regional da Comissão Pastoral da Terra, sempre assumindo posturas corajosas na defesa e promoção dos direitos dos mais pobres. Nos últimos meses, apesar de uma saúde bastante debilitada, Irmã Ângela tem permanecido fiel à esta missão libertadora.
A religiosa passa bem e deve prestar depoimento assim que receber alta médica.
FONTE: CPT NACIONAL

O agronegócio e o abismo agrário-ambiental. Entrevista especial com Gerson Teixeira

“A sedução e a rendição política aos quase 100 bilhões de dólares em exportações geradas pelo agronegócio poderão levar o Brasil a cenários sombrios de um ‘abismo agrário-ambiental’ já em curso”, lamenta o engenheiro agrônomo. 

Confira a entrevista. 


Uma breve retrospectiva política é suficiente para compreender o esvaziamento do Incra e a recente proposta da presidente Dilma Rousseff, de descentralizar as atuais atividades da instituição para melhorar a infraestrutura dos atuais assentamentos, diz Gerson Teixeira à IHU On-Line. Na avaliação do governo, não é preciso criar novos assentamentos, mas melhorar a infraestrutura dos já existentes. Sobre a possibilidade, o ex-presidente presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA é enfático: “Quem ouviu ou leu o discurso surrado de que importa doravante a qualidade dos assentamentos, sugiro que adote a recomendação da presidenta Dilma em relação aos discursos de que os raios são as causas dos apagões. Ria!”.

Segundo ele, depois de 2002, após receber propostas para dar continuidade à reforma agrária, “um processo político interno” do PT “‘tratorou’ a proposta, e naquele momento já foi possível antecipar o futuro da ‘reforma agrária’”. Para ele, a renúncia à reforma agrária teve como propósito “impedir qualquer movimento sobre temas sensíveis aos ruralistas. Isso ocorreu por temor infundado de riscos para a base do governo no intuito de evitar qualquer sinal que pudesse ser interpretado como intimidatório ao avanço do agronegócio que praticamente se constitua no único setor superavitário na balança comercial do país”.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Teixeira lamenta a posição do governo federal e enfatiza que a medida de descentralizar as atividades do Incra “serve para desviar o foco da questão central da política agrária”. E esclarece: “Os municípios e, em especial, os menores, além de objeto dos fortes controles das oligarquias rurais (que obviamente não morrem de amores pela reforma agrária), não dispõem de estrutura e capacidade de gestão para responderem adequadamente às suas próprias atribuições originárias. Além disso, muitos desses municípios acham-se impedidos de receber verbas do governo federal, no caso, em função de problemas com convênios, passivos previdenciários etc.” 

Gerson Teixeira é engenheiro agrônomo, especialista em desenvolvimento agrícola pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ, e doutorando em Teoria Econômica pela Universidade de Campinas – UNICAMP. É ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – A presidente Dilma propõe descentralizar as atividades do Incra e, a partir de investimentos do PAC – Equipamentos, e pretende fornecer equipamentos para municípios de até 50 mil habitantes realizarem melhorias nos assentamentos da reforma agrária. Como vê essa proposta?

Gerson Teixeira 
– O anúncio da medida, com a ênfase dada à sua suposta virtude, serve para desviar o foco da questão central da política agrária, na atualidade, sobre a qual pretendemos comentar adiante. Em tese, claro que é positiva uma maior cooperação federativa para o atendimento das necessidades de infraestrutura dos assentamentos de reforma agrária. A articulação operacional da União com os municípios nessa área já ocorre, porém sob o comando do Incra. A mudança, conforme se comenta, seria a supressão desse comando com a redução do papel do Incra (ou Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, quem sabe?) a mero repassador dos recursos.

Não obstante, quando confrontada com a realidade são remotas as chances de eficácia da proposta de municipalização dessa atividade do governo federal. Veja que a cobrança e a fiscalização do Imposto Territorial Rural – ITR foram transferidas para os municípios pela lei n. 11.250/2005. Essa definição também foi defendida pelo seu suposto conteúdo de racionalidade da gestão tributária e articulação federativa. No entanto, o que esteve por trás da decisão foi o empenho da SRF de se livrar dessas atribuições por julgar o ITR como um “imposto podre”, dada a sua baixa expressão fiscal. Resultado: em 2003, a arrecadação do ITR, ainda que pífia como sempre, equivaleu a 0,112% das receitas administradas pela SRF. Em 2011, portanto, anos após o início da municipalização do ITR, essa relação caiu para 0,062%. Ou seja, na comparação entre os exercícios, a arrecadação do ITR sofreu uma redução proporcional de 44%.

Os municípios, em especial, os menores, além de objeto dos fortes controles das oligarquias rurais (que obviamente não morrem de amores pela reforma agrária), não dispõem de estrutura e capacidade de gestão para responderem adequadamente às suas próprias atribuições originárias. Além disso, muitos desses municípios acham-se impedidos de receber verbas do governo federal, no caso, em função de problemas com convênios, passivos previdenciários etc.

Na verdade, enquanto no caso do ITR o governo federal visou se livrar de um imposto indesejável, neste outro, junto com as demais medidas divulgadas pela imprensa, é possível que ele – o governo – vise se livrar de uma instituição indesejável: o Incra. Em entrevista anterior à IHU On-Line comentei sobre as severas dificuldades de gestão da autarquia.

IHU On-Line – O Incra está transferindo para outras instituições públicas as tarefas de construir casas e levar água e energia elétrica às famílias assentadas, assim como irá transferir a seleção das famílias a serem beneficiadas pelo programa de reforma agrária. O que isso sinaliza em relação ao futuro da instituição? 

Gerson Teixeira 
– Esta questão está relacionada à anterior obedecendo à mesma lógica. Igualmente, a transferência dessas ações não visa um esforço de complementariedade institucional para dar musculatura ao processo de reforma agrária e, sim, os propósitos desestruturantes do conjunto da obra. O que se ouve é que muitas atribuições do Incra serão transferidas para o MDS (e operadas por várias instituições), posto que na concepção reducionista adotada de reforma agrária esta passaria a integrar o programa Brasil Sem Miséria. Óbvio que esse programa é relevante na perspectiva da mitigação da miséria, mas não ataca as causas da pobreza. E agora, ao enquadrar a reforma agrária nesses limites, o governo neutraliza uma das principais reformas capazes de romper com as causas estruturais da pobreza e das desigualdades em geral no Brasil. 

IHU On-Line – Pode-se dizer que mudou o foco de ação do Incra? Em que sentido? 

Gerson Teixeira 
– Há muito tempo o Incra sofre processo de esvaziamento, o que tem sido consequência natural da condição periférica da reforma agrária na agenda do país. Nos últimos anos, mais notadamente a partir do programa governamental Terra Legal, que passou a legitimar áreas públicas ocupadas na Amazônia, vem sendo tentada uma transição institucional que projeta as ações de regularização fundiária como o núcleo da missão do Incra. Creio que, confirmadas as medidas setoriais divulgadas recentemente pela imprensa, a tendência será a de consolidação desse processo.

IHU On-Line – Pode explicar? Quais as posições políticas que favoreceram esse esvaziamento?

Gerson Teixeira
 – Façamos uma rápida recuperação da política agrária nos anos recentes e das suas tendências atuais e, subjacente, teremos ideia sobre o destino do Incra. Inicio com um episódio político no PT, do qual tive participação.

Após o Encontro Nacional do Partido, de 2000, em Recife/Olinda, e até parte de 2002, a Secretaria Agrária Nacional do PT esteve com uma coordenação da qual fiz parte. Nesse período, com a intensa participação das entidades de trabalhadores rurais, elaboramos e submetemos ao Partido uma proposta de programa de governo Lula para a agricultura e a reforma agrária. Previa avanços importantes para a reforma agrária, no plano institucional, de modo a estimular as lutas sociais que experimentavam momento de vigor. Em que pese os avanços pretendidos, a proposta de programa de governo estava calibrada para o contexto da adversidade da correlação de forças para evitar maiores problemas ao governo junto dos setores conservadores. Um processo político interno “tratorou” a proposta, e naquele momento já foi possível antecipar o futuro da “reforma agrária”. Prevaleceu o documento Vida Digna no Campo cujo texto foi um filtro minimalista da proposta da Secretaria Agrária.

Assim, por razões que não vem ao caso no momento, de 2003 a 2010 o programa de reforma agrária, ou melhor: a política de assentamentos reativa aos conflitos, teve desempenho muito aquém até daquele previsto no Vida Digna. Renunciou-se à política para impedir qualquer movimento sobre temas sensíveis aos ruralistas. Isto ocorreu por temor infundado de riscos para a base do governo no intuito de evitar qualquer sinal que pudesse ser interpretado como intimidatório ao avanço do agronegócio que praticamente se constitua no único setor superavitário na balança comercial do país. Resultado: o agronegócio ampliou a sua hegemonia; as lutas sociais entraram em declínio, o que foi facilitado pelas ações de mitigação da pobreza. Foi integralmente mantido o aparato legal restritivo da democratização da terra. A Secretaria Agrária Nacional foi ‘fechada’ e o comando do Ministério do Desenvolvimento Agrário MDA entregue à corrente e quadros do PT sem qualquer tradição e acúmulo nessa temática. Para “compensar”, foi implementada importante política de inclusão da agricultura familiar nos instrumentos de fomento à produção, ainda que segundo estratégia de nivelamento às condições produtivas da agricultura do agronegócio.

IHU On-Line – Como analisar essa fase da política de assentamentos do período Lula com a anterior e com a do governo da presidente Dilma? 

Gerson Teixeira 
– No auge do neoliberalismo, o governo FHC tentou emplacar a reforma agrária de mercado, obviamente defendida pelos conservadores. Mas os movimentos sociais impediram que os instrumentos de compra e venda de terra viessem a prevalecer, e a intensidade das lutas obrigou o governo a obter terras e a executar projetos de assentamentos. Mas tudo em clima de permanente tensão política para intimidar as lutas e preservar os interesses do latifúndio.

A partir de 2003 até 2010, o boom dos preços internacionais das commodities agrícolas elevou a hegemonia do agronegócio, no Brasil, para níveis tendencialmente absolutos. isso foi facilitado pelo importante recuo das lutas pela terra, fato curiosamente determinado pelas relações históricas dos movimentos com o PT e com o presidente Lula, e pelos efeitos das políticas sociais.

Com FHC tivemos “muito pau e pouca prosa” e os limites da política de assentamentos decorriam, ainda, do poder do latifúndio. O período Lula foi marcado por “muita prosa e pouco pau”, e o desempenho da política de assentamentos foi limitado pelo poder do agronegócio.

A trajetória dessa “evolução” nos levou ao presente estágio onde parece que a política agrária não decorre mais de um produto do esforço político do governo para a contenção de conflitos sociais em proteção do latifúndio, ou para não criar empecilhos ao agronegócio. Ao que parece, na atualidade, onde temos “pouco pau e nenhuma prosa”, chegamos a um estágio em que a política agrária e a política ambiental passam a ser instrumentais à expansão do agronegócio. Perdeu o caráter de administração de conflitos e se transforma em instrumento do próprio agronegócio.

IHU On-Line – Pode explicar?

Gerson Teixeira
 – Considerando o tema agrário, é o que projeta a proposta de emancipação à força de assentamentos abandonados à própria sorte pelos poderes públicos, com a titulação dos respectivos lotes que envolvem milhões de hectares. Sugerida pela entidade máxima do agronegócio, a CNA, a proposta objetiva as condições para a transferência, para o mercado (agronegócio), dos milhões de hectares desses camponeses, o que reproduz as investidas dos ruralistas pela subtração dos territórios indígenas, quilombolas e das áreas protegidas em geral.

Da mesma forma, visa-se a garantia jurídica para a expansão do agronegócio na Amazônia com a proposta de legitimação, pelo Estado, das grandes áreas públicas “privatizadas (griladas) na marra” naquela região. Nesse caso, persegue-se uma versão ampliada e ainda mais flexível do programa Terra Legal. Isso seria feito mediante a regularização “de ofício” dos imóveis localizados às margens das rodovias federais na Amazônia. Pelas recomendações da CNA, o governo deverá, ainda, proceder à ratificação dos títulos das propriedades localizadas nas faixas de fronteiras, irregularmente feita pelos estados, e à simplificação do georreferenciamento dos imóveis. 

Portanto, é essa a política agrária que aparentemente se estrutura não mais para administrar conflitos sociais tidos como intimidatórios aos interesses do agronegócio, e sim para o atendimento direto dos interesses da sua expansão.

Em suma, creio que a sedução e a rendição política aos quase 100 bilhões de dólares em exportações geradas pelo agronegócio poderão levar o Brasil a cenários sombrios de um “abismo agrário-ambiental” já em curso. É inacreditável que não se perceba nenhuma área dentro do governo pensando em longo prazo e em estratégias, de fato, compatíveis com os interesses do Brasil. Quanto ao Incra, trata-se um mero instrumento dessa política. E quem ouviu ou leu o discurso surrado de que importa doravante a qualidade dos assentamentos, sugiro que adote a recomendação da presidenta Dilma em relação aos discursos de que os raios são as causas dos apagões. Ria!
FONTE:IHU

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A redenção do padre Júlio Lancelotti

Uma reportagem que dignifica o jornalismo e faz justiça ao padre Júlio Lancellotti, vítima da mais iníqua perseguição jornalística dos últimos anos. Padre exemplar, autor de uma obra humanística de valor incalculável, padre Júlio caiu nas malhas de um chantagista. A opinião é de Luis Nassif, jornalista, publicada em seu blog, 24-12-2012.

Eis o comentário.

"O clima de macartismo fez o restante. Foi alvo de achincalhes, ataques escabrosos produzidos pelo mais fétido esgoto que o jornalismo contemporâneo já se permitiu. Sua Casa, destinada a acolher crianças portadoras de HIV, perdeu financiadores, devido à escandalização do episódio. Não se deu ao padre Júlio sequer o benefício da dúvida. Não se pensou um minuto nos desassistidos amparados pela obra social do padre Júlio.

Inicialmente a Justiça absolveu os acusados, alegando falta de provas. Voltaram a atacar. Desta vez foram pilhados e condenados.

Os achincalhes da mídia a um homem digno, os ataques sem limites a um padre missionário, permanecerão impunes.

Haverá correção dos ataques sofridos? Jamais. O Conselho Nacional da Justiça (CNJ), sob a presidência de Ayres Britto, jamais incluiu as vítimas da imprensa como seu objetivo.

Reitero, mais do que nunca os termos da "Carta Aberta ao Ministro Ayres Britto", esperando que seu sucessor,Joaquim Barbosa, tenha um mínimo de sensibilidade em relação às vítimas desses pequenos e grandes assassinatos da mídia."

TJ condena casal que achacou padre Júlio

Chega ao fim a agonia do pastor dos excluídos. Aos 64 anos, toda a vida dedicada à missão tão inglória - a proteção ao pessoal da rua -, padre Júlio Renato Lancellotti resgata a paz que roga aos outros e agora se vê livre das ameaças morais que escreveram uma página infeliz de sua história.

A reportagem é de Fausto Macedo e foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 24-12-2012.

Na semana passada saiu publicado acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo mantendo sentença contra seu algoz, Anderson Marcos Batista - condenado a 7 anos, 3 meses e 3 dias por crime de extorsão, pena também aplicada à companheira dele, Conceição Eletério.

Foi o segundo golpe na honra do padre, em 11 de janeiro de 2011. Naquela manhã, eram 6h30, ele saía de casa, no Belém, quando Anderson o abordou. O rapaz não estava armado e não agrediu fisicamente o religioso, mas intimidou-o e dele exigiu dinheiro. "Vou te matar", avisou. Só se afastou quando padre Lancellotti embarcou em um táxi rumo à Paróquia São Miguel Arcanjo, na Mooca.

Nesse tempo, quase dois anos entre o ataque sofrido e a sentença judicial definitiva, ele manteve em segredo o seu drama. Temia a volta daquele inferno de maledicências e deboches, como na primeira provação, aqui e ali as histórias do missionário da fé que acolheu Anderson com outras intenções e até o sustentou por livre e espontânea vontade. Não fora exatamente assim em 2007, quando o acusado o extorquiu pela primeira vez e a Justiça o inocentou por falta de provas?

Assustado com o novo cerco, este de 2011, Lancellotti recorre ao amigo e advogado Luiz Eduardo Greenhalgh. "Vamos à polícia", orienta o causídico. Amargurado demais com os resultados da primeira investigação, que levou à absolvição de Anderson, o padre relutou. "Fui muito humilhado na delegacia."

Greenhalgh muda a estratégia e leva a demanda à mesa de Antonio Ferreira Pinto, então secretário da Segurança Pública do Estado. Sensibilizado, o chefe da polícia aciona o DHPP, sigla do famoso Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, reduto dos tiras experientes.

Joaquim Dias Alves, delegado perspicaz, foi escalado para conduzir o inquérito. Seu primeiro ato foi uma visita à Rua Irmã Carolina, onde mora o padre. Logo, percebeu que em um prédio próximo havia uma câmera de TV, dessas que registram os movimentos do entorno. As imagens confirmam o relato da vítima - Anderson aborda Lancellotti, faz gestos ameaçadores, a mão direita simula uma arma de fogo.

A investigação revela que os réus eram conhecidos da vítima em razão dos trabalhos de cunho social da Lancellotti. Segundo a polícia, antes da abordagem daquela manhã, Conceição ligou diversas vezes para o padre, solicitando uma "ajuda".

Foi requerida, e a Justiça ordenou, a prisão preventiva de Anderson, que acabou detido ocasionalmente, em uma briga em um ônibus. A primeira instância forense, 25.ª Vara Criminal da Capital, impôs a Anderson e a sua companheira a pena superior a 7 anos, em regime fechado.

A defesa apelou pela absolvição, alegando ao Tribunal de Justiça "insuficiência e fragilidade probatórias". Sustentou que não havia indícios das ameaças, como degravações telefônicas. O Ministério Público recorreu, pleiteando "afastamento da continuidade delitiva e fixação da sanção base acima do limite legal", pelo menos acima de 8 anos de reclusão. Greenhalgh, como assistente da acusação, requereu a condenação de Anderson também por tortura psicológica.

Fim da linha. A corte não atendeu nenhuma parte, mas a condenação acabou mantida nos termos iniciais. "Claras e irrefutáveis a autoria e a materialidade delitivas", assevera o desembargador Antonio Manssur, relator, acompanhado em seu voto por Guilherme Strenger e Maria Tereza do Amaral.

Destacou Manssur: "As negativas de autorias ofertadas pelos réus acabaram isoladas e dissociadas, nos autos, visto que as declarações da vítima e o depoimento da testemunha de acusação Joaquim Dias Alves, delegado de polícia que presidiu as investigações, são coerentes e harmônicos, descrevendo, de forma segura e convincente, sem deixar margem a dúvidas, como ocorreram os fatos, afastada a tese defensiva de absolvição".

É com alívio que o pregador tomou conhecimento do acórdão. Agora, pode retomar com serenidade e sem sobressaltos a jornada na Pastoral de Rua e no Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Amanhã, às 17 horas, o vigário episcopal para o Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo estará no Arsenal da Esperança, que abriga 1.200 desassistidos. Ele e o cardeal d. Odilo Scherer vão celebrar a missa de Natal para o rebanho sem teto.
FONTE: IHU

Dom Pedro Casaldáliga e os latifundiários


Por quase um mês ele foi mantido escondido em um lugar secreto, hóspede de um amigo e protegido pela polícia. Às vésperas do Ano Novo, no entanto, no dia 29 de dezembro passado, Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, no Brasil, pôde retornar para a sua casa e para a sua comunidade no Mato Grosso, onde vive ininterruptamente desde 1968.

A reportagem é de Lucas Kocci, publicada no jornal Il Manifesto03-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ele tivera que se afastar no início de dezembro, por causa das ameaças contra ele por parte dos latifundiários, dos quais uma ordem do Supremo Tribunal está subtraindo milhares de hectares de terras, ocupadas ilegalmente há anos, para restituí-las aos seus legítimos proprietários, os índios do povo Xavante, desde sempre defendidos e apoiados por Casaldáliga.

No último período, as intimidações haviam se tornado cada vez mais insistentes e perigosas: "O bispo não verá o fim de semana", teriam dito durante uma reunião dos fazendeiros. E assim, o governo federal preferiu proteger o idoso religioso de 85 anos, que sofre de Parkinson, até que a tensão tivesse acalmado.

Os latifundiários acusam o bispo de ser o "inspirador" da sentença do Tribunal e de ter a responsabilidade pela demarcação da terra, situada entre os municípios de São Félix do Araguaia Alto da Boa Vista, no norte do Mato Grosso, que agora as autoridades estão devolvendo aos índios.

"Pedro está bem", mas está muito perturbado "com tudo o que está acontecendo", informa quem o acompanhou durante o afastamento desejado pelas autoridades. "Plena solidariedade" ao bispo que, "desde que pôs os pés na terra do Araguaia, trabalha em defesa dos interesses dos pobres, dos povos indígenas, dos agricultores e dos trabalhadores" foi expressa pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

E a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do Brasil apresentou uma moção de apoio a Casaldáliga: "Diante das novas ameaças por causa de seu corajoso trabalho de solidariedade para com os povos indígenas e os trabalhadores da terra", a Comissão expressou "seu mais firme apoio ao Bispo Casaldáliga, um humanista que enche de orgulho o Brasil e a todos aqueles que trabalham em prol dos direitos humanos".

Na Europa, quem tomou a palavra foi o Movimento Internacional Nós Somos Igreja, expressando "profunda preocupação com as ameaças de morte contra Dom Pedro Casaldáliga e a sua equipe pastoral".

Desde os anos 1960 – informa a agência Adista, entre os pouquíssimos órgãos de informação que divulgaram a notícia na Itália –, com a chegada de empresasligadas ao agronegócio, os índios xavante foram expulsos do seu território, invadido pelos latifundiários, que também levaram muitos agricultores a ocupar algumas áreas, de modo a turvar as águas e camuflar os seus próprios interesses, opondo pobres a outros pobres: os xavante contra os agricultores enganados e manipulados.

Mas, para ambos, Casaldáliga, que não caiu na armadilha da "guerra entre pobres", sempre pediu a atribuição das terras da reforma agrária. "O despejo prossegue velozmente", declarou o bispo ao portal espanhol Religión Digital, assim que voltou para casa. "Entre tensões e esperanças, tentamos fortalecer a comunhão entre os povos".

Intimidações e ameaças não são novidade para Casaldáliga, que, catalão de nascimento, desde que chegou ao Brasil em 1968 como missionário claretiano, está na lista negra da ditadura militar (1964-1984), primeiro, e dos latifundiários, depois: em outubro de 1976, enquanto exigia em um quartel a libertação de dois agricultores suspeitos de colaborar com os opositores da junta militar, um policial atirou contra ele e matou o jesuíta João Bosco, que lhe serviu de escudo com o seu corpo (poucos dias depois, o quartel foi atacado por agricultores que o destruíram, libertando os seus companheiros); e em 1993 a Anistia Internacionaldenunciou que os latifundiários haviam contratado um assassino para matá-lo, porque também à época ele defendia a terra dos xavante.

Casaldáliga sempre esteve debaixo de fogo – como também estiveram os "bispos do povo" Helder Câmara Oscar Romero, morto por assassinos do regime militar salvadorenho em 1980 –, porque, assim que chegou ao Brasil dos generais, apoiou e contribuiu com a recém-nascida Teologia da Libertação (que queria encarnar o Evangelho na concretude das condições de opressão dos pobres da América Latina, esmagados pelas ditaduras e pelo capitalismo) e, acima de tudo, se inclina ao lado dos agricultores e dos índios, que cada vez mais são expulsos das suas terras pelas grandes empresas agroalimentares.

Paulo VI, que havia acabado de escrever a Populorum Progressio – em que também se afirma o direito dos povos a se rebelar até com a força contra um regime opressor –, indicou-o como bispo de São Félix do AraguaiaCasaldáliga está incerto, optou pelos pobres, não para o palácio, e assim convocou a sua comunidade, os religiosos, mas também os leigos, e deixou que fossem eles que decidissem, em um processo não previsto de "democracia participativa".

Eles lhe deram a permissão e, em agosto de 1971, foi consagrado bispo. Logo abandonou os traços distintivos do poder episcopal: a mitra seria um chapéu de palha dos agricultores; o báculo, um bastão de madeira dos tapirapé, um grupo indígena do Mato Grosso; o anel, não de ouro, mas sim de tucum, usado pelos escravos e, na teologia da libertação, símbolo da união entre a Igreja e os pobres.

Rejeitou os edifícios curiais, escolheu os oprimidos e escreveu a sua primeira carta pastoral, Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social, uma lucidíssima análise dos perversos mecanismos do capitalismo que deixaria uma marca profunda na Igreja e na sociedade brasileira, antecipando a criação da Comissão Pastoral da Terra.

A partir daquele momento, Casaldáliga (e seus colaboradores mais próximos) se tornará um "vigiado especial" da ditadura e dos latifundiários, objeto de intimidações, ameaças e ordens de expulsão, permanecendo sempre ao lado dos pobres, misturando Evangelho, paixão pela justiça e poesia, que ele mesmo compôs. Textos de profunda religiosidade e humanidade: "Deus nos livre de leigos com batinas no espírito / Deus nos livre de padres sem Espírito Santo / Deus nos livre de espíritos sem a carne da vida" (em “Fogo e cinzas ao vento”).
E de intenso amor revolucionário, como o Canto pela Morte de Che Guevara: "Descansa em paz. E aguarda, já seguro, / com o peito curado / da asma do cansaço; / limpo de ódio o olhar agonizante; / sem mais armas, amigo, / que a espada despida de tua morte. / Nem os 'bons' - de um lado –, / nem os 'maus' - do outro –, / entenderão meu canto. / Dirão que sou apenas um poeta. / Pensarão que a moda me ganhou. / Recordarão que sou um padre 'novo'. / Nada disso me importa! / Somos amigos / e falo contigo agora / através da morte que nos une; / estendendo-te um ramo de esperança, / todo um bosque florido / de ibero-americanos jacarandás perenes, / querido Che Guevara!".

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Aliança do governo Dilma com agronegócio emperra reforma agrária

O governo Dilma é o que menos desapropriou imóveis rurais para fazer reforma agrária nos últimos 20 anos.
Reportagem da Folha de S. Paulo, publicada neste domingo, revela que na primeira metade do mandato, 86 unidades foram destinadas a assentamentos.
O número supera só o de Fernando Collor (1990-92), que desapropriou 28 imóveis em 30 meses, comparando ao mesmo período das administrações anteriores desde o governo Sarney (1985-90).



“O governo Dilma é refém dessa aliança com o agronegócio, que é o latifúndio modernizado, que se aliou com as empresas transancionais. O governo está iludido pela proteção que a grande mídia dá a essa aliança e com os saldos na balança comercial. Mas esquece que esse modelo é concentrador de terra e de renda, desemprega muita gente, desmata o meio ambiente, sobrevive usando cada vez mais venenos agrícolas, que vão se transformar em câncer”, disse Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, em entrevista à Folha.
“O governo Lula e Dilma não são governos do PT nem de esquerda. São governos de uma frente politíca de classes que reúne um amplo leque de classes sociais brasileiras. Desde a grande burguesia, o agronegócio, a classe média, a classe trabalhadora, os camponeses e os mais pobres. Essa natureza de composição dá estabilidade política ao governo e amplas margens de apoio na opinião pública, mas impede reformas estruturais, que afetariam os interesses das classes privilegiadas”, analisa Alexandre.
Abaixo, leia a íntegra da entrevista concedida pelo dirigente do MST à Folha, que publicou trechos.
Como o senhor avalia o histórico dos números de desapropriações e assentamentos? A quantidade de famílias assentadas e desapropriações vêm caindo desde 2008/2009.
Infelizmente, nos últimos dois anos do governo Lula e agora no governo Dilma, foi abandonada a política de desapropriação de latifúndios. Isso é um desrespeito à Constituição, que determina que todo latifúndio improdutivo deve ser desapropriado e dividido para quem quiser trabalhar. Em segundo lugar, a política do governo favorece a concentração da propriedade da terra em todo o país. Os latifundiários agradecem, embora depois votem nos tucanos, como o mapa eleitoral demonstrou em 2010.
Como o senhor avalia o desempenho da reforma agrária durante a gestão petista, desde 2003?
O governo Lula e Dilma não são governos do PT nem de esquerda. São governos de uma frente política de classes que reúne um amplo leque de classes sociais brasileiras. Desde a grande burguesia, o agronegócio, a classe média, a classe trabalhadora, os camponeses e os mais pobres.
Essa natureza de composição dá estabilidade política ao governo e amplas margens de apoio na opinião pública, mas impede reformas estruturais, que afetariam os interesses das classes privilegiadas. Assim, nesse tipo de governo, estão bloqueadas não só a reforma agrária, mas também a reforma tributária, a reforma política, a reforma do judiciário, a reforma industrial, a reforma urbana e a reforma educacional. O governo não consegue nem aprovar a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, que é uma questão civilizatória e que os países do capitalismo industrial já adotou.
Como o senhor avalia o desempenho do governo Dilma Rousseff nestes dois anos, com apenas 76 imóveis desapropriados?
Uma vergonha! O governo Dilma é refém dessa aliança com o agronegócio, que é o latifúndio modernizado, que se aliou com as empresas transancionais. O governo está iludido pela proteção que a grande mídia dá a essa aliança e com os saldos na balança comercial. Mas esquece que esse modelo é concentrador de terra e de renda, desemprega muita gente, desmata o meio ambiente, sobrevive usando cada vez mais venenos agrícolas, que vão se transformar em câncer.  500 mil novos casos de câncer aparecem por ano pelos alimentos contaminados. E o câncer é democrático, porque pega todo mundo. É um modelo predador do meio ambiente e só aumenta os índices de desigualdade nos municípios aonde é hegemônico. Perguntem aos prefeitos eleitos se eles querem grandes propriedades exportadoras e isentas de ICMS ou querem um meio rural de agricultura familiar? A história vai cobrar desse governo no futuro. Mas aí será tarde…
Como mudar esse cenário para 2013? O que o MST pretende fazer e o que espera do governo federal?
O MST vai continuar lutando e ocupando os latifúndios improdutivos para forçar as desapropriações e, ao mesmo tempo, costurar alianças que levem a um novo projeto para o país. No entanto, a reforma agrária agora não é apenas o aumento do número de desapropriações. Isso é uma obrigação constitucional. A reforma agrária agora representa a necessidade de mudança do modelo agrícola. Deixar o agronegócio de lado e reorganizar a agricultura baseada na produção de alimentos sadios para o mercado interno. Reforma agrária é reorganizar o setor agroindustrial, baseado em cooperativas e não grandes empresas transnacionais como agora. Adotar a matriz tecnológica da agroecologia, preservar o meio ambiente e frear o êxodo rural para as grandes cidades. Mas para isso é preciso um novo projeto para o Brasil. Esse projeto depende da construção de alianças de classe que extrapolam as bases sociais e a força politica dos movimentos camponeses.

FONTE: MST