sexta-feira, 29 de junho de 2012

Balanço da Cúpula dos Povos em números

Cerca 350 mil participantes, mais de 800 atividades autogestionadas. 80 mil pessoas, na marcha do dia 20, Mobilização Global, na Avenida Rio Branco, além das marchas e manifestações das mulheres; dos indígenas em frente ao BNDES; contra as corporações em frente a empresa Vale; em defesa da comunidade Vila Autódromo; por alimentação livre de agrotóxicos e outro modelo de produção na agricultura brasileira, da Via Campesina. A Cúpula cumpriu papel importante, realizou aquilo que propôs, um contraponto à economia verde. No documento final, com uma leitura do que está acontecendo no mundo, se propõem uma agenda unificada de lutas, como o Dia Mundial de Greve. Só o povo organizado e mobilizado pode libertar o mundo do controle das corporações e do capital financeiro. A Cúpula se posicionou, ainda, contra o impeachment do presidente Lugo no Paraguai.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Documento da Delegação Franciscana na Cúpula dos Povos, Rio +20

Durante a Cúpula dos Povos na Rio +20 cerca de 60 pessoas da família franciscana, juntamente com representantes da JUFRA, que estiveram nos Enlaces das Juventudes, se comprometeram a trabalhar em conjunto no pós Rio +20. Leia o documento abaixo, com as 3 propostas de atuação (1) no campo da autenticidade de vida (Estilo de Vida, da luta contra a mineração e extrativismo; e na continuidade da campanha Não à Economia Verde buscando paradigmas alternativos para a sociedade. Tudo isso além de se comprometerem com o que propõem a Declaração Final da Cúpula dos Povos.
Encontro da Família Franciscana na Rio+20: de 15 a 23 de junho de 2012

Muitos são do parecer de que nos encontramos em um momento crítico da história da Terra. A crise social, ambiental e econômica requer um repensar da situação atual, com a finalidade de descobrir modalidades eficazes para promover a responsabilidade um para com o outro, para com todos os outros seres vivos, para com as gerações futuras e para com o nosso planeta. Como seguidores de Francisco de Assis – patrono da Ecologia – somos chamados a compreender a fundo o mundo em que vivemos e lutar em defesa da vida em plenitude para toda a criação de Deus.
A Família Franciscana decidiu recentemente destacar mais fortemente a questão da justiça Ambiental. Como parte desse esforço comum, um grupo de aproximadamente 60 franciscan@s se reuniu no Rio de Janeiro durante a Cúpula dos Povos e a Conferencia da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável – RIO+20. Nossa delegação incluiu aqueles que participavam dos eventos oficiais das Nações Unidas, coordenados por uma equipe da Franciscans International, e aqueles que participaram dos eventos paralelos da Cúpula dos Povos. Juntos refletimos temas essenciais como sustentabilidade, direitos humanos e ambientais, espiritualidade, pobreza, povos indígenas e economia verde, entre outros. Nós nos empenhamos em partilhar os nossos valores e visão para um mundo melhor com os outros que também estavam reunidos nesses encontros. Como franciscan@s temos uma visão comum da pessoa humana, da sociedade e da natureza. A nossa tradição franciscana nos permite compartilhar a preocupação ética por relacionamentos saudáveis para com toda a criação, dando ênfase especial aos marginalizados.
Durante as discussões refletimos sobre as diversas realidades e necessidades locais. No decorrer de nossas discussões, ficou claro que os problemas locais se relacionam intimamente com o global. Por conseguinte decidimos, como membros da Família Franciscana internacional, elaborar propostas a serem implementadas conjuntamente. Enquanto os grupos locais e regionais continuarão a trabalhar suas questões específicas, nós nos comprometemos a promover as seguintes propostas, a serem implementadas pela Família Franciscana Global:
1.    Promover a autenticidade de vida (Estilo de Vida)
  1. Participar no projeto sobre mineração dos promotores de JPIC em Roma.
  2. Continuar a campanha Não a Economia Verde, denunciando os problemas criados pela economia verde e buscando paradigmas alternativos para a sociedade.
Todas as três propostas devem procurar:
1.    Preparar material formativo (incluir definições básicas) e oferecer oportunidades formativas para os nossos irmãos e irmãs e para aqueles com quem trabalhamos.
2.  Sistematizar uma serie de colocações sobre novos paradigmas para a sociedade desde a perspectiva franciscana.
3.  Aprofundar o conhecimento na Espiritualidade Franciscana, incluindo a preocupação com a criação. Preparar e/ou partilhar orações e celebrações sobre estes temas.
4.    Trabalhar com pessoas que são conhecedoras ou especialistas nos assuntos que serão abordados.
  1. Denunciar violências praticadas contra pessoas marginalizadas.
  2. Criar e/ou fortalecer redes dentro da Família Franciscana e com outros organizações e movimentos da sociedade civil.
  3. Encorajar a Família Franciscana global a se envolver nos processos de reflexão, construção e execução das políticas públicas.
  4. Cooperar com grupos/redes que já existem;
  5. Empenhar ações para fortalecer o trabalho com as comunidades de base.
Finalmente, os participantes confiaram o desenvolvimento das três propostas concretas a diferentes grupos e indivíduos. Bernd Beerman OFM Cap e a Família Franciscana da Alemanha ficaram responsáveis pela proposta sobre a autenticidade do estilo de vida. Sheila Kinsey FCJM e Joe Rozansky OFM ficaram responsáveis pela proposta de Mineração. O SINFRAJUPE, organização de JPIC da Família Franciscana no Brasil, ficou responsável pela proposta sobre a Economia Verde.
Os participantes avaliaram a experiência franciscana no Rio de forma muito positiva. Apesar de poder ter havido uma maior integração dos diferentes grupos presentes, a reunião nos permitiu conhecer pessoas da família franciscana muito envolvidas em questões relacionadas com a justiça ambiental, criar e/ou fortalecer as nossas redes, e oferecer propostas que nos permitirá abordar questões globais como uma família.  Foi claramente afirmado que, ainda mais importante que nossa presença nos eventos no Rio, é o nosso compromisso de compartilhar os resultados com os nossos irmãos e irmãs em todo o mundo, e trabalhar juntos por um mundo melhor, onde todas as criaturas de Deus possam desfrutar de respeito, dignidade e vida em plenitude.

Os interesses convergentes que derrubaram o Lugo

“Três interesses convergiram para a derrocada de Fernando Lugo: os interesses das transnacionais do agronegócio e do setor financeiro; os da oligarquia fazendeira, aliada ao capital transnacional, e os dos partidos políticos de direita. Todos apadrinhados pelos Estados Unidos”, escreve Idilio Méndez Grimaldi, jornalista e pesquisador, em artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, 25-06-2012. A tradução é do Cepat.
Idilio Méndez Grimaldi é autor do livro Los Herederos de Stroessner e membro da Sociedade de Economia Política do Paraguai, SEPPY.
Eis o artigo.

Três interesses convergiram para a derrocada de Fernando Lugo: os interesses das transnacionais do agronegócio e do setor financeiro; os da oligarquia fazendeira, aliada ao capital transnacional, e os dos partidos políticos de direita. Todos apadrinhados pelos Estados Unidos.

Os objetivos estratégicos são: a reinstalação de uma democratura sob a regência exclusivamente da direita, com o apoio dos Estados Unidos e alguns países europeus como nos tempos da guerra fria; a marginalização e a criminalização da esquerda e dos movimentos sociais; o avanço da produção meramente extrativista agroexportadora, com a postergação indefinida da industrialização do país; a consolidação violenta do processo de descampesinização do campo.

No campo geoestratégico, o Paraguai se converte aceleradamente em um problema cada vez mais grave para o Brasil e as possibilidades da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), e tende a se consolidar como uma importante base de operações dos Estados Unidos no processo de disputa pelo controle da América do Sul.

União de Grêmios de Produção (UGP), formada pelos produtores mecanizados do país, mas que na prática serve de refúgio para os fazendeiros, especuladores e rentistas da terra, armou toda esta trama contra Lugo. Quando a transnacionalMonsanto teve inconvenientes para impor sua semente transgênica de algodão e de milho por descumprimento de normas legais, começou a aumentar a pressão da UGP. A Monsanto faturou – sem pagar impostos – cerca de 30 milhões de dólares, apenas em 2011, em regalias por sua soja transgênica, sem contar o faturamento pela venda de sementes. Parte dessa quantia é distribuída anualmente entre os tecnocratas da UGP.

Este grêmio pressionou primeiro pela destituição de Miguel Lovera, um técnico que dirigia a instituição de controle e uso de sementes e agroquímicos no país. Depois ameaçou com um protesto nacional, denominado de tratoraço, consistente no fechamento de rodovias com máquinas agrícolas, e por último pressionou pelo julgamento político de Lugo.

UGP é dirigida por Héctor Cristaldo, empresário estreitamente ligado ao grupo empresarial dos Zuccolillo.

Este grupo é sócio da Cargill, outra transnacional do agronegócio. O grupo Zuccolillo também tem a seu favor o jornal ABC Color, dirigido pelo proprietário Aldo Zuccolillo. A linha editorial deste jornal está esfestada de incitações e provocações às Forças Armadas e aos partidos políticos para derrubar Lugo desde o começo de seu governo.

Em janeiro deste ano, Aldo Zuccolillo se reuniu com o político do Partido Colorado, o também agroempresário Horacio Cartes. O senador colorado Juan Carlos Galaverna manifestou que Cartes saiu deslumbrado da conversa comZuccolillo. Segundo os documentos do Wikileaks, publicados pelo próprio Zuccolillo no ano passado, Cartes foi envolvido pela DEA, a agência antidrogas dos Estados Unidos, no narcotráfico e na lavagem de dinheiro. O Departamento de Estado obranqueou.

Chamativamente, no último estágio do governo de LugoCartes foi o principal propulsor dentro de seu partido para o julgamento político de Lugo, apoiado pelo jornal ABC de Zuccolillo. Finalmente, Cartes arrastou o seu partido – que havia sido derrotado por Lugo em 2008, depois de 60 anos no poder – para efetuar a destituição do presidente.

Isto aconteceu após os sangrentos acontecimentos de Curuguaty, no dia 15 de junho passado, onde morreram seis policiais e 11 camponeses, numa desocupação de um latifúndio de propriedade do ex-presidente do Partido ColoradoBlas Riquelme. Estas mortes serviram de principal desculpa para acelerar a queda de Lugo.

Num giro de 180 graus, o Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) abandonou o cogoverno com Lugo e por meio de seu presidente, Blas Llano, também aderiu ao julgamento político impulsionado pelo Partido Colorado, pelo jornal ABC Color e pela UGT.

Atualmente, restam ao PLRA, no poder depois de 70 anos de planura, com Federico Franco como presidente do Paraguai, pouco mais de 13 meses para governar e deverá fazer o trabalho sujo de reprimir os seus ex-aliados no governo: a esquerda e os movimentos sociais, que iniciarão uma sistemática resistência ao governo liberal, destruindo qualquer possibilidade de vencer as eleições do próximo ano. Horacio Cartes, pré-candidato pelo Partido Colorado, sorri e vê melhorar suas chances com o apoio do ABC Color, da Embaixada dos Estados Unidos e da UGP.

Finalmente, nestes dias, Lugo e seus assessores deverão reconhecer que cometeram um grave erro: pensaram que podiam cogovernar com o imperialismo, com a oligarquia feudal e com os partidos de direita, tributários dos poderes de fato e traidores da pátria. Como disse Atilio Borón, é um erro crer que um governo timidamente progressista, como foi o deLugo, pudesse prosperar transigindo com os interesses oligárquicos e imperiais, sem articular os movimentos sociais e os partidos de esquerda.


FONTE ADITAL

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Declaração final da Cúpula dos Povos na Rio+20

Declaração final
Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental
Em defesa dos bens comuns, contra a mercantilização da vida
Movimentos sociais e populares, sindicatos, povos, organizações da sociedade civil e ambientalistas de todo o mundo presentes na Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, vivenciaram nos acampamentos, nas mobilizações massivas, nos debates, a construção das convergências e alternativas, conscientes de que somos sujeitos de uma outra relação entre humanos e humanas e entre a humanidade e a natureza, assumindo o desafio urgente de frear a nova fase de recomposição do capitalismo e de construir, através de nossas lutas, novos paradigmas de sociedade.
A Cúpula dos Povos é o momento simbólico de um novo ciclo na trajetória de lutas globais que produz novas convergências entre movimentos de mulheres, indígenas, negros, juventudes, agricultores/as familiares e camponeses, trabalhadore/as, povos e comunidades tradicionais, quilombolas, lutadores pelo direito a cidade, e religiões de todo o mundo. As assembléias, mobilizações e a grande Marcha dos Povos foram os momentos de expressão máxima destas convergências.
As instituições financeiras multilaterais, as coalizações a serviço do sistema financeiro, como o G8/G20, a captura corporativa da ONU e a maioria dos governos demonstraram irresponsabilidade com o futuro da humanidade e do planeta e promoveram os interesses das corporações na conferencia oficial. Em constraste a isso, a vitalidade e a força das mobilizações e dos debates na Cúpula dos Povos fortaleceram a nossa convicção de que só o povo organizado e mobilizado pode libertar o mundo do controle das corporações e do capital financeiro.
Há vinte anos o Fórum Global, também realizado no Aterro do Flamengo, denunciou os riscos que a humanidade e a natureza corriam com a privatização e o neoliberalismo. Hoje afirmamos que, além de confirmar nossa análise, ocorreram retrocessos significativos em relação aos direitos humanos já reconhecidos. A Rio+20 repete o falido roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global. À medida que essa crise se aprofunda, mais as corporações avançam contra os direitos dos povos, a democracia e a natureza, sequestrando os bens comuns da humanidade para salvar o sistema economico-financeiro.
As múltiplas vozes e forças que convergem em torno da Cúpula dos Povos denunciam a verdadeira causa estrutural da crise global: o sistema capitalista patriarcal, racista e homofobico.
As corporações transnacionais continuam cometendo seus crimes com a sistematica violação dos direitos dos povos e da natureza com total impunidade. Da mesma forma, avançam seus interesses através da militarização, da criminalização dos modos de vida dos povos e dos movimentos sociais promovendo a desterritorialização no campo e na cidade.
Da mesma forma denunciamos a divida ambiental histórica que afeta majoritariamente os povos oprimidos do mundo, e que deve ser assumida pelos países altamente industrializados, que ao fim e ao cabo, foram os que provocaram as múltiplas crises que vivemos hoje.
O capitalismo também leva à perda do controle social, democrático e comunitario sobre los recursos naturais e serviços estratégicos, que continuam sendo privatizados, convertendo direitos em mercadorias e limitando o acesso dos povos aos bens e serviços necessarios à sobrevivencia.
A dita “economia verde” é uma das expressões da atual fase financeira do capitalismo que também se utiliza de velhos e novos mecanismos, tais como o aprofundamento do endividamento publico-privado, o super-estímulo ao consumo, a apropriação e concentração das novas tecnologias, os mercados de carbono e biodiversidade, a grilagem e estrangeirização de terras e as parcerias público-privadas, entre outros.
As alternativas estão em nossos povos, nossa historia, nossos costumes, conhecimentos, práticas e sistemas produtivos, que devemos manter, revalorizar e ganhar escala como projeto contra-hegemonico e transformador.
A defesa dos espaços públicos nas cidades, com gestão democrática e participação popular, a economia cooperativa e solidaria, a soberania alimentar, um novo paradigma de produção, distribuição e consumo, a mudança da matriz energética,  são exemplos de alternativas reais frente ao atual sistema agro-urbano-industrial.
A defesa dos bens comuns passa pela garantia de uma série de direitos humanos e da natureza, pela solidariedade e respeito às cosmovisões e crenças dos diferentes povos, como, por exemplo, a defesa do “Bem Viver” como forma de existir em harmonia com a natureza, o que pressupõe uma transição justa a ser construída com os trabalhadores/as e povos.
Exigimos uma transição justa que supõe a ampliação do conceito de trabalho, o reconhecimento do trabalho das mulheres e um equilíbrio entre a produção e reprodução, para que esta não seja uma atribuição exclusiva das mulheres. Passa ainda pela liberdade de organização e o direito a contratação coletiva, assim como pelo estabelecimento de uma ampla rede de seguridade e proteção social, entendida como um direito humano, bem como de políticas públicas que garantam formas de trabalho decentes.
Afirmamos o feminismo como instrumento da construção da igualdade, a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sexualidade e o direito a uma vida livre de violência. Da mesma forma reafirmamos a urgência da distribuição de riqueza e da renda, do combate ao racismo e ao etnocídio, da garantia do direito a terra e território, do direito à cidade, ao meio ambiente e à água, à educação, a cultura, a liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação.
O fortalecimento de diversas economias locais e dos direitos territoriais garantem a construção comunitária de economias mais vibrantes. Estas economias locais proporcionam meios de vida sustentáveis locais, a solidariedade comunitária, componentes vitais da resiliência dos ecossistemas. A diversidade da natureza e sua diversidade cultural associada é fundamento para um novo paradigma de sociedade.
Os povos querem determinar para que e para quem se destinam os bens comuns e energéticos, além de assumir o controle popular e democrático de sua produção. Um novo modelo enérgico está baseado em energias renováveis descentralizadas e que garanta energia para a população e não para as corporações.
A transformação social exige convergências de ações, articulações e agendas a partir das resistências e alternativas contra hegemônicas ao sistema capitalista que estão em curso em todos os cantos do planeta. Os processos sociais acumulados pelas organizações e movimentos sociais que convergiram na Cúpula dos Povos apontaram para os seguintes eixos de luta:
  • Contra a militarização dos Estados e territórios;
  • Contra a criminalização das organizações e movimentos sociais;
  • Contra a violência contra as mulheres;
  • Contra a violência as lesbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgeneros;
  • Contra as grandes corporações;
  • Contra a imposição do pagamento de dívidas econômicas injustas e por auditorias populares das mesmas;
  • Pela garantia do direito dos povos à terra e território urbano e rural;
  • Pela consulta e consentimento livre, prévio e informado, baseado nos princípios da boa fé e do efeito vinculante, conforme a Convenção 169 da OIT;
  • Pela soberania alimentar e alimentos sadios, contra agrotóxicos e transgênicos;
  • Pela garantia e conquista de direitos;
  • Pela solidariedade aos povos e países, principalmente os ameaçados por golpes militares ou institucionais, como está ocorrendo agora no Paraguai;
  • Pela soberania dos povos no controle dos bens comuns, contra as tentativas de mercantilização;
  • Pela mudança da matriz e modelo energético vigente;
  • Pela democratização dos meios de comunicação;
  • Pelo reconhecimento da dívida histórica social e ecológica;
  • Pela construção do DIA MUNDIAL DE GREVE GERAL.
Voltemos aos nossos territórios, regiões e países animados para construirmos as convergências necessárias para seguirmos em luta, resistindo e avançando contra os sistema capitalista e suas velhas e renovadas formas de reprodução.
Em pé continuamos em luta!
Rio de Janeiro, 15 a 22 de junho de 2012.Cúpula dos Povos por Justiça Social e ambiental em defesa dos bens comuns, contra a mercantilização da vida.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Economia Verde - Comoditização da Vida

Por Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, ofm
     A Economia Verde é uma grande estratégia, quem vem sendo construída pelo capital, como saída para a crise (financeira, energética, de alimentação, climática), na qual o mundo se encontra. Desde 2007, quando na reunião do G8 +5 países emergentes, na Alemanha, se encomendou um estudo sobre "a importância econômica da perda global da diversidade biológica". Esse estudo ficou sob a responsabilidade do Programa Ambiental das Nações Unidas – PNUMA, com vários relatórios, que lançaram a chamada Economia dos Ecossistemas e sua Biodiversidade (com a sigla em inglês: TEEB).
Uma série de outros documentos busca elaborar uma base conceitual, ainda não definida e polêmica, para a economia verde.
   Em fevereiro de 2009, o PNUMA, lançou um conjunto de propostas políticas visando combater o aquecimento global e a crise financeira, com o título: “A Global Green New Deal”[1] (Um Novo Acordo Global Verde), inspirado no programa social e econômico, lançado pelo então Presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, durante a depressão de 1929. Em junho de 2009, ministros de 34 países, assinaram a “Declaração sobre Crescimento Verde”[2]. Nessa declaração eles atestam que: “A recuperação econômica e ambientalmente e socialmente sustentável de crescimento econômico são os principais desafios que todos os países estão enfrentando hoje”. Para eles não existe incompatibilidade entre o verde e o crescimento. Esses ministros encarregaram a OCDE[3] (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) que criasse uma estratégia para o crescimento verde. Essa estratégia foi publicada no documento, “A Caminho do Crescimento Verde” [4], em maio de 2011. Em dezembro de 2009, o UNDESA (Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas) lançou uma nota técnica, na linha do PNUMA, com o título “A Global Green New Deal” for Climate, Energy, and Development”[5] (Novo Acordo Global Verde para o Clima, Energia e Desenvolvimento). Em 2010, o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, cuja sigla em inglês é WBCSD, publicou um relatório chamado "Visão 2050 - uma nova agenda para os negócios" , que foi assinado por 29 grandes corporações que fazem parte deste organismo internacional. A Visão 2050 foi proposta como uma ferramenta para a formulação de políticas públicas e tomada de decisões para os próximos 40 anos. Em 2011, o PNUMA lançou um relatório, "Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza", que traça um caminho de crescimento econômico até 2050, e está na base do que se pretende com a Rio +20..
    Durante todo esse período de lançamento desses documentos, o PNUMA se aproximou cada vez mais do mundo empresarial, das grandes corporações e de seus interesses, com parcerias e realização de vários eventos.
   O que todos esses documentos têm em comum é a busca de uma estratégia de novas políticas econômicas, de investimentos, de incentivos e de inovações tecnológicas conjugadas com políticas ambientais, para que a economia se recupere, novos empregos sejam criados, para manter o crescimento e a acumulação de capital.
    O PNUMA através do “Global Green New Deal”, sugere que para a recuperação econômica mundial, é necessário uma combinação de ações políticas, que enfrentem as “ameaças imediatas colocadas pelas alterações climáticas, a insegurança energética, a crescente escassez de água doce, a deterioração dos ecossistemas e, sobretudo, o agravamento da pobreza mundial. O caminho é a redução da dependência de carbono, a proteção dos ecossistemas e dos recursos hídricos e a redução da pobreza, o seu impacto na prevenção de crises futuras serão de curta duração.
    Aliar o verde ao crescimento e à economia, não é uma novidade. Em realidade o capitalismo já vem buscando se “ecologizar” desde a Rio92. Na Eco 92 o capital adjetivou de sustentável o desenvolvimento, para poder continuar se reproduzindo. Assumiu como mercado as chamadas certificações verdes e criou a responsabilidade socioambiental, como instrumento de marketing.
    Para a crítica à economia verde, eu me utilizarei de uma citação, de um trecho do romance Grande Sertão: Veredas - de Guimarães Rosa.
"O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo Jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá - fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniões... O sertão está em toda a parte." 
     Um primeiro aspecto, que a economia verde ignora, e que de forma ilustrativa podemos encontrar nesta citação de Grande Sertão Veredas é que, as unidades naturais da paisagem nas quais aplicamos os conceitos de Ecologia para a conservação e manejo, no caso do texto citado, o sertão, são uma construção social, econômica e cultural, que vai além de sua dimensão biótica. Se considerarmos a atividade humana da agricultura familiar[6], por exemplo, a convivência do ser humano com a natureza é vital. Essa convivência levou ao desenvolvimento de sistemas para a realização da atividade agrícola, como por exemplo, o sistema de preparo do solo para o plantio, como o de roça de toco, ou o sistema de plantio propriamente dito, consorciado onde o milho, o feijão e a abobora, cumprem funções diferenciadas. O agricultor familiar, nessa convivência com a natureza, está acostumado a viver com restrições ambientais em relação à sua atividade agrícola. A agricultura familiar praticada no, o bioma do Cerrado, por exemplo, convive com duas grandes modificações sucessivas, que acontecem na paisagem. Isso porque o bioma do Cerrado está condicionado a duas estações climáticas bem definidas, invernos secos e verões chuvosos. A prática agrícola familiar, em geral, busca se estabelecer no o meio natural através de sistemas de convivência com a natureza que promovam uma exploração a mais adaptada possível. Em vista da sobrevivência a agricultura familiar tende a buscar a diversidade e a adaptação, possibilitando a criação de sistemas sustentáveis de vida.
    Por outro lado, podemos considerar uma outra perspectiva de fazer agricultura, a de negócio de mercado. O agronegócio estabelece outra construção social e cultural, em relação a biota. Diferente da agricultura familiar, o agronegócio não estabelece um sistema de convivência com a natureza. O  que seria, por exemplo, o Cerrado, na perspectiva do agronegócio?  Fui buscar uma resposta emblemática, lá no início da chamada modernização da agricultura no Cerrado. Quando da implantação de programas de revolução verde, nesse ecossistema, o então Ministro do Planejamento, Reis Veloso, do governo do General Geisel, no período da ditadura militar, ao pronunciar-se sobre o POLOCENTRO, definiu a ideia de cerrados, que acabou se impondo: "...o cerrado não gosta de agricultura tradicional e sim de agricultura empresarial, com inteligência. Gosta de fertilizantes, de tecnologia avançada e de mecanização. É uma oportunidade que temos de modificar a estrutura da exploração agrícola no Brasil[7].
     Fica assim claro que é necessário desvendar sob qual construção social, econômica e cultural, estamos aplicando os conceitos de Ecologia para a conservação e manejo da natureza.  A relação do ser humano, que é também natureza, com a natureza externa a ele é sempre mediada por relações sociais. Uma coisa é considerar a atividade agrícola, somente como um pacote econômico e tecnológico de insumo – produto – mercado. Outra coisa é considerar a agricultura antes de tudo como uma base de vida e de organização social, em um território, em um meio ambiente. A dinâmica social, cultural e a forma de ocupação do território estão no cerne da sustentabilidade.
    A utilização e a gestão eficiente dos recursos naturais, como prega economia verde, são inócuas se mantivermos relações sociais, econômicas e culturais inerentes ao capitalismo. Acreditar que uma mudança tecnológica e a apropriação da natureza como capital, resolveriam as crises é o mesmo que acreditar que uma suposta vontade e responsabilidade ambiental do mercado automaticamente promoveria o crescimento econômico estável, sustentabilidade ambiental e por si realizaria a melhoria dos padrões de vida para todos.
     No caso da agricultura, que é o exemplo que estamos utilizando, a sustentabilidade está ligada à questões como agricultura camponesa, às comunidades tradicionais e aos povos indígenas, que há muito estabeleceram sistemas de vida e convivência com a natureza. Tem a ver também com a reforma agrária, soberania alimentar, agroecologia e economia solidária. A sustentabilidade tem a ver ainda com a defesa da vida e dos bens comuns, com a afirmação de direitos ameaçados, como o direito à terra e ao território, o direito à cidade, os direitos da natureza e das futuras gerações com o livre acesso às sementes, com a distribuição de renda, etc.
     A terra e o território são ao mesmo tempo espaço físico, meio ambiente, ecologia, mas também espaço social, cultural, histórico e religioso. Por isso se fala hoje em justiça ambiental de forma mais ampla, não podendo separá-la da justiça social.
    A economia verde não aponta para uma nova relação entre as culturas humanas e a natureza, a Mãe Terra. A economia não questiona e não supera o paradigma da era moderna, produção/ consumo, desenvolvimento/crescimento, propriedade/lucro/acumulação.
   Outro aspecto que a “economia vede” não questiona, é a visão utilitarista da natureza. Considera a natureza como um bem economico, como capital, lhe qualifica como capital natural.
    Consideramos até aqui, que a nossa relação de seres humanos com a natureza externa a nós, é permeada pelas relações sociais. Vimos que os territórios, além de serem espaços físicos e bióticos, são também construções sociais e culturais. Refletimos que os conceitos de “economia verde” desenvolvidos, nos documentos, que a norteia, desconsideram uma crítica mais profunda e a superação das relações sociais, e das construções sociais e culturais, que estão na base da degradação ambiental e das crises em que vivemos. O modelo hegemonico de sociedade e de cultura, na qual vivemos, o capitalismo, não é colocado em xeque, mas sim recondicionado, agora de verde, para manter seus valores e princípios. Isso fica mais claro, quando os conceitos e propostas da economia verde trabalham a questão das interações que ocorrem dentro dos ecossistemas. Para a economia verde a apropriação da dinamica da vida como ativo economico é uma solução para nossas crises.
     Para melhor entendermos, vejamos: Na natureza tudo se relaciona. Todas as formas de vida e de matéria do planeta estão em relação. Se pensarmos numa floresta, a árvore, por exemplo, produz seu proprio alimento através da fotossíntese. Ela sintetiza sua biomassa através de elementos inorgânicos dissolvidos, de dióxido de carbono e da captação de energia solar. Usa a energia da luz do sol, a água, o solo, sais minerais e o gás carbonico, ela produz então a seiva que faz crescer a planta e aumenta sua matéria viva. A planta libera algumas substâncias, como o oxigênio, que é muito importante para a vida. Mas a planta também morre, em parte ou totalmente, no fim de sua vida. Os animais, por sua vêz, consomem essa matéria ogânica criando a base de uma cadeia alimentar. O oxigênio e a massa, seja aquela viva ou morta da planta, são úteis para outros seres vivos, e geram, em última instância, condições para mais vida. A matéria orgânica morta seja a vegetal ou animal entra em decomposição e se mineraliza pelos microrganismos.
     Como podemos notar, com essa descrição simples e bastente resumida, uma floresta natural, para a sua existência, depende de um ciclo biogéoquimico. Um ciclo que processa energia e regenera nutrientes, através dos organismos vivos e do ambiente físico, no qual os organismos vivos interagem. A floresta se expande sem empobrecer o meio ambiente, onde está. Ela nunca produz uma super quantidade de resíduos, que não possa ser absorvido pelo ambiente, o próprio ambiente a impede.
     A Economia Verde considera que os ciclos naturais que permitem a vida, como esse que acabamos de descrever, seriam serviços que a natureza presta, dos quais os seres humanos se servem para sua sobrevivância e bem estar. Esses serviços, segundo a ideia da economia verde, deveriam ser revestidos de um valor economico, como forma de se garantir um adequado gerenciamento da sustentabilidade. Já não basta mais mercantilização da parte material da natureza, mas se quer a mercantilização dos processos e funções da natureza via o comércio dos serviços dos ecossistemas.
    Na pratica, na economia verde o capital quer se apossar das intereções que ocorrem dentro dos ecossistemas. Fazer com que os complexos sistemas e ciclos naturais formados pela interrelação dos organismos vivos (plantas, animais, microorganismos) com os organismos não vivos (água, ar, solo, vento) sejam considerados como um ativo economico. Assim temos o capital se apropriando da dinâmica da própria vida. Transformando a vida em mercadoria.
     A economia verde, por sua vez, é um dos resultados da chamada “economia dos ecossistemas e sua biodiversidade”, que desenvolveu a idéia de que as sociedades, o bem estar da humanidade e as atividades economicas dependem dos serviços ambientais, que derivam do funcionamento dos ecossistemas. Os economistas verdes propõem então que para preservar os ecossistemas é necessario valorar o fluxo desses serviços. A natureza então passa a ser vista como capital natural. Os ecossistemas passam a ser vistos como estoques de capital natural, cujo valor é definido pelos fluxos de renda futura, que no caso são os serviços ambientais (ecossistemicos). O valor de todo estoque de capital é dado pelo valor presente dos fluxos de renda futura por ele gerado. A valoração econômica é trabalhada principalmente com preços de mercado, mesmo que se busque associa-la às dimensões ecologica e social.
     Aqui fica mais claro o que se pretende com a economia verde, a apropriação, pelo capital, da dinâmica da vida. Uma nova formação de acumulação de capital.
     Cabe aqui aprofundar nossa reflexão. O ser humano diferente de outros seres vivos pode ir além dos limites de equilíbrio da natureza e dos ciclos naturais. A agricultura, só para continuarmos no exemplo, através dos chamados pacotes tecnológicos, da indústria quimíca, com a bioengenharia, os transgênicos e outras técnicas como as de produção artificial de fertilidade do solo, rompe com equilibiros e limites naturais, e salta etapas dos ciclos naturais. O que possibilita isso ou não, é como as forças de mercado impõem a a maneira de nós humanos usarmos nosso conhecimento técnico e cientificio. Aqui entramos além da luta pelas correlações de forças, de projetosd de sociedade, numa discussão do campo ético e moral.
     Em primeira instância, quer dizer que o problema não está em produzir, mas sim no modo de produção. Nossa civilização atual se baseia hegemonicamente no sistema capitalista, esse sistema rompeu com os ciclos naturais e não se deixa limitar pelo equilíbrio ambiental.  O capitalismo é um sistema econômico, social e político baseado na propriedade privada, que se apropria de tudo na natureza, como um meio para produzir e distribuir bens de consumo e serviços para acumular e obter lucro.
    Assim a Mãe Terra é para o capitalismo uma fonte de matérias primas e os seres humanos força de produção e consumidores, que valem pela sua utilidade e não pelo que são. A natureza é, portanto mercadoria. O capitalismo explora a natureza como recurso, produzindo bens, para perpetuar o consumismo e o materialismo.
   Esses bens produzidos precisam ser permanentemente desvalorizados e descartados, para poder continuar a produzir novos bens para substituí-los, aumentando, assim, o consumo e a produção. Para isso criam-se novas demandas por matérias primas extraídas da natureza.
     A publicidade é usada como uma força que nos leva a mudar as demandas. O consumidor está a serviço da produção. É o consumidor que tem de ir se adaptando às exigências da tecnologia de produção. A tecnologia de produção está a serviço do consumo. O consumidor é, então, essencial para a sociedade capitalista se perpetuar e, assim, reproduzir e manter a sua desigualdade e seus mecanismos de dominação.
    Não contente em extrair a riqueza de recursos do planeta, o capital busca mercantilizar a própria natureza, para o lucro e lazer. Assim, nossos territórios, como terras, montanhas, rios, desertos, água, animais e florestas, até o nosso póprio corpo, tudo vira mercadoria, se transforma em produto, para o mercado.
    O modo de produção capitalista se alimenta do mundo natural, necessário para ele em escala cada vez maior e, portanto mais mercantilizado.
      O aumento em escala da produção, circulação e comercialização de bens causam impactos enormes, no trabalho e na natureza. Para sobreviver às suas crises, o modo de produção capitalista impõe aos trabalhadores uma maior exploração, como a redução e flexibilização de direitos, gera insegurança institucionalizada, demissões e migração. Os impactos na natureza geraram a poluição, o desmatamento, a interrupção dos ciclos da vida em territórios, mudanças climáticas, o empobrecimento, a superprodução de resíduos.
     O capitalismo, sistema hegemônico em nosso planeta, seja ele em sua forma clássica ou renovada não é apenas um sistema econômico e político. Trata-se de um sistema de valores que assumimos em nosso dia a dia.  Podemos dizer de uma forma mais simples, que nós vestimos, comemos, sonhamos, enfim vivemos “valores” do capitalismo. Por isso a sustentabilidade não pode estar simplesmente ligada a questões do campo da economia e do desenvolvimento. Não basta dizer que se quer verde a economia, apresentando como solução, para nossas crises, novas tecnologias e mercados para que continue o nosso processo de apropriação da natureza e de desenvolvimento. É necessário questionar e buscar novos paradigmas para nosso viver, questionar nossos hábitos de vida, o nosso cotidiano, as nossas maneiras de nos relacionarmos com os outros, em nossas sociedades e com a natureza da qual fazemos parte.
     Nessa perspectiva se fala, hoje, na importância de se buscar novas lógicas sociais e culturais, resgatar conhecimentos e praticas das comunidades tradicionais e dos povos indígenas. A busca do “comum” (“commons”, como se diz em inglês) a partir do fortalecimento dos atores sociais em suas ações e reflexões, é um tema cada vez mais proposto, na busca de novos paradigmas. O comum vivido como uma nova forma de regulação, que parte das comunidades e que possa abranger a sociedade como um todo. O comum estabelece uma ética diferente, que supera a ética do direito individual e aponta para sistemas sociais, instituições, e ambientes que se articulam de forma a beneficiar a todas as pessoas e a natureza. O comum visto como um bem, mas não um bem no sentido de valor econômico. Esse bem comum que não é só da humanidade, mas da natureza, da Mãe Terra.
     A crise ecológica é uma realidade. Todos os dias, somo bombardeados pelos meios de comunicação, que querem nos convencer de que somos nós, a humanidade como um todo, os responsáveis por essa crise, que ameaça a nossa sobrevivência. Mas será isso verdade?
      O que eles não revelam é que não somos todos nós os responsáveis e culpados pela degradação ambiental. Mas sim uma pequena parte da humanidade. Uma minoria de cerca de 20% da humanidade que consome cerca de 80% desses recursos, produzindo ao mesmo tempo cerca de 80% da poluição e da degradação ambiental que ameaçam a vida no planeta como um todo.
     Se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, faltariam muitos planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades.
Portanto, a responsabilidade pela destruição não é igual para todos, Não é igual o poder de destruir e muito menos o acesso aos chamados recursos do planeta. É uma minoria que superexplora a natureza e a mão-de-obra dos trabalhadores para acumular lucros.
     Nos últimos vinte anos, desde a Rio92, temos presenciando o crescimento da influência das grandes corporações e empresas transnacionais, e de seus lobistas, no sistema das Nações Unidas. Essa influência se sobrepõem as posições dos estados, nas negociações multilaterais, e acabam por dominar os espações de discussões dos organismos das Nações Unidas. Assim, uma série de instrumentos financeiros está sendo criados. Esses instrumentos visam reforçar as necessidades do mercado, como os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, os REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), os TEEB (Economias dos Ecossistemas e Biodiversidade).
     A economia verde é mais do que o “esverdeamento” do capitalismo, mas sim a proposta de um novo paradigma. O de assumir a dinâmica da própria vida como ativo financeiro.
     O mercado de carbono, através das REDD cria novos títulos de propriedade. Títulos de propriedade relativos ao dióxido de carbono não emitido, e títulos de propriedade relativos às áreas de florestas imobilizadas. Criam-se assim, novas propriedades, novos títulos e novas mercadorias, tendo como lastro o capital que se baseia na natureza. Temos aí então uma nova forma de acumulação do capital.
     As cosmovisões dos povos tradicionais, bem como as cosmovisões tradições das religiões nos convidam a perceber que a vida tem um valor em si, e não no sentido econômico. A natureza à qual nós pertencemos e a dinâmica da vida, não podem ser consideradas como ativos econômicos. A diversidade biológica e a diversidade social e cultural formam uma mega “sociocultubiodiverdidade”, que não pode ser guiada pelo mercado financeiro e pelas corporações. A natureza tem direito aos ciclos da vida. A sustentabilidade é da vida e não do desenvolvimento, da economia e dos mercados.


[3] A OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico é uma organização internacional de 34 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado, com sede em Paris.
[6] A agricultura familiar exerce um papel central na sustentabilidade da vida em nosso Brasil. Ela corresponde à 10 % do PIB brasileiro, além de contribuir para a geração de emprego, respeito o meio ambiente, além de gerar trabalho e renda, ela é a principal fornecedora de alimentos básicos para a polpulação brasileira[6]. A maior parte do número de ocupações na agricultura, encontra-se na agricultira familiar: 74,4% do total de ocupações. Isso corresponde a um total de 12,3 milhões de pessoas ocupadas. Ou seja, de cada dez ocupados no campo, sete estão na agricultura familiar, que emprega 15,3 pessoas por 100 hectares. Enquanto na agricultura não familiar temos somente 4,2 milhões de pessoas ocupadas, empregando 1,7 pessoas a cada 100 hectares. Em 2006, conforme o Censo do IBGE, estavam ocupadas nas atividades da agricultura familar um número 2 vezes superior aos da ocupação do setor da construção civil. Em 2006, era responsável por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café (parcela constituída por 55% do tipo robusta ou conilon e 34% do arábica), 34% do arroz, 58% do leite (composta por 58% do leite de vaca e 67% do leite de cabra), 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21% do trigo. A cultura com menor participação da agricultura familiar foi a soja (16%).
[7] CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, COMISSÃO EPISCOPAL DE PASTORAL - Pastoral da Terra - 2: posse e conflitos (Estudos da CNBB, 13), São Paulo, Ed. Paulinas, 1976, pág. 132.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Plenária de Soberania Alimentar debate os motivos da crise alimentar e as soluções camponesas


As cinco plenárias da Cúpula dos Povos tem a função de socializar o que foi debatidos pelas diversas organizações e movimentos nas atividades dos dias anteriores de acordo com três eixos: as causas estruturais das crises e falsas soluções apresentadas pelo capital; as soluções dos povos para os problemas e a agenda de ações dos povos. Ao final do processo, cada plenária produzirá um documento, que será levado para as Assembleias de convergência da Cúpula.
A plenária número 3 tratou da Soberania Alimentar. Participaram dela diversas organizações e movimentos sociais do campo nacionais e internacionais, como Via Campesina, MST, Marcha Mundial das Mulheres, Associação Nacional de Agroecologia (ANA), o Grupo de Estudos em Agrobiodiversidade (GEA) movimentos quilombolas, indígenas, entre outros.
Na parte da manhã, debateu-se os motivos da crise e as falsas soluções dadas pelos governos e corporações para resolvê-las. O modelo do agronegócio foi apontado como o principal responsável pela crise alimentar. Ao priorizar o latifúndio monocultor, o agronegócio aumentou a expulsão de camponeses, indígenas e negros do campo, agravando a concentração de concentração de terras; o modelo criou um êxodo rural forte, além do uso de trabalho escravo no campo, a privatização das sementes, a utilização de agrotóxicos e alimentos transgênicos na lavoura.
Além disso, pois desde sua implantação a crise climática aumentou, ao passo que a perda de alimentos na cadeia produtiva aumentou de 30% a 40%. O Agronegócio se apropria de recursos naturais para existir, e mesmo sendo um modelo de agrário que somente aumenta as desigualdades, continua sendo a opção política dos Estados, que se subordinam aos seus interesses, dando aos latifundiários grandes incentivos públicos. Movimentos de diversos lugares do mundo, como Índia, Bolíivia, África, Argentina e Paraguai, relataram que os mesmos problemas causados pelo agronegócio no Brasil está presente em outros lugares, pois são as mesmas companhias transnacionais que ditam as regras.
A economia verde, proposta que está sendo discutida na Rio+20 como novo modelo de desenvolvimento, que vai resolver as crise, também foi duramente criticada. A economia vede foi descrita como uma agenda política que quer preparar o território para a acumulação de capital por meio do controle da natureza, que vai agravar os problemas já existentes no campo, como a grilagem, despejos da população original e concentração de terras.
Por fim, questionou-se o papel que a tecnologia agrícola exerce hoje, que serve apenas para aumentar a acumulação de riquezas e o controle no campo a uma velocidade maior, pela utilização de máquinas e sementes transgênicas. Ao invés de se pensar em soluções sociais para problemas sociais, estas tecnologias prometem resolver os problemas por si só. Exemplo disso são os processos tecnologicos mais recentes, como a biotecnologia, que promete criar a diversidade natural que perdemos em um laboratório, liberando a exploração dos recursos atuais à exaustão; a geoengenharia, por sua vez, vai permitir “controlar o termômetro das regiões do mundo”. Ao invés de se diminuir as emissões de carbono para controlar a crise climática, esse controle resolveria o problema. No entanto, esse controle estará nas mãos dos poderosos, o que pode ter graves conseqüências para todos.
Nossas soluções – Na parte da tarde, a plenária se reuniu pela segunda vez para discutir as alternativas que vem de experiências dos povos aos problemas sociais que vivemos. A Soberania Alimentar é o modelo agrícola que foi proposto na plenária como alternativa ao agronegócio e à crise ambiental e alimentar que vivemos. O termo contrapõe-se ao de Segurança Alimentar, cunhado pela FAO como forma de tentar resolver a crise alimentar por vias de mercado, e que foi responsável por desestimular a produção interna de alimentos dos países, que precisam importá-los agora.
A Soberania Alimentar consiste em dar aos camponeses condições dignas para viver e produzir alimentos saudáveis, que não estão contaminados por agrotóxicos e cujas sementes são as crioulas tradicionais dos povos, e não transgênicas. Nos dias atuais, a agricultura familiar, apesar da falta de incentivos públicos, é responsável por alimentar 70% da população mundial. Se a Soberania Alimentar for adotada, será possível produzir alimentos para o mundo todo. Para que isso aconteça, no entanto, é preciso que medidas contrárias às que são adotadas hoje sejam tomadas.
A principal é o conjunto de políticas públicas que precisa ser adotado, para dar aos camponeses o acesso a terra, deve-se realizar efetivamente a Reforma Agrária; Também é necessário garantir aos camponeses o acesso à água, às sementes locais e ao crédito rural. O saber camponês precisa ser resgatado e valorizado; deve-se alterar a situação das mulheres camponesas, que trabalham mais no campo do que os homens, mas não tem seus direitos reconhecidos e são vítimas de violência, e demarcar as terras indígenas, em constante ameaça pelo agronegócio e pelos megaprojetos. Em relação à Juventude, é preciso erradicar o trabalho infanto-juvenil e garantir a permanência dos jovens no campo.
Foi ressaltado o papel da agroecologia na soberania alimentar. O desafio do modelo agroecológico não é técnico, pois sua eficácia para alimentar o mundo e esfriar o clima está comprovada. Seu desafio é político, pois é um modelo que incomoda as grandes agroindústrias.
Por fim, a plenária destacou que implantar a Soberania Alimentar dadas as condições atuais é um desafio que só pode ser cumprido se as pessoas tanto do campo como da cidade, de todo o mundo, se unirem contra um modelo que vê os alimentos e o planeta apenas como uma mercadoria e explora os camponeses, para lutar por um modelo que respeite os recursos naturais, e reconheça a importância de quem coloca comida na nossa mesa.
Convergência de Comunicação da Cúpula dos Povos – MST