quinta-feira, 24 de setembro de 2020

NOTA: CNBB ACOMPANHA INDIGNADA A DEVASTAÇÃO E SE SOLIDARIZA COM VOLUNTÁRIOS


A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou mensagem sobre as queimadas que ocorrem nos biomas brasileiros da Amazônia, Cerrado e Pantanal. 


Mensagem sobre as queimadas em território brasileiro

 

“As feridas causadas à nossa mãe terra são feridas que também sangram em nós.
(Papa Francisco – Mensagem do presidente da Colômbia, por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente).

  1. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil acompanha indignada a devastação causada pelas queimadas nos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal. Une-se às diversas manifestações de entidades católicas feitas nos últimos dias e enaltece todos que cuidam, com esmero, da Casa Comum, de modo especial os que bravamente combatem os focos de incêndio e trabalham pela preservação da vida nas áreas afetadas. A CNBB se solidariza com todos os voluntários que arriscam a própria vida, atuando com poucos recursos no combate ao crime socioambiental que está ocorrendo e na tentativa de salvar a fauna restante que não foi consumida pelo fogo.
  2. Mesmo diante de tamanha destruição, o Governo Federal paradoxalmente insiste em dizer que o Brasil está de parabéns com a proteção de seu meio ambiente. Esta atitude encontra-se em nítida contramão da consciência social e ambiental, na verdade beneficiando apenas grandes conglomerados econômicos que atuam na mineração e no agronegócio.
  3. O Ministério Público mostrou ao Governo Federal os lugares mais sensíveis onde o desmatamento e a queimada aconteceriam de forma mais evidente. Até mesmo ações judiciais foram propostas. Nada, entretanto, surtiu efeito que evitasse essa tragédia socioambiental.
  4. Não é possível permanecer em silêncio diante, por exemplo, dos cortes orçamentários no Ibama e no ICMBio, bem como do sucateamento dos órgãos de combate e fiscalização. O orçamento liberado para fiscalização do desmatamento no ano de 2019 foi de 102 milhões de reais e ainda sofreu um bloqueio de 15,6 milhões. Neste ano de 2020, o recurso foi ainda menor: conforme o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), aprovado, foram previstos 76,8 milhões para as ações de controle e fiscalização ambiental do Ibama. Isso significa ter 25,2 milhões de reais a menos!
  5. De acordo com o Fundo Mundial para a Natureza – WWF-Brasil, apesar da criação do Conselho da Amazônia, com a promessa de melhor controle no bioma por parte das Forças Armadas, agosto deste ano repetiu e mesmo superou a tragédia vivida em 2019, com um pico assustador no número de focos de incêndio. Essa agressão à Casa Comum, teve como resultado, nos anos de 2019 e 2020, recordes na quantidade de focos de queimadas no Cerrado (50.524 e 41.674), no Pantanal (6.052 e 15.973) e na Amazônia (66.749 e 71.499), totalizando, segundo dados do INPE, 123.325 focos em 2019 e 129.146 até 20 de setembro de 2020, correspondendo a um aumento de 5.821, destruindo grande parte da biodiversidade nestes biomas, ameaçando povos originários e tradicionais. Tudo isso se constitui num processo de verdadeiro desmonte das leis e sistemas de proteção do meio ambiente brasileiro.
  6. Em meio a toda essa devastação – cujas consequências chegam aos países vizinhos – também o bom senso é agredido tanto pelo o negacionismo explícito e reincidente por parte de nossas lideranças governamentais, quanto pela acusação de que povos e grupos seriam os responsáveis por algumas das queimadas. Esta criminalização, feita perante o mundo, camufla, na fumaça das fake-news, o esforço desses povos por sobrevivência, além de trazer o caos da desinformação.
  7. Não basta, porém, apenas constatar com tristeza a destruição ambiental e o desrespeito ao ser humano. Por isso, a CNBB convoca a sociedade brasileira a se unir ainda mais em torno do Pacto pela Vida e pelo Brasil, reforçando a voz dos que desejam um país mais justo e solidário, empenhados na proteção da Casa Comum, partindo dos mais vulneráveis. A efetiva superação dessa caótica situação só se dará por meio de forte fiscalização, investigação e responsabilização dos culpados, obrigação de reflorestamento, recuperação integral da natureza devastada e reorganização da estrutura econômica.
  8. Em meio a nossas diferenças, permaneçamos firmes na esperança e na união, solidificados na certeza de que a vida, em especial a vida humana, é o valor maior que nos cumpre preservar.

Brasília, DF, 23 de setembro de 2020 

Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte, MG
Presidente

Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre, RS
1º Vice-Presidente

Mário Antônio da Silva
Bispo de Roraima, RR
2º Vice-Presidente

Joel Portella Amado
Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, RJ
Secretário-Geral

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Denuncia à ONU os riscos da mineração


O arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Oliveira de Azevedo, em vídeo apresentado na manhã desta segunda-feira, (21/09) durante a 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), disse que instâncias governamentais continuam a flexibilizar as regras para a realização da atividade minerária, mesmo diante do risco de rompi
mento de 40 barragens em Minas Gerais.




45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Item 3

Diálogo interativo com o relator especial sobre direitos humanos e substâncias e resíduos perigosos

21 de setembro de 2020

Concordamos que ainda há medidas que devem ser tomadas pelo Estado para prevenir desastres como os de Brumadinho e Mariana.

Enquanto o governo segue com uma política de flexibilização das licenças de mineração, existem pelo menos 40 barragens em Minas Gerais com risco de rompimento. Em Conceição do Mato Dentro, não houve transparência ou avaliações adequadas de impacto na ampliação da licença à Anglo American, embora haja risco de ultrapassar a capacidade máxima das barragens. Em Paracatú, a barragem Eustáquio, de propriedade da Kinross, está atualmente armazenando onze vezes a capacidade da barragem que rompeu em Brumadinho. Em Barcarena, a maior refinaria de alumínio do mundo, há anos despeja resíduos tóxicos e metais pesados em rios e solos.

Exortamos o Governo Brasileiro a cumprir suas obrigações internacionais, inclusive prevenindo e garantindo que as empresas sejam responsabilizadas.

Fonte: Franciscans International. Vatican News 

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Leonardo Boff: Franciscanos e Jesuítas unidos na Revolução Laudato Si’


por Leonardo Boff em artigo no IHU

Em momentos de  grandes crises, de desastres naturais e, agora, com a epidemia do novo coronavírus, os seres humanos deixam vir à tona aquilo que está na sua essência como humanos: a solidariedade, a cooperação e o cuidado de uns para com os outros.

Vivemos um momento dramático na história da humanidade. Pela primeira vez, um vírus atacou o inteiro planeta Terra. Está dizimando milhares de vidas, afetando indistintamente todos, mas, especialmente, os mais vulneráveis nas periferias das cidades, que não podem fazer adequadamente o confinamento social, nem conseguem evitar as conglomerações, dada a configuração das moradias, que são verdadeiras favelas.

 

Essa pandemia é mais que uma crise. É uma conclamação para mudarmos nossa relação para com a natureza e para com a Mãe Terra, vale dizer, para buscarmos um novo começo, um paradigma novo que nos permita continuar vivos na Casa Comum e levar avante nosso processo civilizatório.

 

Vivemos uma emergência ecológica. No dia 22 de agosto de 2020 ocorreu a Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot). Isso significa que os humanos consumiram todos os bens e serviços e demais insumos vitais não renováveis. A Terra entrou no vermelho e no cheque especial. Se continuarmos com o nosso consumismo, extraímos com violência aquilo que a Mãe Terra já não nos pode dar. Então, ela responde com mais aquecimento global, com eventos extremos, com menos solos férteis, com menos água potável e com uma gama de vírus que não param de atacar as pessoas humanas pondo-lhes em risco a vida.

 

Cientistas qualificados, a convite da ONU, estudaram as nove Fronteiras Planetárias que de modo nenhum devem ser ultrapassadas (entre elas, as mudanças climáticas, a escassez de água potável, o abuso do solo, a erosão da biodiversidade, a alteração do nitrogênio, entre outras), pois causariam um colapso de nossa civilização. Como tudo está interligado, a ruptura de uma fronteira pode provocar a quebra das demais e, assim, iríamos ao encontro do pior.

 

Bem nos alertou a Laudato Si': “As previsões catastróficas já não se pode olhar com desprezo e ironia. Às próximas gerações poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo. O ritmo do consumo, desperdício e alteração do ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta, que o estilo de vida atual, por ser insustentável, só pode desembocar em catástrofes”(n.161).

 

É urgente evitarmos tais catástrofes, mas, mais que tudo, refundarmos, com novos valores e princípios, a nossa existência sobre a Terra, nossa Mãe que nos dá tudo o que precisamos para viver.

 

Em função dessa missão comum, se estabeleceu uma colaboração e uma articulação entre duas famílias religiosas com suas grandiosas tradições amigáveis para com a criação, a vida, os mais destituídos e a Mãe Terra - os franciscanos e os jesuítas - por meio do Serviço Inter-franciscano de Justiça, Paz e Ecologia da Conferência da Família Franciscana do Brasil; do Observatório Luciano Mendes de Almeida da Rede de Promoção da Justiça Socioambiental da Província dos Jesuítas do Brasil, e do Movimento Católico Global pelo Clima. Somam-se ainda como parceiros o Programa MAGIS e a Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE).

 

Os valores de cada uma dessas duas tradições nos poderão inspirar novas formas de cuidar da herança sagrada que a evolução e Deus nos entregaram: a Terra, a Magna Mater dos antigos, a Pachamama dos andinos e a Gaia dos modernos. A Laudato Sì’ nos convoca para “uma conversão ecológica global” e, por 35 vezes, nos cobra “novos estilos de vida”.

 

Em sua encíclica de ecologia integral o Papa Francisco apresenta São Francisco  “como o exemplo por excelência pelo cuidado pelo que é frágil, vivido com alegria e autenticidade. É o padroeiro de todos os que estudam e trabalham no campo da ecologia, amado também por muitos que não são cristãos” (n.10). Diz mais ainda: ”Coração universal, para ele qualquer criatura era uma irmã, unido a ela por laços de carinho; por isso sentia-se chamado a cuidar de tudo o que existe... até das ervas silvestres que deviam ter o seu lugar no horto de cada convento dos frades” (n.11.12).


Santo Inácio de Loyola era um grande devoto de São Francisco, especialmente de sua pobreza. Para ambos, Francisco e Inácio, ser pobre significava mais que um exercício ascético, mas um despojamento de tudo para estar mais próximo dos outros e construir com eles fraternidade. Ser pobre para ser mais irmão e irmã.

 

Para os primeiros companheiros de Santo Inácio, a vida em pobreza, individual e comunitária, sempre acompanhou o cuidado com os pobres, parte essencial do carisma jesuítico. E São Francisco vivia estas três paixões: ao Cristo crucificado, aos pobres mais pobres e à natureza. Chamava todas as criaturas, até o feroz lobo de Gubbio, com o doce nome de irmãos e de irmãs.

 

Ambos vislumbravam Deus em todas as coisas. Como o expressou belamente Santo Inácio: “Encontrar Deus em todas as coisas e ver que todas as coisas vêm do alto”. E dizia mais, bem na linha do espírito de São Francisco: “Não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear internamente as coisas”. Só se pode saborear internamente todas as coisas se as ama verdadeiramente e se sente unido a elas.

 

Tais modos de vida e de relacionamento são fundamentais se quisermos reinventar uma forma amigável, reverente e cuidadosa para com a Terra e a natureza. Daí nascerá uma civilização biocentrada, fundada na interdependência entre todos, na solidariedade, na cooperação e no cuidado para com tudo o que existe e vive, especialmente com os mais desprotegidos, numa fraternidade universal.

 

Covid-19 é um sinal que a Mãe Terra nos envia para assumirmos nossa missão que o Criador nos confiou de “proteger e cuidar do Jardim do Éden”, isto é, da Mãe Terra  (Gn 2,15). Se juntos, estas duas Ordens, dos franciscanos e dos jesuítas, associados a outros, nos propusermos realizar esse sagrado propósito, daremos a prova de que nem tudo do Paraíso terrenal se perdeu. Ele começa a crescer dentro de nós e se expande para os espaços exteriores, fazendo, de verdade, da Mãe Terra, a verdadeira e única Casa Comum na qual podemos viver juntos na justiça, na paz e na alegre celebração da vida.

 

As duas tradições espirituais, agora unidas em defesa e na promoção da vida e da Mãe Terra, podem protagonizar os primeiros passos rumo a essa transformação necessária de uma nova relação terna e fraterna com todos os humanos e de modo especial com a natureza devastada e a Mãe Terra  sofrida.


Fonte: IHU