quarta-feira, 29 de junho de 2016

Vale consegue licença prévia para construir barragem Maravilhas III

Gigante. O complexo Vargem Grande (foto)
fica em Nova Lima e a mina do Pico, em Itabirito
do Jornal O Tempo - Ludmila Pizarro
Após iniciar o processo de licenciamento em 2011, a Vale teve o pedido de Licença Prévia (LP) para a construção da Barragem Maravilhas III aprovado ontem pela URC Rio das Velhas, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), 11 conselheiros votaram a favor do parecer favorável à LP da Semad, quatro contra, e três não compareceram para votar.

Segundo a Vale, a barragem Maravilhas III permitirá a continuidade das operações das minas do complexo Vargem Grande, localizadas em Nova Lima, e da mina do Pico, em Itabirito. A nova estrutura, que fará parte de um complexo que conta com mais duas barragens “ocupará uma área de 44 hectares e deve ser implantada em três anos. A tecnologia de construção será a mesma utilizada em hidrelétricas de grande porte, com maciço em aterro controlado com solo compactado”, afirma a nota da mineradora.

Mesmo assim, grupos ambientalistas são contrários a construção da barragem. Segundo um documento do grupo “Água Vale Mais”, argumenta contra a construção, que a barragem terá capacidade para estocar cerca do dobro do volume que desceu da barragem de Fundão em Mariana. Em caso de rompimento, uma dos pontos atingidos seria uma área de captação de água da Copasa, que alimenta Belo Horizonte e a região metropolitana. Além disso, existem comunidades abaixo do local que estão a menos de 30 minutos da chegada da lama em caso de rompimento.

DIMENSÃO
Dados do complexo Vargem Grande e da mina do Pico
Produção anual: 48 milhões de toneladas de minério.
Geração de empregos: 6.000 empregos locais.
Arrecadação em impostos: R$ 1,5 bilhão.

Moradores querem se mudar de local
Segundo o advogado dos condomínios Vale dos Pinhais e Estância Alpina, Tiago Louzada Gontijo, a aprovação da licença prévia para a construção da barragem Maravilhas III, reforça a ideia de que os moradores das comunidades próximas à área de construção devem se mudar do local. “Ninguém quer ficar na área com a barragem. A saída é a indenização. Resta saber se a Vale vai indenizar essas famílias”, explica o advogado. Segundo ele, a ideia da desocupação dos condomínios conta com apoio do Ministério Público de Minas Gerais.
Os condomínios, que reúnem cerca de 400 pessoas segundo Gontijo, estão em raio de menos de um quilômetro da área de construção da nova barragem da mineradora Vale. “Um deles ficaria a 300 metros da barragem. Para se ter uma ideia, Bento Rodrigues estava a seis quilômetros da barragem de Fundão”, diz.
Com a proximidade dos condomínios, a aplicação de medidas de proteção não surtiriam efeitos em caso de rompimento, na avaliação do advogado. “Nesses casos, não adianta ter sirene, não adianta ter plano de emergência, um rompimento causaria inundação imediata”, pondera. (LP).
FONTE: JORNAL O TEMPO

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Novo atlas geográfico facilita estudo de terras indígenas

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) lançou nesta segunda-feira (27) o Atlas Nacional Digital do Brasil 2016 (acesse aqui), que irá facilitar o estudo de áreas indígenas e suas populações.
O aprimoramento dos dados no novo documento permitiu identificar as áreas indígenas em novas escalas geográficas e apontar características sociodemográficas dentro e fora das Terras Indígenas.
O levantamento feito no Censo 2010 revelou que 517,4 mil indígenas (57,7% de toda a população) viviam nas Terras Indígenas oficialmente reconhecidas no ano em que a pesquisa foi realizada.
As maiores populações estavam nas regiões Norte (73,5%) e Centro-Oeste (72,5%). Roraima era o estado com o maior percentual (83,2%); já o Rio de Janeiro detinha a menor proporção (2,8%).
Outro dado importante é a autodeclaração de etnia ou povo. Cerca de 75% dos entrevistados que se declararam indígenas souberam informar os dados e também revelaram características de acordo com sua localização, assim como os Xavantes, mais numerosos nos estados da região Centro-Oeste, e os Guarani Kaiowá, espalhados por toda a região Sul e parte das regiões Sudeste e Centro-Oeste.
Também foram identificadas 274 línguas indígenas em uso no país. Cerca de 37,4% dos indígenas de cinco anos ou mais de idade falavam uma língua indígena, e esse percentual aumenta para 57,3% dentro das Terras Indígenas.
O novo Atlas utiliza informações contidas no “Atlas Nacional do Brasil Milton Santos”, originalmente publicado em 2010, com o acréscimo de mais 170 mapas com informações demográficas, econômicas e sociais, além de um caderno temático sobre a população indígena. 
Edição: Camila Rodrigues da Silva
FONTE: IBGE, BRASIL DE FATO

sábado, 25 de junho de 2016

A Europa abandonou a União Europeia há tempos

“Desde o princípio, a Grã-Bretanha declarou que entrava na União Europeia não para compartilhar um projeto comum, mas por interesses econômicos. A partir de então, foi colocando obstáculos ao melhor da União Europeia: conseguiu que, na chamada Constituição, as normas de economia liberal fossem obrigatórias e as de justiça social apenas recomendações; e assim é impossível construir uma verdadeira união”, escreve José Ignacio González Faus, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 24-06-2016. A tradução é de André Langer.

Eis o artigo.
Inevitavelmente, o Brexit me fez pensar nas leituras do Livro dos Reis, da liturgia destes dias: “Jerusalém nunca será tomada. Deus a protege”. Enquanto isso, o povo seguia sendo infiel e seus profetas ameaçavam que as coisas poderiam acabar mal. E, finalmente, foi o que aconteceu: nada pôde contra nós o Senaquerib grego, mas sim o Nabucodonosorbritânico... Os judeus não acreditaram. Mas, ao final, tiveram a sensatez de reconhecer que, por mais criminoso que fosse o rei da Babilônia, também eles tinham boa parte de culpa nos acontecimentos que se precipitaram sobre eles.
Poderíamos nós reagir de uma maneira semelhante? Vamos tentar.
Para começar: se a Europa abandonou a União Europeia há tempos, também não é de se estranhar que hoje a Grã-Bretanha a abandone.
Mesmo que não o reconheçam, os temores do sr. Juncker e sua laia não são simplesmente medos econômicos: ao final das contas, segundo dizem os técnicos, será pior para a Grã-Bretanha. O que deixa desgostosos os atuais ditadores europeus é que se ponha de relevo que não há nada de emocionante na Europa que eles estão construindo e desfigurando.
A história mostra que quando aparecem tsunamis nacionalistas simultâneos em vários lugares, são sintomas não de um suposto sentimento pátrio, mas de um descontentamento mais radical e profundo: são comparáveis àquilo que Ignacio Ellacuría chamava de “análise de fezes”, que pode refletir que algo funciona bastante mal em nossas vísceras. Para mim, esse algo é simplesmente a justiça econômica.
Desde o princípio, a Grã-Bretanha declarou que entrava na União Europeia não para compartilhar um projeto comum, mas por interesses econômicos.
A partir de então, foi colocando obstáculos ao melhor da União Europeia: conseguiu que, na chamada Constituição, as normas de economia liberal fossem obrigatórias e as de justiça social apenas recomendações; e assim é impossível construir uma verdadeira união. Foi jogando, além disso, para conseguir benefícios pessoais para ela só se quiséssemos que ela ficasse... A verdade é que, nessas condições, é melhor não ficar.
Permito-me recordar (para não ser mal interpretado) que, há quase 50 anos, escrevi sobre Londres que há muitas coisas admiráveis no “british” e que seria uma pena se a Europa as perdesse. Mas, o admirável britânico são coisas como a Carta Magna ou figuras como Shakespeare. Não personagens como a senhora Thatcher, Tony Blair ou Nigel Farage.
Um último ponto deve ficar para a reflexão dos políticos e juristas.
Não sei quem disse que os referendos sempre são vencidos pelo diabo (de fato, Franco sempre os ganhou). Mas me surpreende que se, para mudar uma Constituição, são necessários maioria de três quintos, para algo ainda mais sério, como uma ruptura entre países, basta maioria simples: porque diferenças de 51% e 49% são muito oscilantes, podem mudar de acordo com a direção do vento, e será normal que quem hoje perdeu esse referendo, tente repeti-lo amanhã com a esperança de ganhá-lo então e sem levar em conta que os perdedores de amanhã poderão pedir para repeti-lo depois de amanhã. O caso da Escócia ilustra isto. Mas, naturalmente, estas coisas não podem ser legisladas quando já “se vê o lobo chegando”, mas essas coisas devem ser decididas e estar estabelecidas muito antes.
Este é outro ponto sobre o qual me parece que deveríamos refletir.
Agora, com ou sem Brexit, não esqueçamos que por mais que as fronteiras políticas, sempre contingentes, possam nos separar, une-nos mais a condição de seres humanos e (dito de maneira cristã) de irmãos como filhos de um mesmo Pai.
FONTE: IHU

quinta-feira, 23 de junho de 2016

E-mails entre gestores apontam falhas da Samarco, diz PF

E-mail, enviado a dois diretores da Samarco quatro dias depois do desastre e  apreendido pela Polícia Federal na sede da Samarco, intitulado “Barragem do Fundão – Lições apreendidas”, demonstra de forma clara que eles estavam cientes dos erros da empresa.

Esse e-mail citado pela Polícia Federal, em posse da Folha, prova que a Samarco “sabia de todos os problemas da barragem”. Segundo o que escreve a polícia em relatório,  a mensagem “demonstra que, para se economizar na obra, a segurança e a confiabilidade foram postas de lado”.

A obra foi feita pela construtora Camter.

Erros da empresa relatados no e-mail, segundo reportagem da Folha:

1.     O projeto básico não foi devolvido à projetista para revisão e elaboração do projeto detalhado.
2.     O projeto foi totalmente modificado após o início da construção. Passou-se de uma galeria de 90m, de comprimento para duas de 500m, por exemplo.
3.     A fiscalização ficou a cargo de duas empresas (Pimenta de Ávila e Logos), o que dividiu responsabilidades.
4.     Vários problemas ocorreram durante a construção; a Samarco interferiu o tempo todo alterando materiais.
5.     A equipe de projeto não acompanhou o inicio da operação, e a documentação com orientações não foi repassada à equipe de operação.
6.     Quando se viu que o projeto havia sido totalmente alterado, houve mudança no valor do contrato sem renegociação.
7.     A Camter não foi chamada para dar garantia técnica, quando os problemas começaram, e sim meses depois, quando a construção já havia sido alterada.


Para a polícia, os diretores da mineradora sabiam do risco de a barragem romper. Eles pensaram até em transferir a vila de Bento Rodrigues, que ficou destruída pela lama, para outro local. Em 2012, três anos antes da tragédia, o então diretor de operações Kléber Terra, escreveu que "acionistas querem tirar Bento de qualquer jeito".  Mas ele achava "que a turma tá superestimando os danos das estruturas atuais".

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Corpo de Nicinha é encontrado após cinco meses desaparecido

da Página do MAB
Nesta terça-feira (21), o corpo de Nilce de Souza Magalhães, mais conhecida como Nicinha, foi encontrado no lago da barragem da Usina Hidrelétrica Jirau, em Porto Velho (RO). A liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) havia sido assassinada no início do ano e seu corpo estava desaparecido desde o dia 7 de janeiro.
O cadáver foi achado em um local há apenas 400 metros de distância da antiga moradia da militante, que vivia em um acampamento de pescadores no rio Mutum. Descoberto por trabalhadores da hidrelétrica, o corpo estava com as mãos e pés amarrados por uma corda e ligado a uma pedra.
Duas filhas de Nicinha, chamadas ao Instituto Médico Legal para fazerem o reconhecimento do corpo, confirmaram que o relógio e as roupas encontradas com o corpo eram da mãe. Apesar disso, a comprovação virá apenas com o resultado do exame de DNA, em aproximadamente 15 dias.
Impunidade
Nicinha foi vista pela última vez na barraca de lona onde morava com seu companheiro, Nei, em um acampamento com outras famílias de pescadores, atingidas pela Usina Hidrelétrica (UHE) Jirau, na localidade chamada de “Velha Mutum Paraná”.
Há cerca de dois meses, Edione Pessoa da Silva, preso após confessar o assassinato da militante, fugiu da Penitenciária Estadual “Edvan Mariano Rosendo”, localizada em Porto Velho (RO), onde estava detido.
A liderança era conhecida na região pela luta em defesa das populações atingidas, denunciando as violações de direitos humanos cometidas pelo consórcio responsável pela UHE de Jirau, chamado de Energia Sustentável do Brasil (ESBR). Filha de seringueiros que vieram do Acre para Abunã (Porto Velho) em Rondônia, onde vivia há quase cinquenta anos, foi obrigada a se deslocar para “Velha Mutum Paraná” junto a outros pescadores. No local, não existia acesso à água potável ou energia elétrica.
Nilce realizou diversas denúncias ao longo desses anos, participando de audiências e manifestações públicas, entre as quais, apontou os graves impactos gerados à atividade pesqueira no rio Madeira. As denúncias geraram dois inquéritos civis que estão sendo realizados pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual sobre a não realização do Programa de Apoio à Atividade Pesqueira e outro, de caráter criminal, em função de manipulações de dados em relatórios de monitoramento.
Ainda emocionados pelo aparecimento do corpo de Nicinha, lideranças do MAB reafirmaram a necessidade de esclarecimento do caso e punição aos culpados. Em breve, um ato político em homenagem a militante será convocado em Porto Velho. 
FONTE: MAB

terça-feira, 21 de junho de 2016

Brooksfield Donna, marca da Via Veneto, é flagrada com trabalho escravo

da Reporter Brasil
Piero Locatelli 20/06/2016

Bolivianos trabalhavam mais de 12 horas por dia e viviam em condições degradantes em oficina quarterizada. Empresa foi responsabilizada por trabalho análogo ao escravo

O mesmo tecido que estampa a capa da página da Brooksfield Donna no Facebook estava sobre mesas de uma precária oficina de costura na zona leste de São Paulo no começo de maio. Na rede social, o tecido vestia o corpo de uma modelo loira, magra e alta. Na periferia de São Paulo, ele era costurado por cinco bolivianos que trabalhavam ao menos 12 horas por dia, sete dias por semana, e moravam dentro do local de trabalho.

A Brooksfield Donna, marca feminina de luxo do grupo Via Veneto, produziu peças com mão de obra análoga à de escravo, de acordo com auditoria do Ministério do Trabalho e Previdência Social realizada no dia 6 de maio. A empresa nega ter qualquer responsabilidade sobre os trabalhadores encontrados.


Na casa onde a oficina estava instalada, não havia extintores de incêndio, as instalações elétricas eram precárias e improvisadas, e o chão acumulava pilhas de tecidos, formando um cenário de fácil combustão onde a única porta de saída permanecia trancada.

Um dos cinco trabalhadores era uma adolescente de 14 anos. Dentro da oficina, os fiscais encontraram outras duas crianças.

O forte odor também escancarava as condições precárias de higiene, segundo os auditores fiscais. A ausência de papel higiênico, colchões dentro da cozinha e a falta de limpeza do local também agravavam a insalubridade. Segundo os auditores, “as condições de segurança e saúde eram inexistentes, tanto nos locais de trabalho, como nos locais de moradia.”

Um dos cinco trabalhadores era uma adolescente de 14 anos, filha do dono da oficina, Felix Gonzalo, que também foi encontrada na mesma situação. Segundo os auditores, a adolescente não poderia trabalhar porque a costura é uma das atividades econômicas onde é proibida a contratação de trabalhadores menores de 18 anos. O trabalho com instrumentos perfurantes, como a máquina de costura, está entre “as piores formas de trabalho infantil”, que o Brasil se comprometeu a eliminar até 2016.

Dentro da oficina, os fiscais encontraram outras duas crianças. Elas moravam com as mães, que passavam quase todo o tempo sobre as máquinas de costura. A demanda das crianças por cuidados agravavam os riscos de acidente em um trabalho que exige concentração e em um ambiente onde as máquinas não tem nenhum tipo de isolamento.

Etiquetas da Brooksfield Donna na oficina onde os trabalhadores foram encontrados. Foto: MTPS

Via Veneto comandava produção

Embora todas as peças produzidas por essa oficina fossem para a marca Brooksfield Donna, o local era um fornecedor “quarterizado” da Via Veneto, ou seja, uma empresa subcontratada por outra companhia terceirizada pela marca. Esse tipo de prática é um elemento comum nas redes que exploram o trabalho escravo. Uma empresa intermediária, a MDS Confecções, recebia as encomendas e as repassava à confecção de Gonzalo, que costurava as peças exclusivamente para a Brooksfield Donna. Cada costureiro recebia, em média, R$6,00 por peça costurada. Roupas da mesma coleção feita na oficina chegava a custar R$ 690,00 em lojas visitadas pela reportagem. Mesmo se um trabalhador costurasse 293 horas por mês, mais de catorze horas por dia útil, sua remuneração estaria abaixo do piso salarial da categoria, de R$ 1.246,50 mensais.

Detalhe de blusa costurada na oficina onde foi encontrado trabalhadores em condição análoga à de escravo. Foto: MTPS

A empresa alegou aos auditores que não possui nenhuma relação com os trabalhadores. Questionada pela reportagem, a Via Veneto afirma que não terceiriza seus serviços, e que “não mantém  e nunca manteve relações com trabalhadores eventualmente enquadrados em situação análoga a de escravos pela fiscalização do trabalho” (Leia a íntegra da nota).

Cada costureiro recebia, em média, R$6,00 por peça costurada. Roupas da mesma coleção feita na oficina chegava a custar R$ 690,00 em lojas visitadas pela reportagem.

A Via Veneto, porém, controlava todo o processo de produção e confecção segundo os auditores fiscais do trabalho. Era ela quem definia prazos, quantidades e os modelos das roupas. A empresa também estabelecia o preço pago à confecção, arbitrado na elaboração de “peças-pilotos”, os modelos a serem seguidos pelas costureiras nas oficinas. Além disso, o pagamento dos trabalhadores pelas empresas só era feito após a Via Veneto receber as encomendas.

Detalhes das peças encomendadas pela Brooksfield, em mural na MDS. Foto: MTPS
A empresa também permitiu que a MDS, contratada por ela, terceirizasse a produção para outras empresas, o que reduz ainda mais os custos. Outras marcas que contratam a empresa para produzir roupas, como a Le Lis Blanc e a Animale, produzem as suas peças dentro da própria MDS, segundo a auditoria. A reportagem tentou entrar em contato com a MDS, mas não obteve resposta da empresa. Questionada pela Repórter Brasil, a Brooksfield não respondeu as perguntas sobre sua relação comercial com a MDS.

Leia mais:

“Sem trabalho e em situação famélica”

Os trabalhadores encontrados continuam em uma situação de extrema fragilidade devido à postura da Brooksfield diante dos problemas. “A empresa demonstra uma falta de vontade de resolver uma situação básica, de dignidade básica do trabalhador,” diz Lívia Ferreira, auditora fiscal que coordenou a fiscalização. “[A Via Veneto] não teve nem uma humanidade mínima de pagar para cinco trabalhadores valores que nem são altos.” A empresa deveria pagar entre R$ 1.062,99 e R$ 4.156,39 mil para cada trabalhador, totalizando R$ 17.688,55 para todos os cinco.

“[A Via Veneto] não teve nem uma humanidade mínima de pagar para cinco trabalhadores valores que nem são altos.” A empresa deveria pagar R$ 17.688,55 para todos os cinco trabalhadores.

A postura do grupo Via Veneto é distinta da maioria das empresas que foram flagradas com trabalho escravo nos últimos anos, e demonstraram alguma colaboração na tentativa de sanar as demandas urgentes dos trabalhadores logo após a fiscalização. Marcas como Le Lis Blanc e Luigi Bertolli aceitaram tomar medidas emergenciais, apesar de se defenderem das acusações de trabalho escravo em momento posterior. Ao negar o auxílio, a Via Veneto argumentou ao Ministério Público do Trabalho que “não é responsável por nenhuma das pessoas” do inquérito que investiga o caso.

Trabalhadores não receberam auxílio da Brooksfield, o que os deixa em uma situação de extrema fragilidade. Foto: MTPS
A postura de negação do problema coloca a Via Veneto entre os grupos mais atrasadas no combate ao trabalho escravo, um problema enraizado no DNA do setor têxtil do Brasil e do mundo. Admitir que a escravidão existe é apenas o primeiro passo para uma série de mudanças necessárias e urgentes no combate a esse tipo de exploração. Entre outras medidas a serem tomadas, estariam a transparência aos clientes sobre seus fornecedores e o monitoramento das condições de trabalho nessa cadeia.


Como a empresa sequer tomou o primeiro passo nesse sentido, agora quatro dos trabalhadores encontrados na oficina só estão recebendo o seguro desemprego no valor de um salário mínimo.Já a adolescente está numa situação de vulnerabilidade ainda maior, já que esse benefício não é previsto para os casos de trabalhadores com essa idade. Segundo o relatório dos auditores fiscais, enquanto a postura da empresa não mudar, esses trabalhadores devem continuar “sem trabalho e em situação famélica”.

Fonte: REPÓRTER BRASIL - Reportagem realizada por Reporter Brasil com o apoio da DGB Bildungswerk


Crime: Cúpula da Samarco (Vale e BHP Billinton) sabia de problemas na barragem

do Jornal O Tempo

Uma troca de mensagens pelo sistema interno de comunicação da Samarco entre o presidente da empresa à época do rompimento da Barragem de Fundão, Ricardo Vescovi, e diretores mostra que a cúpula da mineradora não só foi informada de problemas com a represa como articulava estratégia para lidar com a precariedade da estrutura. A reportagem teve acesso à transcrição, feita com autorização judicial e presente no relatório final da Polícia Federal sobre a tragédia de 5 de novembro, que deixou 18 mortos e 1 desaparecido.
Nas conversas, Vescovi força a produção de informações para esconder problemas com Fundão. Ao saber de trincas na estrutura, em agosto de 2014 - mais de um ano antes do desastre -, o presidente diz: "O quê? Ai, ai, ai". As conversas foram obtidas pelos delegados em busca e apreensão nas plantas da Samarco nas cidades de Mariana (MG) e Anchieta (ES).
Em depoimento à PF, indagado se durante sua gestão teria chegado ao seu conhecimento algum relato de problema na barragem, Vescovi respondeu que "não". "Estas questões técnicas eram tratadas na área técnica, dentro da diretoria de operações e nas gerências dessas diretorias", disse. "Nunca chegou ao conhecimento do declarante qualquer notícia sobre problemas na estabilidade", diz o documento da Polícia Federal.
As mensagens incluem vários anos de atividades da Samarco - a barragem é de 2008. Uma conversa de 2011 já trata da confiabilidade de Fundão. Em mensagem enviada pelo presidente da Samarco à diretora de Geotecnia da mineradora, Daviely Rodrigues Silva, em conversa sobre o FMEA (sigla em inglês para Failure Mode and Effect Analysis, a análise da confiabilidade de uma estrutura, no caso Fundão), Vescovi indaga se "mudou a probabilidade (de acontecer algum problema) ou apenas a severidade (a rigidez a estrutura)?". "Acho esse ponto o mais relevante de todos, pois é o meio de mostrarmos que as coisas não pioraram, apenas estamos sendo mais críticos na avaliação de severidade." A mensagem é de 27 de julho de 2011, às 23h58, e é uma resposta a um posicionamento técnico sobre Fundão enviado por Daviely. O FMEA é feito periodicamente como forma de acompanhar condições físicas de barragens.
Em seguida, Vescovi diz que "vale a pena abordarmos no texto algo que corrobore com uma baixa probabilidade de um evento, como o FMEA por exemplo, além da própria opinião do ITBR (comitê interno formado por empregados da Samarco e também especialistas externos contratados pela empresa para avaliar as estruturas da mineradora, com reuniões a cada quatro meses)". O texto a que o presidente se refere é o relatório Health and Safety and Operations Performance (Saúde e Segurança e Performance das Operações) das estruturas da empresa.
Vescovi foi informado ainda sobre trincas na barragem, durante troca de mensagens com o então diretor de Operações da Samarco, Kleber Terra. Em conversa capturada pela PF, datada de 29 de agosto de 2014, iniciada às 15h56, Terra diz: "Em Fundão apareceram umas trincas no maciço onde desviamos o eixo". Vescovi responde: "O quê??? Ai, ai, ai... Fica esperto".
Terra afirma que tudo está "controlado". Vescovi pergunta sobre as características do problema. "Que tipo de trinca? Só no maciço, ou conecta com o interior da barragem?"
"Só no maciço. O ITRB na última reunião já havia falado que teremos de fazer uma drenagem intermediária no maciço. Com o alargamento da boca do vale, o tapete drenante anterior não pega todo o maciço no topo", respondeu Terra. O maciço é a parte da frente da represa, a face. O tapete drenante fica embaixo de represas.
A reporatgem procurou Vescovi. Em e-mail enviado pela Samarco à reportagem, o advogado dele, Paulo Freitas Ribeiro, afirmou por nota que "o relatório de investigação da Polícia Federal constitui documento provisório, emitido a partir de entendimento unilateral". "Ricardo Vescovi jamais recebeu qualquer aviso ou alerta sobre eventual comprometimento da segurança da Barragem do Fundão, e tampouco tentou esconder informações de qualquer sorte. Pelo contrário, as informações que recebeu sobre incidentes, naturais da operação, indicavam que a barragem se encontrava rigorosamente dentro dos padrões de segurança, conclusão alçada por diversos especialistas."
"Firme?"
O relatório da PF mostra ainda mensagens entre Terra e Germano Silva Lopes, gerente geral de Projetos da Samarco. Às 11h36 de 4 de setembro de 2014, uma semana, portanto, depois da conversa com Vescovi, ele pergunta para Germano: "E Fundão... Firme?" O diretor faz observações técnicas sobre a represa e afirma que "os instrumentos e monitoramento mostram pouquíssima variação e nos dá garantia que as trincas não evoluíram e o talude está estável".
Terra retorna: "Ótimo... Vc continua resp. tec (você continua responsável técnico) fica esperto..." Já Germano ressalta que fará "uma inspeção mensal na rotina".
Próximo passo
Vescovi, Daviely, Terra e Germano, além de outros dois integrantes do alto escalão da Samarco e um gerente da Vale, controladora da empresa juntamente com a BHP Billiton, um engenheiro da VogBR, prestadora de consultoria para a empresa, foram indiciados pela Polícia Federal por crime ambiental. No caso da Samarco, todos foram afastados em janeiro. O relatório da PF será enviado ao Ministério Público.
FONTE: JORNAL O TEMPO