sábado, 24 de dezembro de 2016

Natal: ocupar a terra e os corações

Não havia lugar para eles, Maria e José. Tiveram que ocupar um estábulo de alguém. Hoje uns diriam invadiram ... despeja! E de fato, a graça invadiu propriedade alheia e se fez de todos, para todos. E ali em meio aos animais, a vida se fez brotar com toda sua força. Nasceu um menino. Na pobreza, envolto em pano, com simplicidade, o colocaram em um coxo. Ali naquela ocupação o Criador é criatura.

O amor é a chave da vida. Tudo transforma. Deus se fez natureza!!! Todos, tudo e cada coisa da natureza confirmados em seu valor e dignidade. É o caminho da justiça, que faz de todos os espaços a casa de todos, uma casa comum.

Como fazer dos espaços rurais e urbanos, espaços comuns de direitos humanos e da natureza? Só, aqui em Uberlândia, são cerca de 8 mil famílias ocupando terras de especulação urbana. Querem fazer brotar a vida neste chão, transformar a cidade em casa comum, respeitando a vida.

Há os que não querem deixar brotar a vida. A Justiça Federal e Ministério Público Feral, em Uberlândia  querem o despejo de 2.350 famílias, que a 5 anos vivem, na Ocupação Bairro Elission Prieto, na região do Glória.

Porém, Deus se fez carne e habitou entre nós! Deus, se fez moradia entre nós, Fraternidade Universal. Nas ocupações de terra,  na luta pela vida, a mística do  Natal, hoje, ecoa: “Ocupar, resistir e morar aqui” – TERRA E CORAÇÕES!!!!


Feliz Natal e um 2017 de Paz e Felicidade!!!
Frei Rodrigo Péret, ofm

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Dom Paulo Evaristo Arns, “o cardeal da esperança”

Dom Paulo Evaristo Arns se notabilizou pela luta a favor dos direitos humanos no Brasil, combateu a ditadura militar, denunciou as torturas perpetradas pelo regime e foi um incansável defensor da causa dos pobres.

Dom Paulo faleceu  nesta quarta-feira, dia 14 de dezembro, vítima de uma broncopneumonia. Tinha 95 anos de idade, 71 de sacerdócio e 76 de vida na Ordem dos Franciscanos. Ele era cardeal desde 1973 e foi arcebispo metropolitano de São Paulo entre 1970 e 1998. Foi grão-chanceler da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) de 1º de novembro de 1970 a 22 de maio de 1998.

Notabilizou-se pela luta a favor dos direitos humanos no Brasil, combateu a ditadura militar denunciando as torturas perpetradas pelo regime e foi um incansável defensor da causa dos pobres.  

Criou a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese em 1972. Deixou a residência episcopal,  o Palácio Pio XII, da cidade de São Paulo, para morar em uma casa simples no bairro do Sumaré, zona oeste. Os US$ 5 milhões da venda do palácio foram aplicados na construção de 1200 centros comunitários na periferia de São Paulo em 1973. 

Em março de 1973, presidiu a Celebração da Esperança, em memória do estudante Alexandre Vannucchi Leme, morto pela ditadura. No ano seguinte, acompanhado de familiares de presos políticos, apresentou ao general Golbery do Couto e Silva um dossiê relatando os casos de 22 desaparecidos. Em outubro de 1975, celebrou na Catedral da Sé o histórico culto ecumênico em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, morto pelo regime militar. 

Apoiou a Comissão Arquidiocesana de Pastoral dos Direitos Humanos e Marginalizados em sua ajuda à greve dos metalúrgicos do ABC, a qual foi marcada pela morte do operário Santo Dias da Silva, agente de pastoral da Arquidiocese de São Paulo. A celebração do enterro de Santo Dias foi presidido por D. Paulo, em 30.10.79.

Orientou as comunidades da Arquidiocese no movimento "Diretas, Já", com a cartilha e slides sobre Fé e Política, em 1981.

Participou, como membro fundador, da Comissão Independente Internacional das Nações Unidas para Questões Humanitárias, sendo o único religioso, em todo o mundo, eleito para esta comissão, em 1981.

Foi responsável, com apoio financeiro do Conselho Mundial de Igrejas e coordenação do
rev. Jaime Wright, o projeto "Brasil: Nunca mais"¸ contendo informações obtidas nos
arquivos militares oficiais sobre o uso institucionalizado da tortura durante o regime militar dos anos 1964-1985. O livro-resumo foi lançado em 15 de julho de 1985

Lançou o Projeto Esperança, campanha para conscientização sobre AIDS na Arquidiocese de São Paulo, em 1987. Tornou-se presidente do Comitê Latino-americano de Peritos pela Prevenção de Tortura (CEPTA), em 1987. Foi o negociador para a libertação do empresário Abílio Diniz, sequestrado por um grupo de chilenos, argentinos, canadenses e brasileiro, em 1989 . Indicado oficialmente para o Prêmio Nobel da Paz de 1989. Participou de encontro interreligioso com o Dalai Lama, na Catedral da Sé, em 9 de junho de 1992


Desde 24 de maio de 1998, quando tornou-se Cardeal Emérito de São Paulo, passou a dedicar parte de seu tempo à promoção da população da Terceira Idade.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

ONU alerta: Teto de 20 anos para o gasto publico violará direitos humanos

Leia também a denuncia encaminhada pela Caritas, CPT, Família Franciscana do Brasil, Comissão Brasileira de Justiça e Paz e Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia,  à ONU, no dia 4 de outubro de 2016 clique aqui

GENEBRA (9 de Dezembro, 2016) – Os planos do governo de congelar o gasto social no Brasil por 20 anos são inteiramente incompatíveis com as obrigações de direitos humanos do Brasil, de acordo com o Relator Especial da ONU para extrema pobreza e direitos humanos, Philip Alson.

O efeito principal e inevitável da proposta de emenda constitucional elaborada para forçar um congelamento orçamentário como demonstração de prudência fiscal será o prejuízo aos mais pobres nas próximas décadas, alertou o Relator. A emenda, que deverá ser votada pelo Senado Brasileiro no dia 13 de Dezembro, é conhecida como PEC 55 ou o novo regime fiscal.

“Se adotada, essa emenda bloqueará gastos em níveis inadequados e rapidamente decrescentes na saúde, educação e segurança social, portanto, colocando toda uma geração futura em risco de receber uma proteção social muito abaixo dos níveis atuais.” 

O Relator Especial nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou ao Governo Brasileiro que garanta um debate público apropriado sobre a PEC 55, que estime seu impacto sobre os setores mais pobres da sociedade e que identifique outras alternativas para atingir os objetivos de austeridade.

 “Uma coisa é certa”, ele ressaltou. “É completamente inapropriado congelar somente o gasto social e atar as mãos de todos os próximos governos por outras duas décadas. Se essa emenda for adotada, colocará o Brasil em uma categoria única em matéria de retrocesso social”. 

O plano de mudar a Constituição para os próximos 20 anos vem de um governo que chegou ao poder depois de um impeachment e que, portanto, jamais apresentou seu programa a um eleitorado. Isso levanta ainda maiores preocupações sobre a proposta de amarrar as mãos de futuros governantes.

O Brasil é a maior economia da América Latina e sofre sua mais grave recessão em décadas, com níveis de desemprego que quase dobraram desde o início de 2015.

O Governo alega que um congelamento de gastos estabelecido na Constituição deverá aumentar a confiança de investidores, reduzindo a dívida pública e a taxa de juros, e que isso, consequentemente, ajudará a tirar o país da recessão. Mas o relator especial alerta que essa medida terá um impacto severo sobre os mais pobres.

“Essa é uma medida radical, desprovida de toda nuance e compaixão”, disse ele. “Vai atingir com mais força os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis, aumentando os níveis de desigualdade em uma sociedade já extremamente desigual e, definitivamente, assinala que para o Brasil os direitos sociais terão muito baixa prioridade nos próximos vinte anos.”

Ele acrescentou: “Isso evidentemente viola as obrigações do Brasil de acordo com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que o pais ratificou em 1992, que veda a adoção de “medidas deliberadamente regressivas” a não ser que não exista nenhuma outra alternativa e que uma profunda consideração seja dada de modo a garantir que as medidas adotadas sejam necessárias e proporcionais.”

O Sr. Alston apontou que, nas ultimas décadas, o Brasil estabeleceu um impressionante sistema de proteção social voltado para erradicar a pobreza e o reconhecimento dos direitos à educação, saúde, trabalho e segurança social.

“Essas políticas contribuíram substancialmente para reduzir os níveis de pobreza e desigualdade no país. Seria um erro histórico atrasar o relógio nesse momento,” disse ele.

O Plano Nacional de Educação no Brasil clama pelo aumento de 37 bilhões de reais anualmente para prover uma educação de qualidade para todos os estudantes, enquanto a PEC reduzirá o gasto planejado em 47 bilhões de reais nos próximos oito anos. Com mais de 3,8 milhões de crianças fora da escola, o Brasil não pode ignorar o direito deles de ir à escola, nem os direitos de todas as crianças a uma educação de qualidade.

O debate sobre a PEC 55 foi apressadamente conduzido no Congresso Nacional  pelo novo Governo com a limitada participação dos grupos afetados, e sem considerar seu impacto nos direitos humanos. Um estudo recente sugere que 43% dos brasileiros não conhecem a emenda, e entre aqueles que conhecem, a maioria se opõe a ela.

O relator especial, que está em contato com o Governo Brasileiro para entender melhor o processo e a substancia da emenda proposta, ressaltou que “mostrar prudência econômica e fiscal e respeitar as normas internacionais de direitos humanos não são objetivos mutuamente excludentes, já que ambos focam na importância de desenhar medidas cuidadosamente de forma a evitar ao máximo o impacto negativo sobre as pessoas.”

“Efeitos diretamente negativos têm que ser equilibrados com potenciais ganhos a longo prazo, assim como esforços para proteger os mais vulneráveis e os mais pobres na sociedade”, disse ele.

“Estudos econômicos internacionais, incluindo pesquisas do Fundo Monetário internacional, mostram que a consolidação fiscal tipicamente tem efeitos de curto prazo, reduzindo a renda, aumentando o desemprego e a desigualdade de renda. E a longo prazo, não existe evidência empírica que sugira que essas medidas alcançarão os objetivos sugeridos pelo Governo,” salientou o relator especial.

O apelo do Sr. Alston às autoridades brasileiras foi endossado também pelos a Relatora Especial sobre o Direito à Educação,  Sra. Koumbou Boly Barry.

FIM

Os Relatores Especiais são parte do que é conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior corpo de peritos independentes do sistema ONU para Direitos Humanos, é o nome dado aos mecanismos independentes para monitoramento do Conselho. Relatores especiais são especialistas em direitos humanos apontados pelo Conselho de Direitos Humanos para tratar de questões específicas de país ou temáticas em todo o mundo. Eles não são funcionários da ONU e são independentes de qualquer governo ou organização. Eles servem em capacidade individual e não recebem salário por seu trabalho. Para mais informações, consulte: http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/SP/Pages/Welcomepage.aspx

Direitos Humanos da ONU, página do país – Brasil:  http://www.ohchr.org/EN/countries/LACRegion/Pages/BRIndex.aspx

Para mais informações e solicitação de imprensa, entre em contato com Junko Tadaki (Tel: + 41 22 917 9298 / jtadaki@ohchr.org) ou escreva para freedex@ohchr.org

Para solicitações da mídia relacionadas a outros especialistas independentes da ONU:
Xabier Celaya - Unidade de mídia (+ 41 22 917 9383 / xcelaya@ohchr.org)

Para usar nossos sites de notícias e redes sociais: mensagens-chave sobre os nossos comunicados de imprensa estão disponíveis nas plataformas de redes sociais dos Direitos Humanos da ONU, listados abaixo. Por favor, tag os marcadores adequados
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Youtube: unohchr

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Perícia para apurar denúncias de fraude na privatização da Vale

Pedro Carrano - Brasil de Fato
Decisão é do Tribunal Regional Federal de Brasília com base em 64 ações populares que apontam irregularidades no leilão.

A companhia Vale, antiga Vale do Rio Doce, é uma mineradora leiloada há quase 20 anos, em 1997, dentro do programa de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Desde então, o país perdeu parte da sua indústria. Somado a isso, as inúmeras riquezas extraídas da mineradora são exportadas sem beneficiamento e os lucros da Vale são controlados pelo capital financeiro.

Dezenas de ações populares foram movidas para questionar irregularidades do leilão à época. Com base em 64 dessas ações, o Tribunal Regional Federal de Brasília expediu recentemente uma decisão em que determina a realização de perícia para avaliar o patrimônio atual da Vale. A averiguação servirá de subsídio para a investigação sobre as denúncias de subavaliação do patrimônio quando houve a privatização.

Uma das autoras de ação, a advogada Clair da Flora Martins explica que o Tribunal Federal deve despachar os autos para Belém (PA) no início de 2017. Portanto, a deflagração da perícia dependerá da decisão de um juiz da capital paraense. Na avaliação da advogada, a interferência política e econômica de empresas transnacionais em âmbito local serão obstáculos para o avanço das investigações, o que exigirá mobilização popular. Confira na entrevista:

Brasil de Fato - Você é uma autora de ações populares questionando a venda da mineradora Vale em 1997. Pode explicar qual é a situação dessas ações?
Clair Martins - A Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em 1997. Na oportunidade, muitos patriotas ingressaram com ações populares, procurando sustar a realização do leilão, designado então para maio de 1997. As ações foram protocoladas em diversos estados e foram remetidas para Belém do Pará, por uma manobra jurídica, porque se tratava de um estado distante das outras capitais e de difícil acesso para advogados que ingressaram com aquela ação. O leilão ocorreu. As liminares foram sustadas. E as ações continuaram tramitando desde aquela época. Em 2002, o juiz federal de Belém julgou extintas sete ações e as demais. Ele entendeu que o leilão já tinha ocorrido e o fato consumado. As ações foram extintas sem análise do mérito e dos seus fundamentos. Houve recurso para o Tribunal Regional Federal de Brasília. E, em 2005, o tribunal decidiu anular a decisão de primeira instância do juiz federal de Belém para que as ações retornassem àquela jurisdição, e fossem avaliados os seus fundamentos e realizada uma perícia para verificar qual o valor das ações vendidas no leilão. Após essa decisão, muitos recursos foram interpostos, chegando ao Tribunal do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e para o Supremo Tribunal Federal (STF). Passaram-se, portanto, dez anos desde aquela decisão. Chegou-se a um momento em que houve trânsito em julgado desses recursos. E não havendo impedimento para o retorno das ações e cumprimento da decisão do Tribunal Regional Federal de Brasília, as ações deverão voltar para Belém do Pará provavelmente em janeiro de 2017.

A venda da estatal foi a “preço de banana”, R$ 3,3 bilhões, e subavaliadas as riquezas. Essa condição de dependência se aprofunda ao longo dos anos?
Nós, diversos brasileiros que ingressaram com ações populares, entendemos que a Vale é uma empresa estratégica para o desenvolvimento econômico e social do país. Consideramos que as riquezas minerais e todo o complexo da companhia devem ter uma exploração sustentável e, da forma como foi feito o leilão, houve uma exploração predatória dos recursos naturais e o exemplo do incidente da Samarco é uma prova real do que pensamos. Os recursos naturais deveriam servir ao desenvolvimento econômico e social do país e não é isso que acontece. Então, privilegia algumas corporações em detrimento do país. Consideramos necessário que o judiciário analise essas questões e que também a população tenha a consciência do significado desse leilão e dos prejuízos que tivemos nesse período. Há vários questionamentos nessas ações. Já falamos da inserção da Vale no Programa Nacional de Desestatização [PND – programa existente até hoje, iniciado no governo de Collor de Mello e aprofundado por Fernando Henrique Cardoso]. Avaliamos que ela é estratégica para o desenvolvimento social do país. Mas nessas ações estão elencadas outras questões e o juiz deve analisar: deverá ser feita uma perícia no patrimônio da Vale e nesta decisão o tribunal detalha qual é o perito ou uma equipe multidisciplinar que o juiz deverá analisar e observar para fazer uma valoração do patrimônio da Vale, já que um dos objetivos questionados é exatamente a subavaliação do patrimônio [na época da venda].

Em 2017, completam-se 20 anos da venda da Vale. Quais são as expectativas?
Temos algumas tarefas pela frente, para fazer cumprir essa decisão. Precisamos divulgar essa decisão do Tribunal Regional Federal para que a sociedade tenha consciência do significado dessa decisão. Nós vamos fazer uma avaliação do patrimônio da Vale. E o tribunal determinou que fossem reavaliadas todas as minas, os ativos imobiliários não operacionais, o direito real de uso da propriedade imóvel do complexo minerário do Carajás, participações acionárias da companhia na Açominas, CSN, Usiminas e Companhia Siderúrgica de Tubarão, desde grande porte até patentes; direitos minerários decorrentes de descobertas em jazidas em Carajás ocorridas após a avaliação, direitos minerários, requerimentos e autorizações de pesquisas, pesquisas concluídas e outras, fundo de comércio na companhia Vale e suas controladas. Essa e tantas outras questões vão envolver a perícia.

Essa perícia é inédita no pós-venda da Vale?
Não tenho conhecimento de outra perícia feito e outra decisão neste sentido, e vai ser julgado por um juiz da cidade de Belém, onde toda a economia do estado gira em torno da Vale. A pressão das transnacionais será muito acentuada sobre o juiz titular que vai julgar essa ação, então precisamos divulgar essa decisão, precisamos que os movimentos sociais se organizem em torno de comitês para debater. Na época a Vale estava em 14 estados, mas em todo o país tem benefícios oriundos da sua riqueza. Toda a sociedade deve se mobilizar para acompanhar essa decisão e essa perícia. Em segundo lugar, o juiz vai nomear uma equipe multidisciplinar para fazer essa perícia. Nós precisamos de técnicos de diversas áreas para indicar como assistentes. Precisamos de pessoas com grande conhecimento em diversas áreas, na área de auditoria, contábeis, geólogos, engenheiros das diversas áreas.

Há um formato para essa perícia? Isso já está definido?
A ideia é que em janeiro (2017) possamos fazer uma reunião com os processos de volta à origem. Vamos fazer uma reunião entre Ministério Público, juiz e os autores das ações das ações populares, embora o Tribunal já tenha especificado o que deve ser feito. Será um trabalho enorme, que deve envolver diversos estados da nação em várias áreas. Então, precisamos de apoio das pessoas conscientes para ajudar na mobilização.

Privatizações ajudaram na queda da indústria nacional, uma vez que, no caso da Vale, a empresa hoje está vinculada ao capital financeiro?
A Vale tinha a participação em 54 empresas coligadas. E logicamente os recursos advindos da exploração do minério, e de todas essas empresas, não são destinados à infraestrutura, toda a população perde com isso. Queremos que a população se conscientize que a Vale significa muito para os brasileiros. Se o dinheiro fosse aplicado em ferrovias, em exploração sustentável, em outra destinação para os minérios, teríamos educação, saúde, toda uma infraestrutura em todo o território nacional. Logicamente, se a empresa não fosse privatizada, todo o país ganharia com a manutenção dessa empresa estratégica nacional, mesmo porque quando a Vale foi criada, por Getúlio Vargas, ela se destinava a esses objetivos, que era o desenvolvimento da região onde a Vale tinha presença. Nós consideramos que o Decreto 4352, de 1942, ele ainda tem vigência. O advogado Eloá Cruz, autor de ações populares, ele questionou em ação dizendo que os lucros só poderiam ser distribuídos no percentual determinado no decreto. Esperamos que em outras oportunidades possamos reavaliar a questão. Porque, se foi desobedecido esse dispositivo, logicamente as empresas que compraram então essas ações e os valores dos lucros foram distribuídos para outras finalidades devem arcar com os prejuízos decorrentes.

Como você vê o fato de que uma das justificativas da privatização da Vale é que, com isso, as dívidas externas do país seriam quitadas?
Na decisão do tribunal, o colegiado acentua que um dos objetivos desse programa de desestatização é a redução da dívida pública de nosso país. Neste acórdão, inclusive, o colegiado faz uma referência dizendo que a dívida era de R$ 64 bilhões foi entregue com R$ 630 bilhões. Então realmente os objetivos não foram cumpridos.

Mais alguma questão importante?
O tribunal está questionando nas ações populares se o modelo determinado para avaliação está correto, se a empresa que foi escolhida para a modelagem era a empresa que não tinha comprometimento com outras do mesmo ramo, concorrentes da Vale. Se neste leilão estava presente urânio, material radioativo, privativo de exploração da união, várias questões serão analisadas por essa equipe multidisciplinar, daí a complexidade desta matéria e da realização da perícia. Então, precisamos de pessoas que realmente tenham capacidade e condições de auxiliar inclusive o juiz nessa importante tarefa que temos pela frente.
FONTE: BRASIL DE FATO

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Xadrez do desmonte da democracia - Luis Nassif

Luis Nassif

Peça 1 – os referenciais para analisar a crise

Os referenciais em torno dos quais montaremos nossos cenários:
1.     O maior agente político continua sendo a massa dos bestificados que saem às ruas impulsionados pelo ódio e pela intolerância exarados pela mídia e pela Lava Jato.
2.     Quase todas palavras de ordem pré- impeachment se esvaziaram. Agora, o alvo da mobilização é o Congresso, com todos seus defeitos, o último setor de manifestação do voto popular. E a turba sendo engrossada por procuradores e juízes, em uma nítida perda de rumo das instituições.
3.     Agora, se tem um Judiciário brigando com o Legislativo, procuradores de Força-Tarefa assumindo a liderança da classe, se sobrepondo ao Procurador Geral, em um quadro de indisciplina generalizada e crescente.
4.     Esse clímax se dará com a revelação das delações da Odebrecht, tornando mais aguda a crise, a desmoralização da política e a busca de saídas milagrosas.
5.     Se terá então a crise econômica se ampliando, o vácuo político se acentuando, e massas raivosas atrás de qualquer solução, por mais ilusória que seja, como esse cavalo de batalha contra a Lei Anti-abusos.
Vamos montar, por partes, esse mapa do inferno.

Peça 2 – o fim de Temer, o breve

A economia se moverá seguindo o roteiro abaixo:
1.     O governo Michel Temer acabou. Trata-se de um político menor e pior do que as piores avaliações sobre ele.
2.     A era Henrique Meirelles também acabou.
3.     O país está à beira de uma depressão, com convulsão social e com um governo sem diagnóstico e sem condição de comandar a recuperação.  Mas o mercado insistirá em uma última tentativa, seguindo o jogo das expectativas sucessivas, conforme você poderá conferir no artigo “Como o marketing reduziu a economia a um produto de boutique”(https://is.gd/WXBqJW).
Henrique Meirelles e sua tropa deixarão de ser a equipe brilhante que salvaria a economia. Daqui para a frente, serão colocados no limbo, e a nova equipe brilhante será a do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que é um Meirelles elevado à tríplice potência.
O problema da equipe econômica que assumiu as rédeas é que o seu objetivo não é o de recuperação da economia, impedindo um desastre social, mas o de destruir qualquer vestígio do modelo anterior, um ideologismo barato e cego, marca, aliás, de boa parte do pensamento econômico brasileiro.

Peça 3 – o governo de transição

Com o fim do governo Temer, aventa-se uma eleição indireta com Fernando Henrique Cardoso, trazendo Armínio Fraga para aprofundar o ajuste fiscal.
Aparentemente, essa loucura não se consumará por dois motivos.
Motivo 1 – FHC refugou.
Em duas manifestações seguidas, FHC admitiu o óbvio: sem a recuperação do voto, através de novas eleições diretas, será impossível a implementação de qualquer programa econômico minimamente consistente. Na verdade, FHC tem noção de suas próprias limitações. Em momentos menos graves – como no processo inicial de consolidação do Real e no início do segundo mandato – FHC foi incapaz de uma ação proativa sequer. Limitou-se a seguir o receituário de seus economistas, de um enorme aperto fiscal, que contribuiu, nos dois casos, para uma economia estagnada durante seus dois mandatos.
Motivo 2 – a aposta errada no aperto
Além disso, caiu a ficha da classe empresarial sobre a loucura de persistir nessa política suicida. Mesmo no mercado, a sensação é que a persistência do quadro recessivo não permite ganhos a ninguém, mesmo ao mercado. E abre o risco de algum populismo de direita, que transforme o mercado no bode expiatório.
A discussão que se iniciará agora é sobre o momento e a oportunidade das novas eleições diretas, uma discussão que levará em conta o potencial eleitoral de Lula e do PT e as alternativas do atual grupo de poder.
O fator Nelson Jobim
Com o PSDB pedindo para afastar de si este cálice, o nome mais forte aventado – lembrado pelo Xadrez de algumas semanas atrás – é do ex-Ministro da Defesa e ex-Ministro do Supremo Nelson Jobim. Tem bom trânsito junto ao PSDB e ao PT e familiaridade com as Forças Armadas, pela condução do Plano Nacional de Defesa.
Como presidente, será uma incógnita. Como candidato potencial, é a melhor aposta até agora.
Mas todas essas alternativas caminham sobre o pântano, representado pelo estímulo fascista às manifestações de rua. Abriu-se nova temporada de estímulo à violência, mostrando que a marcha da insensatez se abateu também sobre os operadores da lei.

Peça 4 - sobre a irresponsabilidade dos golpistas

Não era surpresa para quem tem um mínimo de visão e de responsabilidade institucional. O golpe desmontou definitivamente a democracia brasileira, o modelo que garantiu o equilíbrio político do país desde a Constituição de 1988. Uma mescla de aventureirismo, oportunismo, despreparo, covardia promoveu a abertura da Caixa de Pandora.
Agora, a democracia está desmontada, a economia caminhando para uma depressão. E, no momento, o que se tem é o seguinte:
·      O Executivo liquidado.
·      Uma campanha pesada visando inviabilizar o Congresso.
·      Uma briga de foice entre instituições, com uma cegueira generalizada sobre a gravidade do atual momento.
·      E a ultradireita sendo definitivamente bancada pela parceria Lava Jato-Globo.
O fato de um mero procurador regional ousar afrontar o Congresso em nome pessoal, ameaçando “pedir demissão” de uma força-tarefa para o qual ele foi indicado, mostra a desmoralização institucional do país e a quebra total de hierarquia no próprio Ministério Público Federal. Qualquer deslumbrado, com um metro e meio de autoridade, e uma tonelada de atrevimento, coloca em corner não apenas o Congresso, mas o próprio Procurador Geral.
Até onde irá esse clima? Difícil saber.
Com a delação da Odebrecht, os procuradores da Lava Jato insuflando as manifestações, a crise se aprofundando, o caldeirão das ruas entrará novamente em ebulição, sem que haja uma saída institucional à vista.
A crise começou seu trabalho de espalhar um pouco de bom senso. Mas ainda é uma gota em um oceano de insensatez.