terça-feira, 20 de janeiro de 2015

"O governo está em uma encruzilhada”. Entrevista com líder do MTST

A ascensão do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), capaz de ocupar em poucas horas terrenos destinados à especulação imobiliária a poucas quadras do estádio do mundial em São Paulo, confirma que no Brasilas organizações sociais ainda contam com um peso equivalente e, às vezes, com maior poder de convocação que os partidos progressistas. O MTST participou das marchas que, em junho de 2013, levaram centenas de milhares de manifestantes às ruas, voltou a fazê-lo em 2014, mas sem prestar-se à armadilha desestabilizadora armada pela direita, interessada no fracasso, o que não aconteceu, da Copa do Mundo.

“Creio que 2015 será um ano movido com protestos de rua e greves”, antecipa Guilherme Boulos (foto), líder dos “sem teto”, enquanto milhares de operários da Volkswagen continuavam a greve contra a demissão de 800 companheiros, que recebeu a solidariedade dos trabalhadores da Mercedes Benze da Ford. Na sexta-feira passada, dia 16 de janeiro, a polícia paulista, investigada pela ONU por execuções extrajudiciais, reprimiu com certo exibicionismo a marcha de vários movimentos sociais e estudantes contra o aumento das passagens do transporte coletivo.
“A única forma de garantir conquistas é mobilizando-nos”, garantiu o jovem Boulos durante a entrevista concedida ao Página/12, na qual falou sobre o seu encontro com Lula para formar uma frente de esquerda, disse estar disposto a dialogar com a presidenta Dilma Rousseff e comentou declarações do próprio Axel Kicillof.
Página/12, 17-01-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Que balanço faz da sua reunião com Lula?
Consideramos importante e interessante que o Partido dos Trabalhadores e o presidente Lula defendam uma agenda de esquerda que levaria ao enfrentamento com grupos que participam do governo da presidenta Dilma. Caso isso venha a ocorrer, significará um avanço na conjuntura brasileira. Essa pauta de esquerda ainda está em fase de discussão. Para que esta proposta não seja retórica deverá chocar-se com as elites, um enfrentamento que nem o PTnem Lula fizeram nos últimos anos. A política implementada por Lula em seus oito anos de governo foi conservadora do ponto de vista das reformas que interessam aos setores populares. Garantiu o aumento dos investimentos sociais, mas garantiu mais os lucros das elites que historicamente dominaram o Brasil.
Vocês são céticos sobre a posição que Lula irá adotar?
Nós vemos Lula como um dos dirigentes comprometidos com a política deste governo. Mas não somos sectários, vamos esperar, as coisas são vistas no concreto, a prática é o critério do que é verdade. Hoje, no Brasil, não é possível derrubar nenhum privilégio sem que haja amplas mobilizações. São estas ações massivas que dão respaldo às reformas estruturais que necessitamos.
Sabemos que o PT dirige instrumentos importantes de mobilização, como a maior central sindical do país (a CUT), tem influência sobre vários movimentos sociais. O que vai definir se tudo isto é apenas retórica é ver se o PT trabalha seriamente para ocupar as ruas.
Que agenda o MTST reivindica?
Uma agenda de esquerda, o que significa lutar pela reforma política que implica o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais e a democratização dos meios de comunicação. Supõe leis que garantam uma maior participação popular, uma reforma tributária, uma auditoria da dívida pública, reforma urbana, reforma agrária. Reconheçamos que é ilusório supor que o Congresso, dominado por grupos reacionários, vai apoiar estas reivindicações. Dou-lhe um exemplo: Eduardo Cunha, o líder do PMDB, um partido fundamental no governo, já disse que se opõe radicalmente à democratização dos meios de comunicação.
O MTST dialoga com Lula e não participou com o PT da posse da Dilma.
São duas coisas compatíveis. Quero esclarecer que não vemos nenhuma diferença de projeto entre Dilma e Lula. Agora, embora o MTST tenha uma posição muito crítica a este modelo, somos um movimento não sectário, dialogamos com a presidenta em 2014. Dialogamos com vários grupos com os quais temos divergências, porque somos um grupo com reivindicações concretas de moradia popular. Para ter conquistas é preciso debater políticas públicas, fazer pressão.
Boulos, de 32 anos, toma alguns segundos antes de iniciar cada resposta, talvez como reflexo da sua formação profissional. É professor de filosofia e de psicanálise. Seu batismo de fogo ocorreu em 2014, quando encabeçou colunas de milhares de cidadãos sem teto, a versão urbana dos combativos trabalhadores rurais sem terra, o MST. Do mesmo modo que o MST, os sem teto cultivam uma relação pendular com os governos do PT, embora o grosso da sua militância tenha votado em Lula e na Dilma. O problema, pontua Boulos, é que, além das opções eleitorais, o dado “objetivo” está no esgotamento do modelo iniciado em 2003.
Explique-nos em que consiste esse esgotamento.
Primeiro, devemos ter em conta que o Brasil deixou de ter o crescimento econômico que houve até 2010. Nos últimos quatro anos houve um crescimento medíocre (a Cepal projeta expansão de 0,2% em 2014) e a tendência é que a situação siga igual em 2015 e possivelmente nos anos posteriores.
Isto coloca o governo em uma encruzilhada, dado que inviabiliza a fórmula exitosa de distribuir renda permitindo o crescimento da classe média. O petismo caracterizou-se por aumentar o salário mínimo, realizar investimentos na área social, mas ao mesmo tempo os banqueiros, as construtoras e o agronegócio obtinham lucros recordes. O governo está em uma encruzilhada: ou opta por dar respostas aos pobres ou continua com o ajuste.
O MTST é aliado ou inimigo do governo?
O fato de que o MTST seja um crítico agudo do governo não significa que nós colocamos os governos de Dilma e deLula no mesmo nível da direita tradicional. Sabemos que há alianças, compromissos entre o PT e a direita tradicional, mas eles não são a mesma coisa. Apesar de seu progressismo limitado, este governo não é a mesma coisa que um governo do capital financeiro puro sangue. O MTST adota uma posição independente e crítica em relação a Dilma, não apenas em relação à nomeação de ministros situados à direita, como o da Fazenda (Joaquim Levy), ou da ministra da Agricultura Kátia Abreu, que é uma criminosa. Dilma optou por uma governabilidade conservadora em vez de apoiar-se nos movimentos populares. Essa opção leva a concessões cada vez mais graves e ao não cumprimento de demandas populares fundamentais implementadas por outros governos da região. Isto quer dizer que é possível obter avanços em vários temas, mas o pacto com os conservadores o impede.
Em que temas específicos?
Para responder, vou fazer uma breve comparação com a Argentina. No Brasil, os governos dos últimos 12 anos não fizeram várias coisas impulsionadas nos governos Kirchner. Sabemos que esses governos tiveram e têm contradições, mas na Argentina houve a reestatização da YPF, o enfrentamento dos fundos financeiros especulativos, uma política que buscou a democratização das comunicações.
O MTST sai à rua, mas a direita também, e com reivindicações desestabilizadoras.
Na campanha eleitoral (que acabou com a reeleição de Dilma) o setor mais atrasado e reacionário da direita saiu do armário em que estava escondida. E saiu com tudo: defendendo o racismo, as Forças Armadas, criminalizando as lutas sociais, semeando o ódio aos pobres e homossexuais. São setores que não admitem o PT no governo, nem sequer este PT, com seu programa de reformas sociais tímidas. São setores que estão encastelados nos meios de comunicação, no Congresso, nos partidos políticos tradicionais.
Teme um retorno da direita?
Não há condições para um golpe de Estado no Brasil... O que vemos é que estamos diante de processos progressistas que se dão em vários países simultaneamente e que são duramente atacados. Há operações golpistas contra o governo bolivariano da Venezuela, há ataques fortes contra o governo argentino. Vê-se também como alguns ataques parecem ser coordenados, isto parece que está acontecendo agora na Argentina e no Brasil, como disse há alguns dias o próprio Axel Kicillof.
Ao fazer paralelos entre a situação da Petrobras e o processo contra a Argentina em Nova York...
Li a declaração do ministro Kicillof na internet e considero que é um ponto de vista razoável, porque é mais que evidente que tanto no Brasil como na Argentina estão na mira de grupos financeiros interessados na Petrobras. Não desconhecemos que há uma corrupção endêmica no Estado brasileiro, porque há interesses privados envolvidos na condução da máquina estatal, as construtoras estão envolvidas no caso da Petrobras. Mas esse caso se transformou em uma desculpa para uma campanha para privatizar a empresa. O mesmo já se fez nos anos 1990, durante o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, com campanhas para desmoralizar outras empresas públicas, mais tarde privatizadas a preço de banana.
FONTE: IHU e PAGINA 12

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