segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Morre, aos 98 anos, Dom José Maria Pires, profeta e bispo do povo

Bispo do Povo, símbolo da resistência ao governo militar e de uma Igreja profética e comprometida com os pobres, Dom José Maria Pires, faleceu em Belo Horizonte, nesse domingo dia 27, aos 98 anos de idade. Vinha enfrentado problemas de saúde desde que foi acometido por um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Dom José Maria Pires tinha 70 anos de sacerdócio e 60 anos como bispo.

A vida de Dom José Maria foi marcada pela defesa dos excluídos. Em plena ditadura militar, em dezembro de 1975, criou o Centro de Defesa de Direitos Humanos da Arquidiocese da  Paraíba, iniciativa pioneira no Brasil. Apoiou os camponeses e os sem terra nos conflitos pela terra na Paraíba.  Lutou contra a discriminação e o racismo, incentivando a organização e a luta dos afro-brasileiros. 

                   Mensagem de Dom José Maria Pires - Pacto das Catacumbas 


Filho de mãe de sangue africano e cigano e o pai de família portuguesa. Nascido no distrito de Córregos, em Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, aos 15 de março de 1919. Foi o terceiro bispo de Araçuaí e o quarto arcebispo da Paraíba, o bispo mais antigo em ordenação episcopal do Brasil. Aos onze anos entrou para o seminário, ordenando-se padre aos 22, em Diamantina, Minas Gerais. Sua ordenação a bispo veio em 1957, e a arcebispo, em 1966.

Palavras de Dom José Maria Pires:


Trecho de sua primeira homilia ao tomar posse como Arcebispo da Paraíba, em 27 de março de 1966:

"Não seremos fermento na construção do mundo se não o promovermos. Enquanto imperar a fome, a miséria e o analfabetismo, enquanto não se respeitar no operário ou no camponês a dignidade da pessoa humana, os cristãos não estarão sendo cristãos; a Igreja não estará sendo uma comunhão dos homens entre si porque não há comunhão sem circulação de bens, de todos os bens, seja os do espírito, seja os do corpo ou do exterior" (PIRES, 2012, p. 27).


Na luta contra o regime militar, em 1980, disse:

"É dever da Igreja proclamar os direitos inalienáveis da pessoa humana, direitos que não podem ser sacrificados por nenhum Estado, por nenhum sistema, por nenhuma doutrina. E, em consequência, ela deve denunciar as violações a esses direitos onde quer que eles surjam." (1980, p.172)


"Não é compromisso com uma teoria ou com um partido: é a fidelidade a Jesus Cristo que nos impõe essa atitude. Ele dignificou e valorizou a pessoa humana onde quer que ela se encontre: na criança, no jovem, no enfermo, no pecador, no criminoso. Ele situou. O direito da pessoa acima do direito da lei." (1980, p.172) 


E também num artigo publicado em Recife, em 2006, a respeito da luta de posseiros pela terra, em Alagamar, intitulado de “A Igreja em favor dos pequenos: memórias de Alagamar”, Dom José, escreveu:

"Já em uma de suas assembleias a Igreja da Paraíba havia aprovado a seguinte diretriz: Solidarizar-se com o povo na luta em defesa de seus direitos e denunciar tudo aquilo que desrespeita os Direitos Humanos e a justiça”. E, em consequência formulara este compromisso: “Nós nos comprometemos a viver melhor o mistério da Encarnação: tentando ser pobres e estar com os pobres e, assim, irmos nos afastando do centro e irmos nos aproximando das margens. Sem excluir ninguém, mas conscientes de que os pobres são os destinatários do Evangelho, queremos deixar clara nossa convicção de que nos pequenos é revelado o conhecimento da salvação e, na medida em que se conscientizam, tornam-se a força libertadora do mundo." (2006) 

Sobre a Teologia da Libertação:

"A grande verdade a ser proclamada é que Deus é amor e que sua glória é ver o homem feliz! E a moral ultrapassa os particularismos da perfeição individual, para situar-se no dever de respeitar a vida, de defender os direitos humanos e promover a felicidade do próximo. É a essa Teologia que se denominou Teologia da Libertação. Uma Teologia que se debruça sobre a dura realidade do homem, vítima da injustiça. Ela procura interpretar a realidade à luz da história do povo hebreu e da aliança de Deus com os oprimidos." 

Sobre a cultura negra e diálogo com religião de matriz africana>

"No começo, a Igreja condenou tudo isso. Porque ela entrou no Brasil e na América através dos que vieram da Europa. Eles eram católicos, todos. Eles achavam que religião era aquilo, tinha que ser desse modo. Quem não praticasse daquele jeito, naquele estilo, estava fora. As coisas de índio eram consideradas como superstição. As coisas de negro eram superstição. Então joga o fora o candomblé. Vai passando o tempo, e a gente então vai descobrindo que realmente Deus está presente nessas culturas todas. Você tinha que respeitar a cultura diferente. Não foi fácil. Em 1992, a gente ainda teve uma discussão forte sobre isso em Santo Domingo, na Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. A gente viu que o que a Igreja crê é na inculturação da fé, do evangelho. Eu não posso viver a minha fé do mesmo modo que vive um sujeito lá da Europa, que tem um estilo de vida completamente diferente. A fé é a mesma, a maneira de viver é diferente. Para o europeu rezar, quanto mais calmo tiver, melhor. Para o negro, não. Quanto mais dançar, mais ele acha que está louvando a Deus com suas danças e batuques. Até 1992, não se aceitava esse processo de inculturação. Em Santo Domingo, foi aprovado que era necessário inculturar o evangelho na América. Isso exigiu uma adaptação e mostrou que as culturas não são ruins. O que é fundamental na cultura afro? Os orixás. Se tivessem entendido isso desde o começo, os negros teriam adorado. O orixá é como se fosse meu anjo da guarda. Todo mundo ao nascer tem o seu orixá. Na doutrina católica, todo mundo tem o seu anjo da guarda. Então é só porque mudou de nome? Todo mundo da Igreja Católica adora a Deus. Na cultura africana, eu adoro Olorum. Só mudei de nome, não é? O fato de o Vaticano II ter dado atenção a estas culturas fez com que muita coisa que antes era impossível se tornasse fácil. Esse diálogo entre diversas culturas religiosas também ficou."

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