sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Prefeitura de Uberlândia: Desrespeito à agricultura familiar

Surpreendidos por uma postagem no facebook do prefeito de Uberlândia, nos resta refletir. Mais uma vez o esvaziamento de conceitos, diferenças e disputas que existem na sociedade mascaram a realidade. O Prefeito Gilmar Machado não compreende que a agricultura familiar e o agronegócio são incompatíveis. Ao convidar o Ministro do Desenvolvimento Agrário para participar da edição deste ano da Feira do Agronegócio do Estado de Minas Gerais (Femec), que será realizada em Uberlândia, no Sindicato Rural, no mês de março, fica clara essa incompreensão. Segundo o prefeito o convite é para que o MDS participe desta feira do agronegócio com o programa do governo federal, Mais Alimentos, que atende a agricultura familiar. (foto: facebook Gilmar Machado)

Ora, a FEMEC é a feira do agronegócio. Os interesses do agronegócio são antagônicos aos da agricultura familiar e da reforma agrária. O agronegócio se baseia na monocultura extensiva, no uso intensivo de venenos agrícolas (agrotóxicos), na exploração do trabalho, na eliminação alarmante de empregos, no aumento da concentração do mercado e na apropriação da ciência e tecnologia para coloca-las o serviço do capital. O agronegócio, ainda, se apropria de todos os recursos naturais, com práticas que causam grandes impactos ambientais. Infelizmente esses processos, apoiados e movidos a partir de esferas de poder, vide Katia Abreu como Ministra da Agricultura Pecuária e Abastecimento, desenvolvem uma política e ideologia que reforçam o agronegócio como a única uma realidade inquestionável.

A agricultura familiar, por sua vez, é mais que um pacote de tecnologia, insumos, capital e mercado. É acima de tudo uma forma de organização da vida nos territórios. A agricultura familiar estabelece sistemas de convivência com a natureza. A prática agrícola familiar trabalha com sistemas mais diversificados na produção de alimentos, utiliza o mínimo de insumo externo, integra lavoura e pecuária, e busca a adaptação ao meio natural, possibilitando a criação de sistemas sustentáveis de produção.

A FEMEC é uma das expressões mercadológicas do agronegócio. Ela conjuga interesses das indústrias, de equipamentos, de insumos agrícolas, de transgenia, com os da indústria transformadora das matérias-primas agrícolas, todos esses setores são amplamente dominados pelas grandes multinacionais, basta conferir a lista de confirmação de empresas expositoras já confirmadas.

O agronegócio favorece a insegurança alimentar e atenta contra a soberania alimentar. No setor de grãos, por exemplo, apenas cinco empresas controlam toda a cadeia, desde as sementes e insumos ao mercado internacional, entre elas a Monsanto, a Cargill e a Bunge. Se aprofundarmos, um pouco mais, vamos ver que Monsanto, Bunge, Cargil, ADM, Basf, Bayer, Sygenta, Novartis, Nestlé e Danone, controlam praticamente toda a produção agrícola, de agrotóxicos, de sementes transgênicas e o comércio agrícola de exportação.

O Sindicato Rural de Uberlândia representa o agronegócio e os interesses do latifúndio. Trata-se de uma entidade de classe historicamente contrária à Reforma Agrária.

O agronegócio articula os interesses dos grandes proprietários de terra, do capital financeiro e de empresas transnacionais. Ele especula com o preços das commodities agrícolas. O agronegócio avança sobre territórios, produz para o mercado internacional, concentra os investimentos públicos, contamina o meio ambiente, inviabiliza a agricultura familiar.

Como acreditar que não existe uma contradição e um desrespeito, ao se levar para uma feira do agronegócio, uma política de governo voltada para a agenda da agricultura familiar? O agronegócio brasileiro é alinhado ao capitalismo global e utiliza as mais modernas tecnologias e métodos de produção, para especular com as commodities agrícolas, mantendo práticas arcaicas e violentas, como a formação de milícias armadas, o desrespeito aos direitos trabalhistas e a prática de crimes ambientais.

Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas pela agricultura familiar, essa é responsável pela produção de 70% dos alimentos que entram no prato do brasileiro. 85% das propriedades rurais do Brasil são de agricultura familiar. O número é alto, mas como a área delas é pequena, juntas, ocupam menos de 25% das terras. Ela emprega quase 75% da mão-de-obra no campo.

Esperamos que a feira do programa Mais Alimentos seja realizado em um contexto que reforce e privilegie os valores éticos, econômicos e culturais dos agricultores familiares. Onde a sustentabilidade, a ética, a produção de alimentos e a cidadania sejam compromissos fundamentais. Lamentamos o desrespeito à luta pela agroecologia, a segurança alimentar, a soberania alimentar e pela reforma agrária. 

Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, ofm

Um comentário:

  1. Que aula que vc deu ao prefeito!Separar o "joio do trigo" e essencial para o gestor público.

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