domingo, 17 de novembro de 2013

As ocupações dos vazios urbanos em Uberlândia (MG)

Nos últimos anos, a cidade de Uberlândia está vivendo um grande movimento de ocupações, de solo urbano, por parte de famílias de sem teto. Esse movimento se intensificou nos últimos meses, e existem hoje cerca de 20 áreas ocupadas, chegando a um número total de mais de 13 mil famílias.

(foto ao lado: Acampamento Irmã Dorothy -área de 398 hectares, entre os bairros Canaã e Jardim Célia)

Poderíamos nos perguntar sobre o porquê dessas ocupações. Quais seriam os fatores, que levam famílias que vivem de favor, ou que partilham cômodos em um mesmo imóvel, ou ainda que pagam aluguel consumindo a maior parte de seus salários, buscarem o recurso das ocupações, para conseguirem moradia própria? 

Alguns fatores:

- A reintegração de posse de áreas ocupadas, por meio de despejos forçados, não resolvem o problema da moradia. Costumo dizer, que a retirada de famílias, nada soluciona, pois o povo não evapora ou desaparece no ar. Esses despejos forçados, além de violarem o direito do ser humano a um local onde viver, adiam e agravam o problema.

O ano de 2011 pode ser considerado como o início dessa recente movimentação. Na região entre as rodovias BR 050 e a MG 452, próximo ao CEASA, em Uberlândia, aconteceu uma grande ocupação de área urbana, cuja propriedade é questionada, devido a sobreposição de matrículas e grilagem. Eram 5 mil famílias de sem teto, integrantes da Associação dos Trabalhadores Rurais Bela Vista (ATRBV), que foram despejadas, no início de agosto daquele ano. Essas famílias se dispersaram, algumas foram para acampamentos de sem-terra, e outras iniciaram um acampamento nas margens da BR 050. Parte da área que fora ocupada, foi desapropriada pela então administração municipal, para construção de um cemitério.

No mês de janeiro de 2012, as mesmas famílias, que foram despejadas em 2011, se organizaram no Movimento dos Sem Teto do Brasil (MSTB), e ocuparam parte da Fazenda Glória, de propriedade da Universidade Federal de Uberlândia, num total de 2.200 famílias. No dia 30 de agosto de 2012, parte da área que fora ocupada em 2011, próximo ao Ceasa, foi ocupada novamente. Essa ocupação foi feita, também, por famílias que de lá haviam sido despejadas e que se organizaram na Associação Povo Sem Terra (APST).

- As várias manifestações populares de junho eclodiram por todo o país com um caráter difuso de reinvindicações. Essas manifestações expressaram um descontentamento amplo. De uma questão pontual, a do preço da tarifa do transporte público, passaram a inspirar vários setores da sociedade, em suas reivindicações. Essas manifestações acabaram dando coragem para setores populares expressassem suas reinvindicações. As manifestações chegaram às periferias das cidades, e reforçaram uma luta já existente, a da moradia. Enquanto no centro as manifestações eram momentos de concentração e marchas, que aos poucos foram perdendo folego, nas periferias a coragem de se manifestar, consolidou os movimentos de sem teto, cujas ocupações eclodiram, de lá pra cá, com força e enorme determinação. Hoje, as áreas ocupadas, se constituem em uma manifestação permanente, pelo direito à casa própria, e uma cidade mais justa.

O déficit habitacional na cidade e o número previsto de habitações populares para os próximos quatro anos. Existe na cidade de Uberlândia 50 mil famílias inscritas no programa “Minha Casa Minha Vida”. Esse dado do déficit habitacional aponta para um número muito maior de famílias sem moradia adequada. Essas 50 mil são as que se inscreveram, nesse programa do governo federal.

Por outro lado, a política de habitação, por mais que tenha evoluído em número de unidades de moradia, para famílias de baixa renda, ainda não consegue atender a demanda. A atual administração municipal, propôs durante a campanha eleitoral, e está empenhada em realizar, a construção de 10 mil casas populares. Aqui basta um raciocínio simples. Qualquer um entende que 40 mil famílias não serão contempladas, nos próximos 4 anos. Essas famílias não têm perspectiva alguma de moradia.  Isso significa que está instaurado um impasse. De um lado uma grande demanda e de outro a insuficiente capacidade de solucionar o problema habitacional. Resta às famílias continuar na crônica e interminável espera, ou partir para uma solução realmente popular, para realização do direito constitucional à moradia, as ocupações de terra.

Estamos diante de uma sociedade historicamente desigual na qual os direitos à cidade ou à moradia, não são assegurados para a maioria da população.

- Os vazios urbanos, para especulação imobiliária são uma realidade na malha urbana de Uberlândia. A cidade cresceu deixando grandes áreas vazias, verdadeiras fazendas urbanas, que servem de reserva para o mercado imobiliário. Um enriquecimento ilícito, porque se realiza desrespeitando o princípio constitucional da função social da propriedade urbana.

O regime constitucional da propriedade, no âmbito da Constituição da República de 1988, tem como princípio basilar a função social, o qual permeia todo o texto constitucional referente ao tema. O não cumprimento da função social da propriedade urbana, com a conivência das administrações municipais em Uberlândia, ao longo de décadas, impede a integração da sociedade no processo de desenvolvimento urbano e da realização do pleno direito à cidade, por parte seus habitantes.

Uma melhor distribuição de terras, pautada tanto pela justiça e pela moral, evitaria o enriquecimento de empresas imobiliárias, ou particulares às custas dos impostos arrecadados da coletividade. Os equipamentos públicos, como ruas, asfaltos, energia elétrica, água encanada e esgoto, que circundam esses vazios urbanos e os valorizam, são pagos por todos, favorecendo os especuladores. A cidade de Uberlândia, além das áreas fruto de grilagem, cresceu estabelecendo vazios urbanos especulativos. A malha urbana saltou áreas, aumentou distâncias preservando o futuro negócio de uns poucos.

Um exemplo desses latifúndios urbanos é a área, entre os bairro Canaã e Jardim Célia, que foi ocupada por famílias de sem teto do MSTB, em outubro de 2013. Se trata de um imóvel, de 398 hectares, um latifúndio urbano, com galpões de granja abandonados, dentro da malha urbana da cidade. Local cujos pretensos proprietários, há mais de um reivindicando-se como proprietário, haviam deixado abandonado à espera de uma valorização imobiliária. O irônico de tudo isso é que enquanto o crime se servia da área, como um cemitério clandestino e local para execução, nenhum tipo de vigilância privada havia. Agora, que mais de 3.000 famílias de sem teto estão buscando moradia e uma vida digna naquele local, a vigilância privada já foi contratada. Por sua vez, a justiça já espediu mandado de despejo, para que a polícia retire as famílias.

O poder judiciário, assim como o estado com seu poder de polícia, atuam com toda energia para garantir o direito de propriedade. Porém se silenciam diante da força do capital imobiliário. Interesses e alianças políticas, permitem que os especuladores imobiliários continuem intocáveis. Historicamente o poder público aliado aos donos do capital criminalizam comunidades e as ações do movimentos dos sem teto.

O Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, criou instrumentos que possibilitam ao Poder Público fazer cumprir a função social da propriedade urbana: dar um uso a terrenos que se beneficiam de infraestrutura urbana porém estão abandonados. As ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social são um ótimo exemplo. Porém, as prioridades das administrações municipais são outras.

Hoje, em Uberlândia, as famílias de sem teto organizadas em movimentos, lutam para que os programas ou políticas de habitação respondam à urgência de suas necessidades. Querem ter um papel decisivo na sua definição e implantação do direito à cidade e à moradia. A população não aceita mais a realidade da especulação imobiliária na cidade de Uberlândia. 

Texto: Frei Rodrigo Péret, ofm

Nenhum comentário:

Postar um comentário